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Ensaios-->11. GORDA E BALOFA -- 07/06/2002 - 10:28 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Eu não queria vir até aqui, à presença deste público. Sei que a minha vinda será interpretada como boa, pois posso receber a ajuda das pessoas. Devo dizer que eu também já fui socorrista, à minha maneira, pois atendi a vários chamados, só que não sabia como proceder. Agora que me vejo em condições de socorrida, não tenho reação alguma. É verdade que pedi que me auxiliassem, pois não estava agüentando mais a situação de intenso sofrimento. Agora que estou aqui, pareço estar no céu. Não sei bem o que dizer e acho que vou parar... Não tenho noção alguma do que querem de mim...

Querem que diga as razões por que estava tão triste e tão sofrida. É que fui muito má na derradeira vida. Queria que as pessoas agissem só em função do meu benefício e do meu conforto. Agora, não. Agora peço ajuda, mas prometo que irei retribuir, na medida das minhas forças, como tentei fazer as várias vezes em que fui até o local em que ouvi chamarem por socorro.

O que fiz nessas ocasiões? Não pude enfrentar a dor dos amigos e pus-me a chorar, lamentando muito não ter forças para socorrê-los. Quando estava perto deles, geralmente havia outros espíritos que se intrometiam e que levavam embora os sofredores. E eu era largada lá, aos prantos.

Não sei quanto tempo se passou, desde que retornei do mundo dos vivos. O que sei é que vivi muito tempo, tanto que cheguei ao ponto de não conseguir mais locomover-me. Era muito gorda e, no leito em que morri, deixei todo o meu viço. Aos poucos, fui enfraquecendo e ficando muito nervosa, pois queria me mexer, queria sair de lá e não conseguia. A minha corpulência não me deixava andar.

Por muito tempo, fiquei com essa impressão, mas as cobertas e lençóis foram desaparecendo, até que me vi sobre fria lápide, onde estava escrito o meu nome e onde havia uma grande cruz, tudo muito preto e luzidio, pois brilhava à minha vista, como se fosse possível haver fachos de luz negra a cintilar no meio da escuridão. Era apavorante, mas não conseguia me mexer e não me era possível sequer dar um grito que alertasse os meus parentes para a minha condição. Agora sei que tinha morrido, mas na hora só pensava em safar-me daquela angústia.

Não sei quanto tempo se passou, pois a última coisa de que me lembro de quando estava viva é da forte dor de lado, como se estivessem a me espremer o coração. Essa lembrança era horrorosa e não gostaria de passar de novo por nada disso.

Meus amigos, levem-me com vocês; já posso caminhar, com certa dificuldade, é bem verdade, mas me sinto livre para ir devagarinho a qualquer lugar, desde que não tenha muita subida nem descida. Se vocês me derem a mão e me carregarem nos piores trechos, sei que vou conseguir acompanhá-los. Não se importem em atrasar a viagem, mas não me deixem para trás, por amor de Deus!

Sei que o meu peso é impressão das ondas cerebrais e que o meu corpo, apesar de volumoso, pesa menos que uma pluma a voar, levada pelo vento. Mas estou chumbada pelo remorso de não ter progredido em minha encarnação. Se pus no mundo quatro filhos, foi obra de minha volúpia e do desejo de manter o meu marido. Naquela época, o peso tinha aumentado muito e não fazia nada que os médicos mandavam. Mas fazia tudo que o meu marido queria. Sabia que tinha várias mulheres, amantes, que me trazem à mente grande vontade de xingar; se não fosse contida, diria algumas palavras pesadas.

O pessoal fez demonstração do mal-estar que causei com esse desejo e me indicou uma bola que muda de tonalidade, de acordo com a minha expressão de ódio e de aflição. Quando disse que desejava enviar vibrações ruins, a bola como que absorveu a minha atitude e se tornou negra. Então é assim que vocês ficam sabendo das vontades íntimas das pessoas?! Não sabia disso. Será que conseguiria tornar a bola menos escura? Devo pensar em meus filhinhos quando eram bem pequenos e os amamentava? É verdade, a onda de amor que senti tornou a bola rosada por alguns instantes. Não estou sendo enganada, não? A bola voltou a ficar bem escura...

Sinto muito não estar colaborando para minha salvação. Isto tudo só está servindo para me deixar confusa e ansiada.

