A MORTE
Não viverei muito, portanto tenho que viver rapidamente.
A morte me espreita em cada esquina.
Quando caminho, ela caminha ao meu lado.
Sua presença é tão constante que até me acostumei com ela.
Alta, bonita, sensual, olhos e cabelos escuros, lábios finos.
Sempre com um vestido negro, transparente, mostrando as belas formas do seu corpo.
Ouço o seu sorriso zombeteiro de vez em quando.
Mas eu não tenho raiva dela, pelo contrário, até admiro-a,
ela está apenas exercendo o seu ofício.
Agora está rindo mais forte, chega a se contorcer de tanto rir.
Não sei o que ela está achando tão divertido.
Ela viaja ao meu lado quando saio no carro,
senta-se muito à vontade cruzando as longas pernas e fumando um cigarro numa piteira de marfim.
E conversamos muito;
Sobre o tempo, sobre o trânsito...
Vez por outra, entramos num assunto um pouco mais sério;
Sobre a vida e o amor.
Aí ela fica um pouco embaraçada, mas logo se controla, ela não tem pressa.
Foi escalada para me acompanhar desde que eu saí de casa pela primeira vez.
-Quem a escalou?
Ela não sabe.
Só sabe que tem ordens de me acompanhar aonde eu for, pois a qualquer momento eu posso desencarnar e ela precisa estar por perto para levar a minha alma para o Tribunal Celestial.
-E como é a “barra” lá?
-A coisa não está muito boa, já assisti a milhões de julgamentos e nenhum terminou sem uma severa punição.
Ninguém segue mais os ensinamentos do Grande Chefe.
Recife, 12 de julho de 1972.
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