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Ensaios-->A TEMATIZAÇÃO LITERÁRIA DA SAUDADE -- 26/10/2000 - 12:32 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A TEMATIZAÇÃO LITERÁRIA DA SAUDADE




João Ferreira
26 de outubro de 2000




Desde cedo, os povos do Noroeste da Península Ibérica, Portugal e Galiza, traduziram em sua cultura coletiva, sentimentos e pensamentos saudosos vivenciados em seu dia a dia que chegaram até nós através das canções populares conhecidas pelos nomes de cantigas de amor e cantigas de amigo. Essas canções transmitem emoções amorosas, paixões, intrigas, separações, ausências, solidão e saudade. Em vários. Cancioneiros medievais está documentado este tipo de literatura onde a tônica dominante é “a vivência saudosa”.
Literalmente, estas composições cantam e descrevem partidas de namorados para expedições guerreiras, para cruzadas e embarques. Pesquisando os vários tipos de canções de amigo é fácil encontrar nas marinhas e barcarolas, nas pastorelas, nas cantigas de romaria, nas albas e nos demais sub-géneros das canções de amigo, esses reflexos, onde perpassam “coitas” e paixões, ausências e “soidades”. Como as cantigas de amigo são composições onde o sujeito dominante é o sentimento da mulher enamorada, é natural que encontremos nelas, cantada com mais espontaneidade, a dolorosa realidade do amor sofrido na memória da separação e da ausência.
O valor destes documentos está no facto de eles nos narrarem o amor em todas as suas vicissitudes de querer bem, de preocupação, de traição, de paixão, de espera desejosa, de ausência esperançosa, de intriga. Por seu lado, as cantigas de amor, enquanto exaltam a beleza ou a bondade da dama, ou a paixão amorosa ou “coita”, ou o pesar do amor não correspondido, e a subserviência do vassalo, têm um fundo saudosista diferente das cantigas de amigo. Elas são mais formais, algumas vezes de sentimentos radicais, fortes e desesperados quando o trovador amante canta a dama impassível, inacessível e soberana. Mas nelas estão vivos também os sentimentos e as vivências da paixão, da separação, assim como os amores ausentes e as saudades A “coita”, nome pelo qual era conhecida a paixão amorosa, gerava muitos “coitados” e “coitadas” que eram efetivamente as pessoas possuídas pela paixão e pela dor da separação.
Os Cancioneiros representam os primeiros textos poéticos que tematizam a vivência saudosa. Diríamos também que, através deles, uma tradição se inicia. Logo no início do século XV, D. Duarte dedica um tratado específico à 'suidade',na sua obra “O Leal Conselheiro!”. Com as considerações temáticas que vão desde o sentido e a intraduzibilidade do vocábulo até ao fenômeno saudoso, temas já expostos por Afonso Botelho, a saudade, a partir de D. Duarte, passa a ser caracterizada em Portugal como um movimento vivencial. Assim, logo em seguida, encontramo-la tematizada profundamente nos poetas do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, em Menina e Moça de Bernardim Ribeiro, nos sonetos de Sá de Miranda, nos sonetos de António Ferreira, e também nos de Diogo Bernardes e de Frei Agostinho da Cruz, frade arrábido, autor da Elegia ao Divino Amor, em que explora o sentido místico de saudade: “Quando passarei desta saudade/ Ao tabernáculo maravilhoso /Morada de vossa eternidade? [...] .Luís Vaz de Camões, nos sonetos “Que me quereis perpétuas saudades”, “Aquela triste e leda madrugada” e em “Sobolos rios de Babilônia”, irá consagrar a tradição saudosista iniciada na lírica medieval trovadoresca galaico-portuguesa.
De assinalar, como facto importante, que, no decurso da dominação espanhola, ocorrida a partir do final do século XVI, se forma em Portugal “uma seita da saudade”, que defendia a especificidade da saudade portuguesa em relação à soledad espanhola. Com base neste fato cultural, parece não haver dúvida de que se dá em Portugal uma apropriação definitiva da vivência saudosa,no passar da poesia e do texto literário para a psiquê coletiva portuguesa.