O amigo que escreve está imaginando que estou favorecendo letra bem apertadinha, para significar desejo de não demonstrar o meu volume. Isso é só parte da verdade. É que não consigo influenciá-lo de modo diferente, tão fraca é a vibração. Por outro lado, bem que gostaria de poder dar explicação melhor a respeito desta queda energética, pois me sinto bem desde que adentrei este ambiente iluminado.

Agora que estou mais disposta, falando de mim mas referindo-me objetivamente à minha pessoa, como se fora outra pessoa, e não simplesmente sofrendo e dando superior importância à minha figura, parece que me vou libertando de algumas amarrações. Já sinto os membros mais soltos e tenho a impressão de que vou superar o mal-estar que me impedia de me locomover com desenvoltura.

Não se preocupe, amigo, com esta velha senhora. Sei bem que, apesar de matrona e bem nutrida, não fui melhor na vida que muito assassino que mata para sobreviver. É que, apesar de ter família sempre pronta para me ajudar, fui muito má e dispus as coisas a meu modo.

Desde que meu marido ficou doente e pude lançar mão de seu corpo, não o deixei repousar mais. Vinguei-me de todos os malefícios e traições. Ele se arrependeu, tintim por tintim, de todas as vezes que saiu na companhia das outras mulheres.

Vejo que a bola está ganhando colorido com tendência ao vermelho escuro, mas que volta para o marrom, sempre que penso em tudo o que fiz para o coitado, durante a longa enfermidade, até o dia em que lhe dei o remédio em excesso e teve lenta agonia até desencarnar.

Os meus filhos não souberam nunca que fui a culpada pelo trespasse de seu pai; nem eu iria dizer nada. Acho que foi principalmente por isso que fiquei tanto tempo presa ao leito, especialmente depois da morte. Tinha, no fundo, muito medo de me encontrar com meu marido. O interessante é que sentia saudade dele e já não era grande o meu ódio. O arrependimento data da época em que vivia e percebia que tinha de falar muitas mentiras para fazer o pessoal ficar perto de mim. Muitas vezes, não estava sentindo nada, mas fingia estar com muita dor, para deixar todo o mundo preocupado. Com minha tirania inconsciente, maltratava a família toda. Mas é que não queria ficar sozinha, com medo de que o fantasma do meu marido viesse me atacar. Eu até sentia a presença dele perto de mim. Ainda bem que não veio me atenazar depois que morri, já que a minha debilidade iria impedir-me de defender-me.

O amigo que anota minhas vibrações sugere que volte a pensar nos outros, para não me ver envolvida pelo forte egoísmo que me faz sofrer. Agradeço a lembrança, pois me viro para o lado para não ver aquela bola que me atormenta, pois não consigo fazê-la voltar a ficar rosada, nem quando me perturbo e me vejo lembrando-me dos bebês a quem amamentava.

Será que era possível fazer desaparecer esse espelho de minha feiúra? Obrigado.

Agora que disse tudo o que fui, os males que pratiquei e me retratei pavorosa, posso deixar o lugar, já que nada mais conseguirei transmitir que possa interessar a quem quer que seja? Se a minha vinda até aqui foi para me dar um pouco de conforto e consolação, então me digam como vão indo os meus pequenos. Será que suas famílias estão dando-lhes a felicidade que merecem, pois me aturaram durante tantos anos sem reclamar? Como devo proceder para obter anuência para visitá-los?

Será que meu marido passa bem? Será que me perdoou? Será que foi procurar as outras mulheres, enquanto eu padecia os horrores da sepultura?

Sinto que meu egoísmo se acentua, porque não quero reconhecer que as pessoas têm direito à sua própria vida e penso neles como seres que me pertencem. Como gostaria que as crianças não tivessem crescido e pudessem ficar para sempre em meu colo. Essa foi a fase mais feliz de minha vida, depois que deixei o teto de casa, onde vivi com meus pais em guerra de gerações. Naquela época, não era gorda, mas ficava muito nervosa com os remédios que tomava para me manter esbelta. Acho que foi esse tratamento que me tornou matrona tão detestável. Devo dizer que eu mesma é que mais me odiava, por me ver tão degenerada, a ponto de fazer as pessoas se sentirem mal diante de mim. Era uma gorda muito infeliz, invejosa da magreza das outras pessoas e me tornava cada vez mais obesa, pois comia com desespero, como se a vida não tivesse mais nada para me oferecer.

