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Ensaios-->20. EMBUSTEIRO -- 16/06/2002 - 06:00 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Bem que estava desconfiado de que iriam aprontar uma comigo quando vieram com essa conversa de que aqui estaria melhor que lá. Ainda bem que me sinto mais sossegado, porque, senão, vocês iriam ter de me pagar. Aqui tenho de ficar escrevendo e não gosto nada disso. Sei que nenhum esforço estou despendendo a mais, mas não é agradável ficar sabendo que outras pessoas sejam capazes de conhecer o que se passa em seu interior. Por mais que venha a disfarçar, ainda assim o que vou pensando vai ficando registrado e as pessoas vão ficar sabendo com quem estão tratando.

Gostaria que tudo pudesse vir a ser queimado depois. Vou aceitar prosseguir sob essa condição. Vejo que o escrevente emite vibrações, dizendo que depois terei motivos para concordar com a publicação, quando vier a perceber que haverá utilidade para alguém, apesar de estar mal redigido e de demonstrar baixos sentimentos, desde que contenha alguma lição de vida. Pois desconfio de que nada poderá servir, nem mesmo como fazer para evitar que seja punida a pretensão de esconder.

Vejam como já estou perturbado, apesar de que as palavras estão alinhadas como se tivessem sentido e importância. A escrita não é minha, só a vibração. As frases também não correspondem àquilo que faria, embora, muitas vezes, estejam dispondo-se com mais harmonia e precisão, pelo menos no que tange à gramática. Até a terminologia está vindo mais precisa, clara e elegante. Até que diria alguns palavrões, mas disso estou impedido. Pois é isso aí. Vou...

Neste ponto, fui impedido de continuar na tentativa de refrear os impulsos do escrevente por meio da rebeldia vocabular. Ao contrário, parece até que os dizeres ganharam mais elegância e a frase ficou melhor. Estou vendo que, se quiser elaborar obra de escritor, vai ser possível.

Dizem-me que sim, desde que apresente tema conveniente. Querem que inicie pela minha história particular, pois estão cansando-se de ver tanto papo-furado, propício para enganar os trouxas mas inútil, porque tudo ficará registrado e mais ainda do que querem saber.

Então, vou deixar de esticar tanto o assunto e vou ao que interessa.

Em vida, fui reles barbeiro. Saía de casa cedo e ia para a barbearia ganhar o pão. Era casado e tinha dois filhos. Não era bom de tesoura mas era bom de conversa, por isso o salão estava sempre com bastante clientela. Essa vida levei por mais de trinta e cinco anos, sem queixar-me de nada.

Era prudente e guardava o dinheiro que recebia como gorjeta, de modo que houve tempo que podia até emprestar, a troco de bom juro. Tornei-me agiota e passei a explorar os necessitados. Não permitia que me “dessem o cano” e nunca perdi empréstimo algum, ficando desde logo com os juros. Houve só um caso de um sujeito que desapareceu, mas fui buscar o que me devia com o fiador, pois nunca dei nada sem garantia. Sei que houve desavença séria entre os cunhados, havendo até cena de sangue. Mas fiquei de fora.

Em casa, tudo correu sempre da maneira melhor possível, pois meus filhos cresceram e deram muita satisfação na escola e na profissão. Até meus netos eram estudiosos e não desmentiram o sangue da família.

Ia dizer que minha mulher respeitou a honra de meu nome, mas estou impedido de mentir. Durante a encarnação, não fiquei sabendo de nada e nós vivemos juntos por mais de quarenta e cinco anos, os dois dizendo-se fiéis um ao outro. Eu dizia a verdade, menos por dois ou três casos antigos, de antes d casamento, que revivia de quando em vez e pelos quais paguei a língua, pois foi a resposta que obtive quando fiz as minhas queixas e acusações. O pior de tudo é que meus filhos bem sabiam o que se passava e não disseram nada para mim. Fui atrás deles depois de morto, mas estavam velhos e embrutecidos para saber o mal que tinham feito, não tendo contado os deslizes da mãe.

Agora, nada mais importa. Não quero mais saber dos casos que aconteceram, mas não acredito mais nas palavras de ninguém. É por isso que não gostei de ter de ficar escrevendo, pois, da mesma forma que não iria acreditar, as outras pessoas poderão desconfiar que é tudo balela o que deixei aqui registrado.