Alguns fatores históricos podem explicar a gênese desta apropriação da vivência saudosa por parte do povo. Em primeiro lugar, o desastre de Alcácer Quibir e o desaparecimento do jovem rei D. Sebastião carregou o país de um sentimento de luto, de dor e de sentido de tragédia. Sobre a dor e a tragédia cresceu a ideologia do fado, na medida em que muitos portugueses acreditaram que este era o destino que teriam de suportar. Com o desastre de Alcácer Quibir, nasce a cisão portuguesa, a partição dos espíritos, a falta de fé, a traição e a derrota. Além da decadência do Império, a estrangeirização. Os nobres portugueses vendem-se aos interesses castelhanos. O sumiço do Rei português traz implicações de governo, de soberania, de continuidade política, de idealidade nacional. Com a dominação espanhola, a alma portuguesa é posta à prova. Os portugueses sentem-se duramente afectados. Há uma cisão entre a população e com isso desenvolve-se uma grave crise de identidade. No âmbito desta crise, cria-se um vazio de desesperança nacional preeenchido por mitos populares e idéias messiânicas aprofundadas pelos pregadores e pelos poetas. Esse clima propiciou o desenvolvimento do mito sebástico,que nutria a esperança de que muito em breve se daria o regresso de el- rei D. Sebastião transformado em redentor. O mito sebástico funde os mitos do Desejado e do Encoberto que têm os dados essenciais ao desenvolvimento da mítica saudosista. Unem-se as Trovas de Bandarra e a História do Futuro de Antônio Vieira em pleno século XVII. Na utopia do famoso jesuíta, a cristianização universal do mundo é um dado do futuro certo e o país tornar-se-á a sede do Império Cristão governado por um Príncipe português. A mítica saudosista se desenvolve rapidamente. Em 1825, o poema Camões , de Almeida Garrett, desenvolve uma concepção de saudade caracterizada como “doce pungir de acerbo espinho”, a dolorosa saudade. Com o descalabro da decadência nacional nos fins do século XIX, foram encontrados motivos para ressuscitar o nacionalismo literário, fazendo-se reviver a memória das fontes e das raízes literárias portuguesas preconizadas por Garrett. A geração dissidente de Coimbra liderada por Antero de Quental realizará uma árdua luta pela recuperação da identidade portuguesa, com propostas de recuperação no plano político, social e moral, através de conferências do Cassino em 1871. Em 1893, a “Revista Nova” dirigida por Trindade Coelho, retoma a defesa da identidade nacional, tentando retornar aos arquétipos e modelos do passado de ouro e estabelece uma forma dialética de defesa da cultura portuguesa contra os submissos agentes de estrangeirização que grassavam no país. A comemoração do centenário da morte de Camões em 1880 gerou uma grande onda nacionalista e em 1890, por ocasião do Ultimatum inglês, a intelectualidade portuguesa volta a mobilizar-se. Publicam-se livros de azeda crítica anti-monárquica e anti-decadentista como a Pátria de Guerra Junqueiro, e A Ilustre Casa de Ramires de Eça de Queiroz. Os grandes debates situam-se em torno da “alma portuguesa”, da pátria portuguesa” e transformam-se em tribuna nacional com a adesão dos vários grupos de jovens. Capitalizando os movimentos anteriores, surge em 1910, com a revista A Águia, um movimento literário e nacionalista, que se transformará rapidamente no Movimento da Renascença Portuguesa, cujo principal objetivo será buscar a identidade nacional.
Este movimento aproveitava não apenas a tematização da vivência saudosa já realizada pela literatura desde o século XIII mas absorvia também toda a tradição da mítica saudosista, incluindo a teoria do Encoberto presente nas Trovas do sapateiro de Trancoso e nas obras do P. António Vieira. No plano internacional, havia uma coincidência cultural favorável: a filosofia propendia no final do século XIX e na primeira década do século XX para a superação dialéctica das teorias intelectualistas do neo-cartesianismo, do neo-kantismo e do neo-hegelianismo, propendendo mais para as teorias vitalistas, intuicionistas e filosofias da ação, para em seguida optar pela fenomenologia, filosofias da existência.. Dentro destas novas tendências havia um novo suporte teórico para o estudo da saudade e criavam-se assim condições essenciais para tomar a vivência saudosa como fértil idéia para a especulação filosófica em Portugal.
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