Há poucos dias comprei um sofá novinho na loja e ao levá-lo para casa parei num semáforo que ficara vermelho. Minha filha observou que ao lado do semáforo havia um sofá velho que conversava com o nosso sofá no porta-malas do carro.
Ao constatar que conversavam, fiquei atento ao diálogo e ouvi o sofá velho, num tom amargurado, dizer mais ou menos o seguinte:
- Amigo, aproveite sua alegria e sua juventude. Um dia você será jogado fora que nem eu fui. Ontem à noite meus donos deixaram-me aqui. Não o fizeram de dia porque ficaram com vergonha de andar comigo às vistas de todo mundo.
- Que triste! O que você fez de errado para te jogarem fora? – perguntou o meu sofá.
- Não fiz nada, apenas fiquei velho. E te digo mais: participei de todas as festas na casa deles. Aconcheguei-os quando estavam tristes, cansados ou felizes. Todos eles refugiavam-se em meu colo – respondeu o sofá velho com a voz embargada.
O sinal abriu, eles se despediram e fomos embora.
Ao chegar em casa, minha filha e eu observamos que o nosso sofá já não tinha o mesmo brilho de quando o tiramos da loja. Era cor terracota, cabia três pessoas e o tecido engomadinho agora parecia sem vida, amassado e desbotado. Estava com aparência de sofá velho.
Passados alguns dias comprei-lhe uma capa novinha. O tapeceiro foi lá em casa e caprichosamente o mediu e avaliou a capa mais bonita. Alisei o sofá e prometi que ele ficaria mais bonito e mais alegre com uma capa verde.
Ainda assim sua tristeza não foi embora. Vesti-o com a nova roupa e fiz uma animada festa. Convidei pessoas alegres e bonitas, acendi velas especiais e liguei uma lâmpada só para iluminá-lo. Derramei-lhe uma taça de champagne dos bons para animá-lo. Nada o revigorou.
No dia seguinte, uma tarde chuvosa, aproveitei a fogosura da minha mulher e fizemos amor no sofá triste. Eu queria mostrar que o amor se alastrava pela casa.
Para espantar-lhe a tristeza, ainda comprei duas cadelinhas para se deitarem nele. Jujuba e Balinha. Às vezes ficávamos os três pulando e sorrindo em cima dele. Mas o brilho do primeiro encontro tinha-se ido embora para sempre.
Minha última tentativa foi comprar uma linda poltrona e deixá-la ao lado dele. Ela tinha pernas lindas, bem torneadas e ficavam abertas o dia todo na frente dele. Nem isso o reanimou. Foi só mais uma idéia frustrada.
As palavras do velho sofá o marcaram mais que as festas, as luzes ou o cheiro do amor que eu e ela impregnamos nele.
Dando-me por vencido, perguntei o que o faria feliz. Prontamente ele respondeu:
- Nada. No dia do semáforo havia uma criança abandonada sentada no sofá velho. Você é tão cruel que nem a viu. Trouxe para casa pessoas felizes e duas cadelas, mas não trouxe a criança, nem sequer notou que ela pedia esmolas e estava faminta. Se você não amparou uma criança, seu semelhante, como poderei acreditar nos seus agrados?
E continuou:
- No dia após a sua festa aquela criança esteve no seu lixo catando comida e latas de cervejas. Além de não chamá-la para dentro e abrigá-la você desconfiou que ela estivesse disfarçando para assaltar sua casa.
Passei três dias digerindo essas palavras à procura de uma solução mas não tive outra escolha. Como não gosto de sofás tristes, na noite seguinte deixei-o no mesmo semáforo e comprei outro novinho. Na volta para casa, mudei de caminho. Fui pela Ponte JK que não tem semáforos nem crianças abandonadas.