Nestas poucas linhas, apresento duas tragédias de conhecidos meus e seus diferentes comportamentos nas situações envolvidas. Não citarei o nome de todas as pessoas, mortas ou vivas, para preservá-las.
Meus filhos tinham cerca de sete anos quando foram surpreendidos pela notícia de que um de seus amiguinhos fora baleado pelo vizinho, também de sete anos. A notícia se espalhou como fogo em pólvora pelo condomínio e, em pouco tempo, a vizinhança estava toda reunida tentando salvar o garoto baleado. O fato foi que os dois garotos brincavam de roleta russa com o revólver do pai de um deles, que era delegado de polícia. Infelizmente, nessa brincadeira, o filho do delegado acabou matando nosso amiguinho. Quando ligaram para o delegado dando-lhe a fatídica notícia, este tentou esconder o crime, orientando o filho a limpar as digitais da arma e a colocá-la na mão do garoto morto. O crime nos chocou profundamente, e nos indignamos muito com a atitude do delegado, que logo se mudou e nunca mais o vimos.
Há poucos dias, nós brasilienses fomos surpreendidos com um caso idêntico, em que dois garotos de 12 anos de idade brincavam com revólver e sem querer um atirou no noutro. Dessa vez, a vítima foi o Elias, filho do Kelson, cuja família sou amigo há mais de vinte anos.
Como não pude ir ao enterro, fui à missa de sétimo dia na quadra do colégio Mãe Admirável. Lá, havia cerca de 200 pessoas vestidas com camiseta branca, estampada com a foto do Elias de chapéu, óculos e um lindo sorriso. Ao fundo da quadra, havia um mural com várias fotos do Elias com seus coleguinhas da escola. Estes escreviam frases carinhosas e relembravam os bons momentos que passaram juntos.
O garoto que disparou o tiro chama-se Daniel. Durante a missa, o padre pediu a Deus que consolasse a família do Elias e a do Daniel. Foi uma missa marcada de emoção, lágrimas e abraços de consolo. Já quase no fim da celebração, após a comunhão, algumas pessoas pegaram o microfone e deram depoimentos de seus sofrimentos e como a fé em Deus ajudou a superá-los. Pela primeira vez, vi um pastor evangélico fazer um culto dentro de uma missa. Foi lindo! E todos nos arrepiamos quando ele chamou os pais do Elias e os pais do Daniel para o centro do salão. Até então, eu não sabia que as duas famílias estavam ali. Mas estavam. Todos sentados, igualmente em prantos, ao lado do Kelson e da Sarah, pais de Elias. O pastor pediu que estendêssemos a mão aberta em direção àquelas famílias. Depois pediu que nos abraçássemos para simbolizar a união delas. Cantamos e choramos abraçados. Em seguida, a mãe do Elias agradeceu a Deus por Ele ter lhe emprestado o Elias por doze anos. Nunca vi tamanha sabedoria!
Contei esses casos para mostrar que a ética está viva até nos momentos de enorme dor. Enquanto no primeiro caso, o pai ensinou o filho a mentir, no segundo, as famílias dos dois garotos foram éticos até na tragédia. Contando essa história é a minha maneira de elogiá-los e de dar-lhes o meu abraço.