Peço ao escrevente que volte atrás e leia a parte a respeito de queimar as folhas. Não é verdade que não existe nada instrutivo nisto que foi a minha vida, apesar de ter vivido bastante, de ter envelhecido com alegria no seio da família, até com minha mulher, pois ignorava que portava “chifres”, feia expressão que me traz lágrimas aos olhos e aperto no coração?! Isso lá é edificante e moral?!

Sei que outra seria a história, se ficasse sabendo de tudo. Poderia até perdoar a traição. O que não consigo esquecer é a mentira, a ilusão em que me mantiveram de que tudo houvera sido mar de rosas. O pior é que tive vernizes de espiritismo, tendo imaginado que iria parar no espaço, na companhia da doce companheira...

Qual não foi minha surpresa quando aqui cheguei e não a encontrei. Fiquei desesperado e pus-me a procurar por ela. Não foram poucos os que se riram de mim, pela ingenuidade. Não queria acreditar nos fuxicos, conforme era a minha impressão. Mas, por fim, ouvi dela mesma a longa história de seus amores clandestinos. Meu Deus, se tivesse sido um só! Se ela tivesse tido a coragem de me abandonar, eu até poderia recompor-me. Quando quis dizer que ela não valia nada, recebi como resposta chorrilho de acusações e de impropérios, dizendo que valíamos os mesmos vinte réis cada um. Disse-me que fui mal-agradecido, pois nunca me faltou a comida no prato e a casa arrumada. Disse que até na cama me manteve satisfeito. Mas isso qualquer mulher faria por um marido trabalhador e honesto. Nunca reclamei de nada, tanto que me acreditava o mais ditoso dos mortais. A surpresa só aconteceu depois e aí já não havia mais nada para agradecer.

Os meus casos foram a pedra de toque que me impediram de fazê-la verdadeira escrava. Durante muito tempo, lamentei o fato de ter tido os meus desvios, o que me impedia de jogar todo o fel sobre ela. Um dia, ao procurá-la para mais uma cena, ouvi que se sentia muito mal pelo que fizera, o que a impedia de jogar contra mim todas as injúrias do mundo. Era uma batalha de monstros; dois seres que se abraçaram e se disseram apaixonados uma vida inteira e que só foram descobrir todo o ódio que os amarrava depois do desencarne.

Que situação esquisita!

Após mais de dez anos nessa surda perseguição, um dia ela me propôs irmos elucidar tudo junto a um grupo de amigos, para saber se não se tratava de algo que havia acontecido em outra encarnação. Pois me recusei a acompanhá-la, xinguei-a muito e lhe disse que quem havia saído da vida com o nome manchado era eu. Ela que se virasse sozinha. A partir daí, nunca mais pus os olhos nela e lá vão para mais de cinco anos...

Não havia atinado que faz tanto tempo que estou neste desesperado debater até hoje de manhã, quando tive estranha sensação de inutilidade.

O período da aposentadoria serviu para esquecer-me um pouco da profissão, embora cortasse o cabelo de todos os membros da família. Fazia-o para congregar o pessoal em torno de mim, mantendo os vínculos afetivos estreitados. Desse modo, não cheguei aqui com a mania de querer ficar cortando o cabelo ou fazendo a barba de ninguém, conforme vários que achei pelos salões, aonde ia em busca de novidades.

Aliás, o costume de ficar ouvindo conversa não abandonei quando parei com a profissão, mesmo porque não vendi o salão, mas aluguei. Ia lá para observar o trabalho dos mais novos, que admirava muito, pois tinham habilidades maiores que a minha. Mas o papo não era tão agradável. Ao mesmo tempo, garantia o dinheirinho dos juros e fazia a minha fezinha no jogo do bicho.

Esses foram os hábitos que se arraigaram fortemente em minha estrutura mental e até agora sinto forte empuxo para ficar ao lado dos fregueses dos salões, ouvindo o que dizem. É pena que as minhas histórias ficaram esquecidas. Sempre que encontro alguém que comparece, no plano espiritual, para o “trabalho”, sinto que não me escuta, e ficamos os dois a falar, jogando fora a conversa. Mas acho que deve ser assim mesmo, porque são sempre as mesmas histórias.

