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Ensaios-->A PINTURA CRÍTICA DA DECADÊNCIA -- 25/10/2000 - 21:43 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A PINTURA CRÍTICA DA DECADÊNCIA NA PENA
DE FIALHO DE ALMEIDA

João Ferreira


Os 'Gatos' são uma série de panfletos variados,mais tarde reunidos em volumes publicados de 1889 a 1894,que muito se assemelham às 'Farpas' publicadas por Eça e Ramalho. Uma publicação mensal de inquérito à vida portuguesa a partir de 1889: 'Deus fez o homem à sua imagem e semelhança e fez o crítico à semelhança do gato'. O tom e o interesse da coleção são diferentes pelo inconformismo e pela agressividade. São feitos de ironia, de humor e de fantasia, destinados a livrar a sociedade portuguesa da escravidão da burrice, segundo a intenção de seu autor. A nobre intenção do autor não bastou para que a obra tivesse um planejamento. Os acontecimentos eram a medida suprema da crônica e do panfleto. Fatos e personagens que desfilam em 'Os Gatos' são ridicularizadas e satirizadas com impiedade, tendo como vítimas mais imediatas a mediocridade triunfante, desde os falsos literatos e artistas até aos políticos.
Entre alguns dos mais badalados problemas nacionais visados em 'Os Gatos' podemos enumerar: a necessidade de o Estado proteger as artes, a necessidade de uma reforma do teatro nacional e a modernização da pedagogia e de outros magnos problemas portugueses, assim como a decadência da monarquia, a instrução pública, o tratado anglo-luso;a fragilidade da diplomacia portuguesa;e o estado da literatura portuguesa em 1892.
Ao abordar o problema das artes, Fialho refere-se aos ladrões de obras de arte em Portugal: 'Estamos desde o princípio do século a exportar para o estrangeiro maravilhas sem a menor consciência desta sangria artística e sem o mais ligeiro esforço de reação contra ela[...] começou o saque com a evasão francesa, onde soldados e capitães carregaram para o seu país de França o que quiseram destruindo velhacamente o que não poderiam levar[...] Só à sua parte Junot levou consigo, entre sedas e quadros, manuscritos, gravuras, alfaias sagradas, móveis, joias, armas e maravilhosas loiças do Japão e da China, despojos duma riqueza inenarrável'[...] Quando os franceses se foram, ficaram os ingleses de rustilhada com alguns portugueses, legitimos ou adotivos, que se valeram do ouro ou da onipotência para nos defraudarem do último quadro do mosteiro e irem lançando a unha à última bombonnière de família arruinada[...]Há setenta anos que o South-Kensington-Museum de Londres, secretamente mantém entre nós agentes seus, com ordem de vindimarem o país de todos os objetos de arte que apareçam'.
Fialho não se limita a narrar o esbulho das obras de arte em Portugal no século XIX. Ele critica a impassibilidade com que o país tem assistido a esse roubo do 'patrimônio artístico português - 'coisas nossas' vendidas sem relutância a estrangeiros, obras únicas, maravilhas extremas', destacando as manhas do mercado de arte.
A crônica sobre a morte e funeral de D. Luís em 1889, que foi luto para uns e fingimento para outros, estende-se por várias páginas do volume primeiro de 'Os Gatos', mostrando de um lado Lisboa 'cidade que exterioriza o respeito pelos mortos' e de outro, o cortejo, onde aparecem os deputados populares, a parte mais séria do cortejo'.
Passa em revista também a moral de um concurso da escola médica de Lisboa, no qual se verificou 'provisão de um lente por autocracia exclusiva de um ministro'. E defende a moral do concurso: 'O concurso é uma intransmissível garantia sobre que a Escola estriba a legitimidade mais ou menos inviolável das suas aquisições. Aboli-lo é fazer bancarrota na austeridade do magistério'.
Numa carta dirigida ao Rei D. Carlos, Fialho submete a casa de Bragança a uma pesada crônica. A decadência portuguesa é atrelada à monarquia e mais especificamente à casa de Bragança, que também está no meio da perda de autonomia e da subjugação nacional à Inglaterra:'Nestes duzentos e cinquenta anos quantas humilhações, quantas decadências, quantas vergonhas. Com os Braganças, Portugal deixou de ter nos reis os fiadores de sua prosperidade e de sua glória e passou a aturá-los como a feitores e mastins da Grã-Bretanha. O paço tornou-se numa dependência da legação britânica: os reis de Portugal, bonecos de palha dos plenipotenciários do país dos bêbados, das prostitutas e dos ladrões. Uma a uma, sob o regime deprimente de tais reis, vemos Portugal entregar as terras dalém-mar por ele descobertas ou tomadas, perder a iniciativa do comércio da Ásia e da América[...]'.
