As dores que senti, quando bem velho,
Levaram-me a reler esse Evangelho,
Com que Jesus nos trouxe a salvação.
Mas tive muito amargo pensamento,
Por suspeitar gravíssimo o tormento
Que sofreria após a encarnação.
Levei dez anos, só, a meditar,
Porque meus passos iam devagar,
Nas sendas perenais do meu rancor.
Não acusava a Deus nem aos mortais,
Pois fora eu alguém a quem jamais
Passou pela cabeça o bem dispor.
Se fosse contar tudo o que passei,
Estando só ou junto à minha grei,
Na escuridão do báratro infernal,
Iria atormentar o bom leitor,
Que fugiria d’arte de compor.
P’ra não sentir no verso todo o mal.
Um dia, alguém se chega ao meu ouvido
Oferecendo amor, e eu duvido
Que seja verdadeiro o compromisso.
Mas ao tentar fugir dessa influência,
Percebo que está lépida a consciência
E digo ao companheiro: — “Dê serviço!”
Quem já sofreu bastante, com proveito,
Há de escutar bater dentro do peito
Um coração amável, compreensivo.;
Irá pedir ao anjo guardião
Que estenda o braço e pegue pela mão
Quem se afundou nos vícios, quando vivo.
Hoje a conversa chega de improviso,
Pois este verso é só um breve aviso,
Bom treinamento p’ro que vem depois.
Mas a verdade é líquida e é certa:
O nosso caro mestre mais aperta,
Quando a poesia é feita por nós dois.
Portanto, meu amigo, não se agite
E ponha tento às marcas do limite,
Que o médium deve ater-se ao escrever.
Não guardarei rancor se atrapalhar,
Porém, não cedo a vez, neste lugar,
Para cumprir os termos do dever.
Vou garantir-lhe que não tenho pressa,
Que estar aqui é bom, de fato, à beça
Embora o tempo voe, sem que perceba.
O sentimento nobre desta turma
Impede que o poeta sonhe ou durma,
Bem como esse escrevente coma ou beba.
Havemos de inventar bela poesia
Desenvolvendo tema que daria
Ao bom leitor motivos p’ra pensar.
Não vamos fazer versos, simplesmente,
Pois é corrente a idéia de que mente
Quem vem aqui somente versejar.
É claro que se estima a melhor glosa,
Fugindo ao ramerrão útil da prosa:
Poesia é sentimento em bela trova.
Por isso é que estes versos desprezamos.
Pois mostram verdes frutos nestes ramos:
Camões a revirar-se em sua cova.
É força de expressão, naturalmente,
P’ra demonstrar que sou mui coerente
Com o princípio básico da rima.
De resto, não me importa essa licença,
Se não prejudicar a “conseqüença”
Do emprego, na poética obra-prima.
Certo dia, um compadre se aproxima,
Pedindo emprego para sua prima
E esta lhe diz “não” logo, na cara.
O pobre pensa e pensa e desconcerta,
Mas acha uma resposta quase certa:
— A “conseqüença” cobra, prima, avara.
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