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Ensaios-->ECOLOGIA E AGRONOMIA -- 14/05/2000 - 12:49 (Paccelli José Maracci Zahler) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
ECOLOGIA E AGRONOMIA

Paccelli M. Zahler

As discussões acerca do meio ambiente foram incrementadas nos anos 80 e tendem a se incorporar definitivamente no dia a dia das comunidades na década de 90. Depois dos acidentes com as usinas nucleares de 'Three Mile Island' nos EUA e de 'Chernobyl' na URSS; da atuação do grupo 'Greenpeace' contra o lançamento de produtos tóxicos e radiativos nos mares e contra a caça predatória de baleias e focas, sem falar nos 'Partidos Verdes' europeus, pode-se afirmar que o mundo inteiro despertou para o verde.
No Brasil, o ensino da Ecologia foi incorporado nos currículos escolares de 1º e 2º Graus e Superior na década de 70. No mesmo período, foram criados cursos específicos da área em nível de graduação e pós-graduação em várias universidades brasileiras, destacando-se a UNICAMP, a Universidade de Brasília, a UFMG e a Universidade Federal de São Carlos. Teve-se a lucidez de preparar pessoas para, dentro de sua área de atuação profissional, compreender o funcionamento dos ecossistemas e como estes podem ser afetados pelas ações humanas. No entanto, isto não surtiu o efeito que se esperava por que os cursos técnicos, como a Economia, a Administração e as Engenharias ministravam cursos de Ecologia optativos ou apenas para cumprir a determinação do Ministério da Educação e Cultura, não vinculando os princípios ecológicos com a prática profissional, gerando técnicos com uma visão reducionista, os quais esforçavam-se em desempenhar da melhor maneira possível as suas atribuições, sem enxergar claramente as conseqüências de suas decisões sobre o ambiente.
Como resultado, tem-se primado pela megalomania, construindo-se grandes barragens para a geração de energia elétrica, as quais inundam áreas imensas, alteram a biologia dos rios e causam problemas sociais com o deslocamento e o assentamento das comunidades que viviam na área a ser inundada.
Não sendo possível a retirada de toda a vegetação do leito da barragem, sua decomposição sob a água provoca a formação de ácidos que corroem as turbinas, aumentando os custos de manutenção (por exemplo, na Usina Elétrica de Balbina1 ). Tem-se recorrido a desfolhantes químicos, como o famoso 'agente laranja', aplicado em Tucuruí, o qual poluiu os rios, intoxicou e matou pessoas e animais, provocou abortos e deformações físicas em recém-nascidos2.
Como a Ecologia virou moda, as construtoras de barragens têm encomendado Relatórios de Impacto Ambiental a empresas de consultoria, edificando a barragem mesmo que o Relatório seja desfavorável, e demonstrado 'preocupação' com a fauna silvestre, retirando animais da área a ser inundada e os repondo em outros locais, ignorando que isto pode resultar na sua extinção porque, dentro de um ecossistema determinado, cada espécie animal tem o seu território e não permite a presença de intrusos, evitando desta forma a competição por abrigo e alimento3 .
A construção de estradas por parte da Engenharia Civil, além de não considerar as características do relevo ( com raras exceções), acaba provocando desmatamento, o corte de colinas ao meio e a má colocação de bueiros, resultando em voçorocas imensas nas suas bordas, atingindo áreas destinadas ao plantio4.
Este quadro mostra o quanto o ensino da Ecologia está desvinculado da prática profissional e a Engenharia Agronômica tem seguido o mesmo caminho, principalmente, depois dos propalados 'sucessos' da Revolução Verde. Esta consiste na utilização de sementes melhoradas geneticamente, cuja alta produtividade se dá às custas da monocultura em grandes extensões, da utilização de maquinaria pesada para o preparo do solo e grandes quantidades de adubos químicos e agrotóxicos, rendendo ao seu idealizador, o Dr. Norman Borlaug, o Prêmio Nobel da Paz em 1970. Na época, afirmou-se que 'o mundo não precisaria mais preocupar-se com o futuro dos países em desenvolvimento'. Alguns anos depois, verificou-se uma queda na produtividade das sementes melhoradas por serem suscetíveis a pragas e doenças, a ponto do 'The Wall Street Journal' afirmar: 'Nada mais sobrou da Revolução Verde. Na realidade, voltou-se contra si mesma' 5 .
As respostas em curto prazo e a pressão de uma propaganda bem elaborada6 por parte das indústrias de máquinas e implementos agrícolas, corretivos e fertilizantes do solo, agrotóxicos, sementes melhoradas e bombas de irrigação, que obtinham lucros com a venda desses produtos, acabaram criando o mito do 'agricultor moderno', transformando em necessidade o que a criatividade e um trabalho planejado, metódico e disciplinado poderia solucionar. Assim, o 'agricultor moderno' não se preocupava com as ervas daninhas porque o herbicida 'x' resolvia o problema; pragas e doenças não tinham vez com produtos da marca 'y'.
O pior de tudo é que as instituições bancárias somente liberavam (e ainda liberam) o dinheiro do financiamento ou custeio do plantio desde que, no planejamento agrícola, constasse a utilização de 'defensivos agrícolas' pois o Crédito Rural era uma forma de educar o produtor para a 'agricultura moderna' e garantir a colheita. Poucos enxergaram as conseqüências malévolas dessa filosofia e os 'sucessos' da Revolução Verde continuaram a sendo divulgados amplamente.
A 'agricultura moderna' foi adotada por algumas regiões da França, as quais obtiveram grandes produções de grãos durante alguns anos, auferindo bons lucros aos produtores. Depois, verificou-se uma queda gradativa da produtividade pelo mau uso dos adubos químicos, havendo redução na fertilidade do solo, deterioração da qualidade alimentar dos produtos agrícolas, afetando, conseqüentemente, a saúde de animais e homens, com inúmeros casos de diarréia, enterite, claudicação, tetania do pasto, modificação da estrutura anatômica das plantas e carência nutricional7. Esta queda na produção também foi observada em outros países como o Haiti, o Quênia, o Paquistão, as Filipinas e o México5.
A utilização intensiva de agrotóxicos tem afetado os agroecossistemas, provocando intoxicações agudas e crônicas, câncer, abortos, anencefalia em recém-nascidos, morte em aplicadores8 e liquidação da fauna silvestre9 .
Tomando a frente, graças à propaganda e aos recursos financeiros, identificando-se, criando mitos e posicionamentos, e adquirindo a confiança do produtor rural, a agroindústria passou a ditar os avanços da 'nova agricultura'. Isto foi imediatamente incorporado pelas Escolas de Agronomia que, com raras exceções, passaram a preparar profissionais para servirem de mão-se-obra para a agroindústria e, raramente, para usarem sua criatividade e conhecimentos técnico-científicos de forma pragmática. Abriu-se campo de trabalho para a 'assistência técnica' (na realidade, para o vendedor de produtos agrícolas), em detrimento de um trabalho sério e digno, o que contribuiu ( e ainda contribui) para denegrir a imagem do Engenheiro Agrônomo junto aos produtores rurais do interior do país.
Muitas instituições de pesquisa agropecuária, em troca de recursos para o financiamento de suas investigações , afastaram-se dos objetivos para os quais foram criadas para testar e controlar a qualidade dos produtos agroindustriais, o mesmo acontecendo com profissionais inescrupulosos que, agindo no sentido oposto à Ética, têm atuado como 'advogados de defesa' de tais empresas junto ao Governo Federal em troca de polpudas benesses.
No entanto, desde o final da década de 70, esta postura vem mudando gradativamente graças ao radicalismo do Engenheiro Agrônomo José Lutzenberger, que tem sacudido a opinião pública brasileira ao pregar contra a 'agricultura moderna' e denunciar todo o interesse econômico nela envolvido. A partir dele, a classe agronômica passou a repensar a tecnologia gerada pela Revolução Verde, a analisar as suas limitações e o seu impacto sobre o ambiente. Surgiu a idéia da adoção do Receituário Agronômico para controlar a comercialização e a aplicação dos agrotóxicos 10,11 , reduzindo a contaminação dos alimentos e a intoxicação e morte dos aplicadores, tendo sido aprovada recentemente a 'Lei dos Agrotóxicos' (Lei nº 7.802, de 11/07/89).
Apesar das resistências e das discriminações sofridas pelo Engenheiro Agrônomo com formação ecológica, não só pelos produtores e empresários rurais como, anti-eticamente, por colegas de profissão ainda presos ao mito da Revolução Verde e com uma idéia romântica e errônea a respeito da Ecologia, já se observam mudanças entre os atuais estudantes de Agronomia, os quais já demonstram preocupação com os aspectos ecológicos da produção agrícola. Este interesse tende a ser maior com o desenvolvimento das pesquisas na área de Agroecologia 12.
Pode-se concluir que, apesar das reações contrárias que ainda persistem, a Agronomia tende a fundamentar-se cada vez mais nos princípios ecológicos. A Revolução Verde cumpriu o seu papel ao mostrar diversas formas de aumentar a produção, mas não conseguiu reduzir o problema da fome, além de marginalizar grande parte da população rural 12 e causar prejuízos ao ambiente pelo uso intensivo de produtos químicos.
É necessária uma adequação entre os conhecimentos ecológicos e tecnológicos hoje disponíveis e não a visão romântica de uma volta aos sistemas primitivos de produção para retirar da terra o que ela pode dar, sem exaurí-la na ânsia cega do lucro imediato. Isto somente será possível com a vinculação do ensino técnico com os fundamentos ecológicos.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

