SOCORRO MEU DEUS!
Ana Zélia
Meu Deus, até quando me quereis testar, já estou ficando sem forças para lutar.
Sabes que sou casada com um alcoólatra, que só deseja assassinar-me.
Prejudica meus filhos a toda hora. Pobres crianças.
Hoje Senhor, tenciono sair amanhã e não retornar. Tomar outro rumo antes que seja tarde.
Mas ele me perseguirá como a meus filhos. O que fazer Senhor?
Ajuda-me a resistir um pouco mais, acho que não vou suportar mais tanta humilhação.
Hoje ao sair para a casa dos meus, ele bêbado ficou na porta da rua a chamar-me de vagabunda, para todos ouvirem, que ia me formar advogada, mas ele ia cortar meus passos.
Como? Em que sentido. Só matando-me e é o fará breve.
Tenho certeza disto. É um patife, tenho medo por meus filhos.
Ajuda-me Senhor, prometi me formar primeiro para poder deixá-lo, mas vejo que não chegarei a isto. Pena meu Deus porque o meu maior sonho era ser advogada, dar condições de vida melhor a meus filhos, mas vejo o fim aproximando. A quem falar? Contar? Pedir ajuda? Vejo porque muitas mulheres vêem a morte chegar e continuam com os maridos.
Por que se contarem a alguém, ninguém acredita ninguém ajuda, já pensei falar a algum professor. São tão importantes será que darão crédito?
Veja Senhor, ser mulher de um alcoólatra, que só bebe para fazer o mal, é triste.
Não tenho amigos em quem confiar. Só em vós, não deixe meus filhos casarem e terem a sorte que tenho, livra-os de mãos assassinas e covardes, desastres, tudo.
Dá pensar de homem de vergonha a meu filho homem.
Proteja minhas filhas também. Ajuda-me meu Deus! Ajuda-me.
A minha vida está insuportável, não vejo mais nada, as lágrimas não me deixam continuar.
Sou tão infeliz.
Pobre futura advogada.
Manaus, 14.03.1976 (Ana Zélia)
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Nota da autora. Meu ex-marido era analfabeto e me proibia falar, minha fuga era escrever, sabia que seria morta e assim alguém encontraria algo para incriminá-lo. São folhas de papéis soltas e guardadas escondidas em livros. Achei interessante. Pois neste ano, dia 18.07.1976 me separei de verdade, ele deu três tiros de espingarda atrás de mim e das crianças, felizmente atirou pro alto. Cara de pau foi ao Juiz dizendo que tinha saído de casa e levado os filhos dele, a família dele foi a meu favor e ele disse ao juiz, “esconda esta mulher bem escondida porque se eu encontrá-la a mato, dou incontáveis facadas.” Me formei em dezembro de 1978, com Garantia de Vida. Vivi escondida por quase dez anos até sua morte em 1986. Senti o que era ser livre, livre de vez. Manaus, 28 de maio de 2010. Ana Zélia
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