O cego do realejo
maria da graça almeida
O cego do realejo...
há tempo que não o vejo!
Tão só lhe escuto as notas
na sorte que ele suporta.
Nelas habitam a poesia
e o destino da nostalgia.
O cego do realejo...
há tempo que não o vejo!
Conheço dele o cansaço
e as fortes dores do braço,
mas não sei se o mais sofrido
é o homem, ou o pássaro.
Do cego, os pés sempre em bolhas,
o pássaro sem ter escolha,
vagam pelas calçadas,
na doce lida suada!
O homem do realejo
pisa sem ver o chão,
só sente o papel que desliza
na sorte que entrega em mãos!
E as notas soando fracas,
roucas, poucas, opacas,
parecem sussurros de monges,
nas preces ouvidas ao longe.
O cego do realejo...
há quanto tempo não vejo?
Ó velho do realejo,
revê-lo ainda é meu desejo!
Velhinho do realejo,
não sei se mais irei vê-lo...
maria da graça almeida
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