I
Na caminhada pela vida afora,
Nos comportamos como pobres loucos:
Momentos de prazer foram tão poucos
Que a lei da menor dor inda vigora.
É que, ao fazer ao bem ouvidos moucos,
O homem não percebe que demora
O dia quando os males vão embora,
Conquanto os sons das vozes sejam roucos.
Assim, quedar no etéreo sem trabalho
É pôr um pedregulho em cada pé,
Tornando o sofrimento em espantalho.
Por isso é que fugimos da ralé
Que quer nos embrulhar num agasalho
Que põe de lado o amor e a boa-fé.
II
As armas que empregamos nesta luta
Nos são oferecidas pela Terra.
Por isso, quando o metro o médium erra,
A rima fica estanque, irresoluta.
Mas quando um bom soneto a turma encerra
E vê que o povo todo a lei escuta,
O médium sabe bem que a força bruta
Esteve muito longe desta guerra.
Contextos não nos faltam p ra aplicar
O ensino que nos dão os caros mestres,
Que o barco o que mais deve é ir ao mar.
Na ânsia de encontrar outros terrestres,
É bom que se navegue devagar,
Com medo de que tu nos defenestres.
III
P ra transbordar o copo, uma só gota.;
Para entornar o caldo, uma expressão.;
P ra conhecer gigante, um só dedão.;
P ra desprezar rasgado, uma alma rota.
P ra transbordar de amor, um coração
Que saiba apreciar uma garota,
Embora tenha medo que, marota,
O faça alimentar-se em sua mão.
Assim é que esta rima se soletra,
Enquanto o nosso metro bem saltita.
Em baile em que almo amor dá de “penetra”.
Inteligência agora regurgita,
Que o parto da poesia só obstetra
Envolto de emoção extrai, catita.
IV
A levedura da cerveja cresce,
Processo químico, fermentação.;
O nosso verso, sem calor, carece
Do aquecimento do seu coração.
Procure dar-lhe a última demão,
Que a nossa veia rítmica perece,
Como sufoca a mente deste irmão,
Por não sentir, no etéreo, o som de prece.
Arrevesado, o verso não dá chance
A que o encarnado cumpra o seu dever.
Assim, há que esperar que não avance,
Embora pague o mundo para ver
Qual vai ser, na rima, o melhor lance,
Que tenha sobre a dor força e poder.
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