I
As trevas são prenúncios da maldade,
Que o coração se enche de suspeitas.
Enquanto n alma as dúvidas espreitas,
O medo para os crimes persuade.
É o Sol que tu na vida mais respeitas,
Porque te dá prazer, sem caridade,
E vem de muito longe essa bondade,
Desde que as coisas todas foram feitas.
Cumpre com teu dever de criatura
E estende, pela noite, o compromisso
De alimentar o bem que se depura,
Levando ao companheiro o teu serviço.
Não ajas nessa lida sem lisura,
Que o Sol pela manhã tem bem mais viço.
II
Confronta-te com quem te desafia,
Se o medo te deixar apavorado.;
Mas põe o coração em tal cuidado,
P ra não fugires triste da porfia.
Não digas ao poeta: — “Hoje me enfado,
Que o tema que desejo p ra poesia
Ninguém melhor que eu aqui faria” —,
Deixando este soneto abandonado.
A luta que se trava junto à mesa,
Até pode não ter a tal grandeza
Que a empáfia determina para o verso.
Porém, quando se encerra a boa glosa,
É lídimo o prazer que a alma goza:
O bem mais importante do Universo.
III
As uvas estão verdes p ra raposa,
Se n alma dela apenas mora o tédio,
No entanto, há de dizer: — “Mas que remédio:
Eu tenho de enfrentar quem tanto ousa.”
Será que tem paciência este meu médium,
Para escrever bobagens nessa lousa,
Ou quer que a gente dite uma outra cousa,
Para fazer valer o nosso assédio?
Trabalho noite e dia neste texto,
No intuito de mostrar meu sentimento,
Pois faço da poesia só pretexto,
Para ver se meus créditos aumento,
Pois sei que, ao concluir o canto sexto,
Ao meu canto retorno, em sofrimento.
IV
As “dicas” que me deram, noutro dia,
Para formar uns versos com tempero,
Não hão de combinar co o desespero
Que sinto, ao preparar esta poesia.
Alguns irão pensar em exagero,
Quando disser-lhes que melhor faria,
Se fosse cantar noutra freguesia,
Livrando-lhes do lúgubre entrevero.
Gostei da liberdade da gramática,
Tornando a minha glosa bem mais prática:
Licenças que um poeta muito estima.
Mas, quando a mente permanece extática,
Causando no dial somente estática,
É hora de fechar a pobre rima.
V
— “Não há de ter, por certo, o que fazer
Quem se dedica tanto a um pobre verso!”
É esse um sentimento mui perverso
De quem não compreende o bom dever.
Nem tudo há de caber neste universo,
Que o mal há de trocar com bem-querer.
Se cá viesse apenas por prazer,
O tom da melodia era diverso.
Eu faço, simplesmente, isto que posso,
Modesto no evangelho que aprendi,
Que a caridade e o bem bastante endosso.
No entanto, ao demonstrar o que senti,
No alto da cabeça o medo coço,
Que há coisas que jamais diria aqui.
VI
Pretendo despejar-me brevemente,
Que o fim está chegando de mansinho.
Eu vou agradecer o seu carinho,
Pois quem orou por mim é muito gente.
Desculpe, se lhe fui somente espinho,
Se não soube cumprir com meu batente.
Já disse alguém que o verso sempre mente.;
E disse por estar sempre sozinho.
Passado tanto tempo desse verso,
O artista já esqueceu o seu motivo,
Levando a pura alma em bem imerso.
Assim, o bom amigo, estando vivo,
Um dia, há de sentir, incontroverso,
Este meu Cristianismo Redivivo.
|