'Portanto, meu senhor - escreve Fialho - se a dinastia que V.M. representa, nunca teve a radicá-la no espírito do povo uma forte corrente de tradição gloriosa[...]. Se está provado que nenhum dos reis da sua casa tem sido na evolução da vida portuguesa um instrumento de progresso, e se todas as derrotas, todas as afrontas, todos os enfraquecimentos, todas as indignidades, todas as vergonhas, andam jungidas à incúria de vos termos guardada até agora - a vós, reis de cartão pintado, duas vezes estúpidos e rapaces, liquidando em corrupções que nós temos pago com o suor e o sangue dos tributos - de tudo isto, é verdade, como explicar a mascarada de vossa aclamação por um desejo de reembutir no antigo prestígio histórico, uma realeza que jamais teve prestígio'. E noutra passagem do mesmo documento: 'Afinal de contas, quem é V.M.? A última vergonha reinante duma dinastia que já nasceu morta'. 'Duzentos e cinquenta anos de miséria fizeram do povo português uma lagoa podre, em cujas sanias só podem viver e medrar as carpas coroadas'.
'As últimas ebulições anti-inglesas recambiaram do pavilhão monárquico os últimos fiéis e há vinte dias que o país não faz senão gritar 'viva a república''. Neste documento de resistência ao estado de corrupção e de podridão com que a monarquia e a casa de Bragança se apresentavam aos olhos críticos portugueses, mostrava Fialho como crescia, contrastivamente, o ideal republicano, uma ideologia e uma teoria de governo que surgiam então para tentar resgatar a dignidade de um povo que 'D. Carlos chamava de piolheira'apesar de ser rei desse mesmo povo. Esta crítica forte é um dos sinais da consciência crítica portuguesa assumida pela voz de um dos seus mais prestigiados escritores e em sua linha essencial revela o despertar da vida arquetípica que se continha nas camadas populares de elite que não se entregariam nunca à corrupção e à decadência, representadas pela monarquia dissoluta, pela estrangeirização e sub-dominação econômica, pelo analfabetismo, pela política ultramarina entreguista e fracassada e pela incapacidade de as elites encontrarem um caminho de resgate real para o país.,
A crítica de Fialho atinge até escritores que foram o símbolo da renovação em Portugal, agora acomodados em comportamentos mais próprios de burgueses do que propriamente de revolucionários. É uma crítica ao grupo dos Vencidos da Vida: 'Fradique é uma espécie de Ramalho Ortigão, que tendo lido todos os livros, visto todos os mundos e conhecido todos os homens, descamba a dizer asneiras sobre as coisas que viu e percorreu'(l6). Para ele, a moralidade da história é a de que 'nada entristece mais do que a senetude precoce de um homem de gênio'(17). A crítica de Fialho desce ao próprio processo de escrita usada por alguns representantes da antiga geração de elite. Ataca especificamente a posterior forma adotada por Ramalho para escrever as 'Farpas'. Segundo Fialho, inicialmente as 'Farpas'destinavam-se a causticar as 'mesquinharias e os vícios do país'. Agora, Ramalho variou o jogo, produzindo 'sínteses anuais'que Fialho chama pejorativamente de 'encíclicas'- como a encíclica dos cães vadios, hereditariedades étnicas e outras. Na crítica da literatura sua contemporânea, não deixa de retratar o melancólico e o boêmio .
Quando fala do ano literário de 1892, Fialho já avalia em linguagem direta que esse ano foi de 'esterilidade e de tristeza'. E justifica: 'Não pode haver literatura sem público que vibre dela e sem vida nacional que a sugestione' [...] 'Deste desvio do talento criador e das simpatias do público pagante para longe do campo estético, resulta uma estiagem de arte de que os medíocres se aproveitam para impingir gato por lebre, e uma vacuidade intelectual de que se aproveita a livraria francesa para dar voga entre nós a escritores desconhecidos quase intra-barreiras de Paris'. Depois de ter consagrado algumas páginas ao simbolismo, escreve: 'É de saber que em cada quarto de século, o espírito muda, inovações num ponto, desfalências noutro, sem que os contemporâneos dessas fases estéticas possam dizer se é uma literatura que começa se uma literatura que agoniza, gerando as escolas e cismas que todos sabem'.
Entretanto, um dos pontos mais em destaque nesta avaliação de administração pública portuguesa em fins do século XIX é o que diz respeito à instrução pública.
Segundo Fialho, o Ministério da Instrução Pública, em vez de ser o órgão para 'solver os inúmeros problemas que impendem da educação profissional e geral das classes estudiosas do país [...] tornou-se em albergaria de 4O ou 5O esfomeados que o impuseram como conditio sine qua non de sua fidelidade partidária[...] 'A instrução ficará assim nas mãos dum pessoal abstruso e ignaro, descultivado e indiferente'.
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