Quando criança, tive a oportunidade de ir à escola, pois meus pais eram pessoas esclarecidas e fizeram o sacrifício de me educar. Mas não me dei bem nos estudos, embora tivesse conseguido o diploma do Curso Normal. Era professora na juventude, mas nunca me saí bem com as crianças, pois não era aquilo que eu queria na vida.

Ao me casar, o meu marido me permitiu ficar em casa para cuidar dos filhos, pois me casei grávida e logo nasceu o primeiro.

Vejam que voltei a pensar nas crianças pequenas, que é quando me sinto melhor. Será que não chega ainda, pois não consigo me felicitar por demonstrar qualquer melhora do ponto de vista moral? Tudo quanto digo é tão fútil e vazio como se tornou a minha vida depois que me casei.

Veio-me à idéia certa repulsa pela perda de minha felicidade e que o casamento acabou transformando-se em verdadeiro cárcere, onde tudo se perdeu. Veio-me à imaginação que as minhas doces crianças não passavam de algozes, a me prenderem definitivamente à vida absurda da reclusão e do desespero. Veio-me à memória algumas lágrimas que chorei por não poder tomar a séria decisão de me livrar de tudo o que me prendia junto àquele homem infeliz, que eu tornava ainda mais pesaroso com minhas lamúrias e com minha perene reclamação.

Acho que o tempo em que amamentava as crianças foi o único na vida em que senti verdadeira alegria. Mas me lembro de quanto as repudiei, depois que cresceram e começaram a ter vida própria. Bem que desejava a mesma coisa; o meu marido e os meus filhos saíam e iam aonde bem queriam, e eu ficava em casa, gorda, vestida com aquelas enormes saias e imensas blusas, pois me sentia muito mal com as roupas agarradas, a não me deixarem esquecer a gordura transbordante.

Peço perdão pela monotonia do meu lamento. Acho que me fiz de mártir de propósito. Se me for dado libertar-me desse imenso peso de consciência, acho que rejuvenescerei e voltarei a possuir um pouco de alegria.

Fiquem, irmãos, na paz do Senhor!

Gracinha.


Comentário

A irmã deliberou demonstrar pela prática o que realmente a atormenta. Não há dúvida que deve ser extremamente penoso ter de suportar mágoa tão intensa, pois nós, que estamos habituados a enfrentar estados dolorosos de consciência, estávamos ficando exaustos com a real monotonia dessa expressão continuada de amargo debater-se sem abertura para a luminosidade exterior.

Graças a Deus, dizemos nós, que pudemos vê-la refletir um pouco melhor a respeito de sua personalidade. Desejamos que prossiga nessa linha adotada ao final da entrevista, qual seja, a de que a liberdade do peso da consciência advirá do modo novo de encarar o mundo, principalmente se conseguiu obter um pouco de alegria, o que só lhe advirá se for bem sucedida em alguma realização de plano de ajuda aos irmãos feridos por sua egolatria.

Quanto à presença do marido, que sentia ainda na carne, era verdadeira. Por aquela época, vinha-lhe cobrar o mal que fizera. Mas foi por pouco tempo, uma vez que, espírito aberto para as coisas do mundo, percebeu logo que, se tentasse obsedar a esposa, ficaria preso ao círculo de suas lamentações. Safou-se a essa influenciação, evitando sair tosquiado quem buscava lã e pôde progredir moralmente, uma vez que se engajou em equipe socorrista.

Hoje é quem promove a recuperação da esposa, já que lhe deve inúmeros favores no campo da moralidade. Mas esta história demandaria larga exposição que não gostaríamos de levar avante. Fique registrado, tão-só, que o tempo em que Gracinha ficou interdita para a vida comunitária não foi nada além de dois anos, o que, para espírito tão apegado a si mesma, pareceu verdadeiro suplício eternal. Eis que o tempo é realmente muito relativo no etéreo.

Fique o irmãozinho leitor atento para suas idiossincrasias e analise o seu modo de viver. Não haverá, pertinho de você, alguém que se sinta algemado pela impotência de séria reação moral? Dê-lhe um auxílio desde logo, porque o sofrimento de quem não desenvolveu adequadamente a vida espiritual é intenso e de difícil superação. Torne-se, você também, auxiliar do socorrismo ativo.

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