1. FEARNSIDE, P.M. Brazil s Balbina dam: environment versus the legacy of the pharaohs in Amazonia. Environmental Management, 13(4):401-423. 1989.
2. PINHEIRO, S. 1989. Tucuruí: o agente laranja em uma república de bananas. Sulina, Porto Alegre. 181 p.
3. HENRIQUES, R.P.B. Salvamento ou massacre? Ciência Hoje, 8 (46):64-66.1988.
4. AEA/DF.1988. Anais do 1º Congresso Brasileiro de Bacias Hidrográficas. Brasília, DF.
5. MOONEY, P.R. 1987. O escândalo das sementes. SARGS/Nobel, São Paulo.146 p.
6. HALLIDAY, T.L. 1987. A retórica das multinacionais: a legitimação das organizações pela palavra. Sammus, São Paulo. 167 p.
7. VOISIN, A. 1988. Adubos: novas leis científicas de sua aplicação. Mestre Jou, São Paulo. 130 p.
8. BULL, D. & HATHAWAY, D. 1986. Pragas e venenos: agrotóxicos no Brasil e no Terceiro Mundo. OXFAM/FASE/Vozes, Petrópolis, RJ. 236 p.
9. DORST, J. 1973. Antes que a natureza morra. Blücher, São Paulo. 394 p.
10. SARGS. 1978. Fundamentos do receituário agronômico. Porto Alegre. 153 p.
11. SAMPAIO, D.P.de A. & GUERRA, M. de S. 1988. Receituário agronômico. Globo, Rio de Janeiro. 436 p.
12. ALTIERI, M. A. 1989. Agroecologia: as bases científicas da agricultura alternativa. PTA/FASE, Rio de Janeiro. 235 p.


(Publicado na Revista BRASÍLIA Nº 53, novembro/dezembro 1993, p.12-13


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