A multidão freme nos estádios. A paixão revigora os esforços coletivos da competição e os homens se abeberam do poder de dominar uma esfera de couro, pela máquina perfeita da carne, sob o influxo da mente educada na técnica, na perfeição do íntimo relacionamento entre movimento e impulso seletivo dos reflexos condicionados. Eis que pessoas comuns se arvoram em lideranças momentâneas e o povo extasiado segue o ritmo da partida, sofrendo, chorando, antegozando e vibrando na emoção superior de ver seu objetivo realizado na hora da marcação do gol. A uns o regalo da vitória, a outros o flagelo da derrota e tudo não passa de mera ficção no campo material mais grosseiro, como se o homem fosse capaz de dominar a matéria pela eternidade.
Mas o futebol passará, como passaram as lutas com as feras, as corridas das bigas, o entrechoque das armaduras. E se não passar nesta geração, o homem passará, certamente, e se encontrará diante de sua falência por ter tido a audácia de se supor perfeito enquanto dono do corpo, de arcabouço de elétrons, prótons, nêutrons, moléculas atomizadas e organizadas segundo disposição estável em equilíbrio momentâneo. E o que perdura, a divina centelha eterna que jaz no fundo da consciência, deixa de merecer os cuidados necessários para seu crescimento em amor e virtudes.
E a divinização do homem — figura idolatrada nas personagens que se projetam sobre o fundo verde dos gramados —, se ao menos provocasse o aperfeiçoamento de sua condição, teria algum proveito para a turbamulta que se debate nos estádios. Mas nem isso: a admiração é de outrem; a si próprios relegam ao desprezo mais vil das conveniências do momento, buscando, no fundo das garrafas e no espraiar da fumaça, o contentamento ou a tristeza que perdura epidermicamente durante alguns momentos, para se renovar a cada instante diante da perspectiva de outra contenda, de outra competição, na interminável fieira de campeonatos de todos os tipos, a alienar, a ensandecer, a desvirtuar, a enfeitiçar.
Não que queiramos abjurar os esportes. “Mens sana, in corpore sano” pregava o dito popular, para a contenção dos excessos. Mas de que valeu a inspirada advertência, se prosseguem os desvarios, a loucura, a busca incessante do domínio da matéria sobre o espírito?! Nem a mente está sã, nem o corpo está cultivado. Que o futebol não seja o apanágio desta civilização é o que sinceramente esperamos.
Homero (pela equipe).
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