Hoje, pela primeira vez, revelei o meu drama. É tão simples que não me importa mais se for publicado para outras pessoas ficarem sabendo o que se passou comigo. Talvez achem até engraçado que duas pessoas fiquem juntas a vida inteira, sem qualquer ligação afetiva. Eu até que saio da barbearia quando fecha e automaticamente vou de volta para casa. Mas isso faço de propósito, para demonstrar a mim mesmo o quanto de fidelidade havia em meu procedimento. Ultimamente, as caminhadas se enchiam de lágrimas e o coração ficava muito triste, apertado por saber que não havia mais lar, esposa e filhos para me receberem. Nestes derradeiros dias, nem mais me preocupei em procurar o salão. Deixei-me ficar pelas ruas, observando as pessoas. Quantas não havia, como eu, enganadas a respeito dos outros! Eu é que não soubera direito o que se passara ao meu redor.

Agora que tenho esta oportunidade de conhecer a verdade, vou pedir aos amigos que me expliquem muitas dúvidas que me surgiram na mente a respeito do espiritismo, pois via as entidades gritando e sofrendo na hora das sessões, enquanto eu estava aqui tranqüilo, embora não satisfeito com tudo o que me foi reservado pelo destino.

Será que Deus tem alguma coisa a ver com tudo isso? Que razões podem existir capazes de me fazer perdoar minha mulher e esquecer o que fez para mim? Será que não serei eu que estou totalmente errado em não aceitar o que se passou? Vejam que estou tentando lembrar-me das lições que aprendi no centro, onde me diziam que Jesus havia pedido para perdoar setenta vezes sete e que praticasse a caridade, pois todos os pecadores eram irmãos e que o pecado era somente doença espiritual.

Quero agradecer toda a assistência que recebi e pedir desculpas pela chegada tão voluntariosa. Deveria saber que era um ato de amor o que esperava por mim.

Se o escrevente quiser encerrar com chave de ouro, escreva que os leitores devem ler este escrito, lembrando-se de que o que se diz na vida não serve somente para os outros, mas pode significar muito para quem tiver ouvidos de ouvir e olhos de ver. Que esta minha última frase seja de esperança e de consolação, pois quando se virem, um dia, na condição de contarem o que se passou com vocês, saibam que a finalidade é devolver-lhes o sossego moral, que é o bem de que estou desfrutando agora.

Fiquem todos na paz do Senhor!


Comentário

O bom homem que veio trazer seu depoimento não nos disse tudo. Omitiu várias cenas trágicas que se constituiriam em razão mais forte para as suas reações tão desencontradas relativamente ao perdão que se nega a dar a quem o ofendeu. Não estamos quebrando o sigilo da confissão com o intuito de diminuí-lo. Ao contrário, é até bom saber que sua vida teve lances mais agudos e a estadia na erraticidade se viu eivada de tribulações e correrias, para que se possa concluir o quanto avançou na caminhada rumo à salvação.

Irá ter de se internar em instituição para entidades em desarmonia moral, para obter as respostas às perguntas que nos fez. Não nos interessa dar noções intelectualizadas, mas impregnar o ser com a verdade, para que a compreensão se lhe integre definitivamente na alma.

Eis que rogamos encarecidamente pelas preces dos irmãos, a pedido da esposa, que, ferida de morte, procura reintegrar a família em torno de seu patriarca. Para que a oração possa obter o resultado do amor, será preciso relevar a história no que tem de fantasiosa, mecanismo de defesa de quem não quer admitir as próprias falhas. Vejamos no amigo aquele irmão em Deus que se encontra doente em virtude de seus pecados.

Oremos.




No que respeita aos fatos narrados, é a história, sem tirar nem pôr, de outra personagem citada, que ocultaremos, pois ainda não se deu o desfecho, no plano terreno. Foi o recurso do irmão: contar algo que se passou com outro, como se tivesse acontecido consigo mesmo, mas só o relativo à estrutura familiar. O mais está psiquicamente correto.

Não precisávamos chegar a este extremo de revelar a malícia do amigo, mas temos severo compromisso com a verdade, de modo que não podemos deixar-nos embair por lorotas, ao passo que temos de elucidar os leitores, para que saibam dar sua contribuição, sem envolvimentos de caráter emocional negativo.

Fiquemos todos, com nossas reflexões e cuidados, nas mãos do Senhor!

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