I
As dúvidas que trouxe dessa vida
Puseram-me suspeito de injustiça
E disse ao coração: — “Enfrenta a liça,
Que a dor para o mistério me convida!”
No mar, o forte vento a onda eriça,
Que é como o marinheiro sofre a lida
De ver seu barco ir a toda a brida,
Levando n alma a fé que a morte atiça.
Escuta a minha voz, preclaro amigo,
E põe de molho as tuas barbas já.
Evita, assim, o que se deu comigo,
Que esta poesia indica como está
A tua fé perante o tal perigo:
Começa a soletrar o bê-a-bá!
II
Inútil fazer versos neste clima
Em que nossa atenção não se desperta
Para enfrentar a vida como certa,
Da mesma forma que se põe a rima.
Nossa malícia apenas encoberta
Desejo vão de tê-la sempre opima:
Quando devemos ter ao povo estima,
Fama e repercussão noss alma flerta.
Tem o ferreiro certo que a bigorna
É sólida na base do trabalho.
P ra nós, é bibelô com que se adorna
A túrgida feição deste espantalho:
Nem água quente ou fria, apenas morna.;
Um verso sem amor: um ato falho.
III
Querenças de uma vida sem destino,
Que se perdeu nas brumas de alto crime,
Angústias de promessa que redime,
Me valho desta rima que combino.
Leituras de uma trova mais sublime,
Que exalta o amor do Pai, em belo hino,
Enquanto a minha glosa eu recrimino,
Embora, no final, o verso rime.
Quem não cuidou de ler seu Evangelho,
No intuito de fazê-lo só bem velho,
Com a desculpa fútil do trabalho,
Também não praticou a caridade,
Porquanto o coração, um dia, há de
Compreender que é pó isto que espalho.
IV
Mas vou levando o verso para frente,
Sofrendo nesta angústia do imperfeito,
Que é como sinto a dor dentro do peito,
Por força de não ter nada excelente.
Se alguém quiser orar, eu bem que aceito,
Pois prece não existe quem lamente,
Desde que a diga mais piedosamente
Do que este vate aqui, que não tem jeito.
Montanhas de palavras se acumulam:
São rimas nestes metros que pululam,
Mas uma só não tem qualquer valor.
Talvez possam causar até “frissons”,
Que estão no coração do amigo os dons
Para encontrar, no verso, o seu amor.
V
Que importa que estes versos eu lamente,
Labuta que, improfícua, me diverte?!
Como já disse acima, é só um flerte,
Que amor há de surgir proximamente.
Que importa que estes versos não acerte
Por não surgir idéia em minha mente
Que proponha sentido coerente,
Já que a minha estrofe é tão solerte?!
Que valha este exercício como treino,
Pois este jogo fútil em que reino
Pode tornar-se um dia verdadeiro.
Então, irei falar muito mais sério,
A revelar aspectos do mistério,
Que é tudo o que a Jesus hoje requeiro.
VI
Pretendo desculpar-me com o médium
Por tê-lo conduzido pelas plagas,
Mas sem ouvir dizer: — “És tu que estragas
A fórmula divina do remédio!”
Assim pudesse ser, durante as sagas
Em que me vi tomado só de tédio,
Sofrendo da maldade vil assédio,
Abrindo o coração em tristes chagas.
Agora eu tenho o lucro da bondade
De quem cuida de mim com tais ternuras
Que pôr-me sobre os trilhos inda há-de.
Pergunto-lhe, voraz: — “Será que juras
Acompanhar-me em busca da verdade?”
E ele devolve: — “É sério que procuras?”
VII
Não te espantes, leitor, deste arremesso:
Põe na conta de quem é sofredor,
Que tudo o que consigo aqui compor
Parece que se encontra pelo avesso.
Eu juro que pretendo ter amor,
Embora esteja ainda no começo.
É tanta a dor, porém, que desfaleço
Só de pensar em promover rancor.
Perdoa, pois, o verso deste dia,
Que a rima concluiu, sem ter poesia,
Embora o tema esteja na Doutrina.
Se enjeitares a glosa por perversa,
Pensa que este coitado só malversa
A parte de minh alma não divina.
|