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Cartas-->39. CLODOALDO -- 27/08/2002 - 06:50 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A miséria que me tomou conta da alma, desde o último desencarne, se acentuou, depois de um tempo em que passei no Umbral, ajustando contas com antigos desafetos. O fato de haver retornado criança não os afastou de mim, dado que as ondas de malignidade de meu ser estavam espicaçadas pela revolta de haver sido despejado da Terra sem aviso prévio.

Vivi doze anos nos subúrbios de grande cidade e aprendi todas as malícias do sexo e da criminalidade. Seria chamado de peralta, se fosse filho de gente abonada. Sendo meus pais negros e pobres, era simplesmente delinqüente juvenil ou, como se diz hoje em dia, menino de rua infrator.

Essa vida livre de rapazelho sem educação não me favoreceu a ingenuidade conservada dos demais colegas de grupo. “Renasci”, no etéreo, lúcido da embriaguez da perversidade. A vida não me adiantara de nada.

Depois de umas sovas bem dadas pelos que desejavam vingar-se, pus-me a chorar como nunca o fizera em vida. Mistérios da psique envolta por restos de infantilidade. Era a maneira que encontrara de me refugiar da perseguição. Se estivesse vivo e fosse recolhido a instituição de benemerência, tipo orfanato, iria produzir as mesmas lágrimas de crocodilo, as quais, afinal, pelo incremento das idéias de injustiça e desamparo, acabaram por tornar-se verdadeiras. Na Terra, se fosse preso em instituição oficial para menores delinqüentes, o procedimento teria sido muito diferente, devido à necessidade de me defender dos ataques dos que se consideram donos do pedaço, pela força dos sequazes e pelo domínio intelectual sobre os demais, pequenos imbecis como eu.

Pois as tais lágrimas atraíram seres de nível mais elevado, que cuidaram de mim e me deram a oportunidade de freqüentar a colônia. Fiquei bastante tempo internado no hospital, para restabelecimento das feridas do perispírito. Quando estava convalescente, convidaram-me para participar da turma, com a única condição de ouvir em silêncio. Não desejavam, certamente, que interrompesse a discussão com problemas demasiado superficiais.

Enquanto insisti em me manter com a figura do moleque safado, não me permitiram participar de nenhuma atividade externa. É que deveria estabelecer para mim os princípios evangélicos como superiores, no sentido de me levar a compreender a dor, o sofrimento, as vicissitudes e a miséria como meios para se atingir um fim, qual seja, a superação das deficiências morais, principalmente.

Um belo dia, aventurei-me a interrogar o Irmão José a respeito da maneira melhor de transformar a aparência, pois cansara-me da rejeição do grupo. Devo dizer que, de início, suspeitara de que todos os percalços causados pela discriminação racial estavam integrados nas personalidades dos companheiros. À vista dessa conclusão sem base na realidade, permanecera, teimosamente, com a imagem desprezada, para oferecer aos parceiros a contínua lembrança de suas debilidades espirituais. Ilusão e perda de tempo e de oportunidades. Nem a cor nem a fisionomia racial, inferiores na sociedade humana condensada no Sul do Brasil, eram o ponto do afastamento da equipe.

Explicou-me o Irmão José que deveria providenciar, por minha conta e risco, o estudo interessado das palavras de Jesus. Lembrou-me que eu conhecia muito bem a parte dos Evangelhos relativa aos milagres e às curas, pois sempre desejara ser salvo sem esforço próprio, não tendo posto atenção nas palavras sublimes, especialmente quando o Mestre Nazareno dizia que fora a fé que salvara o assistido. A expectativa de que tudo pudesse ser absorvido nas aulas, segundo as apreciações dos colegas, dos monitores e dos professores, deveria ser secundada pelo trabalho, para mim ingente e sacrificial, da leitura e da confecção das respostas aos exercícios que se propunham.

Ficara de lado, sim, porque não oferecia nada de meu ao grupo. Queria que o pão nosso de cada dia caísse do Céu, preciosíssimo maná de virtudes, que o Pai me daria, no deserto de minha ignorância.

José me fez ver que a simples pergunta que lhe endereçara ensejou série imensa de considerações e conselhos, mas que não deveria abster-me de buscar tarefas adequadas às condições de grande inferioridade mental.

Esta a lição que preparei, cuidadosamente, para trazer em modestíssima mensagem, qual seja, a de que os leitores não devem ficar tão-somente a ler as obras mediúnicas, obtendo a satisfação da confirmação da vida pós-túmulo. Isso é excessivamente elementar e todos os textos anteriores estão a confirmar que o trabalho deve ser muito mais profundo.

Vocês acham que a manifestação seria possível no primeiro momento em que fui convidado a assistir às aulas? Evidentemente, não. Dei duro nas matérias elementares e estou cursando o segundo ciclo, um pouquinho mais avançado, perfeitamente entrosado ao grupo e apto a tisnar a pele de amarelo, verde, azul ou violeta, para a impressão gloriosa de que estou feliz e satisfeito com o relacionamento com os demais. E, se quiser apresentar-me moleque e negro, poderei fazê-lo sem constrangimento, que não é pela aparência exterior que se deve medir o adiantamento espiritual de ninguém.

Disse que a miserável condição social do encarne não me serviu para adiantamento, de forma que perdi a oportunidade de crescimento durante a vida. Contudo, com a ajuda prestimosa dos parceiros e demais membros desta sociedade filantrópica, pude recordar-me de todas as decepções, para perlustrar cada tópico, segundo o que teria sido se me tivesse deixado capitular pelos mandamentos evangélicos. Foi trabalho hercúleo, que me tirou muitas horas de sono e me deixou quase paranóico, mas venci os temores e as dificuldades, compreendendo muito bem que fazer o bem ao próximo é demonstrar que amamos a Deus sobre todas as coisas.

Ditos dessa maneira, os conceitos se vulgarizam demais, no entanto, se não fizer referência ao que há de mais sublime na existência, como é que irei dar ao irmãos leitores a justa idéia do que deve levá-los pela vida afora?!...

Fiquem na paz do Senhor!

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