Quando as pessoas morrem, quase sempre permanecem certo tempo em estado de choque, algumas conscientes do sucedido, outras alheias a tudo. Das pessoas conscientes da morte, a maior parte chega deslumbrada com o processo de desligamento corpóreo, pois as surpreende a facilidade com que o trespasse se realiza. Poucas se desencantam desde o primeiro momento, pois a inconsciência é lenitivo perfeito para que não haja desconforto, desesperação ou aflições inúteis.
Assim também ocorre com muitos fatos entre os encarnados. Muito na vida permanece misterioso, pois a revelação de certos acontecimentos pode acarretar desperdício energético em prol do soerguimento dos seres viventes, no sentido da redenção e salvação moral.
Hoje ainda presenciamos fato corriqueiro em que pessoas arrecadavam alimentos que lhes chegavam por doação. Não sabiam da procedência de tal oferta, da origem dos carregamentos, nem de nada que envolvesse a realidade do que ocorria. Desejavam, apenas, aproveitar-se do produto, crentes de que seu envio lhes favoreceria algumas horas de conforto alimentar: uma trégua na longa e extenuante luta pela sobrevivência. Se, conscientemente, com toda a lucidez, começassem a vasculhar as razões do esbanjamento, chegariam fatalmente a considerar sua dura condição social e, em lugar da alegria momentânea do presente, só conseguiriam longos períodos de insatisfação. O peixe doado foi tão-só lenitivo.
Assim também ocorre no âmbito da espiritualidade. Muitas vezes, o homem se depara com acontecimentos que envolvem a necessidade de ações de caráter moral. Mas são tão simples e ligeiras que executa o movimento na inteira felicidade de estar prestando auxílio ao próximo, imbuindo-se de que possui as qualidades que ardentemente desejava conquistar. Se parasse para pensar, provavelmente se sentiria até perverso por se julgar superior por simples favores de feição meramente social. Se procurasse ao derredor de si, com toda a certeza verificaria outros sucessos que estão a exigir de sua contextura moral muito maior desprendimento e espírito de solidariedade. A alegria pela pequena realização é mero lenitivo.
É por isso que, nas mensagens, buscamos salvaguardar as tentativas de melhoria dos leitores como legítimos atos de superior compreensão dos deveres para com o Criador. Tais resguardos objetivam seguramente garantir a integridade intelectual e moral dos amigos, pois seria totalmente inútil exigir deles, de imediato, inteiro cumprimento das obrigações cármicas, segundo o prisma evangélico mais rigoroso. O nosso manto de proteção é apenas lenitivo.
Entretanto, dia virá, inexorável, em que tudo se desvendará diante de cada um de nós, ex-abrupto, quando estivermos preparados para enfrentar a nossa configuração espiritual. Até lá, estarão os amigos prontos para nos guiarem, passo a passo, na segurança de caminho batido. Esse acompanhamento não passa de lenitivo, para que não nos sintamos sós, desamparados diante da sorte.
Por que temos tanta assistência e tantos são os cuidados para que não nos percamos? Porque Deus é pai misericordioso e estabeleceu em sua lei que a salvação dos indivíduos só se dará através do amor, da íntima deliberação do cumprimento mais fiel dos preceitos que determinam que, para a criatura conseguir a perfeição, deverá fazer ao irmão do mesmo modo que desejaria que lhe fizessem, colocando acima do amor a si mesmo o amor ao próximo e, acima de tudo, o amor a Deus.
Que este escrito venha como lenitivo estancar a angústia do caro amigo, temeroso de não estar completamente cônscio das obrigações e de não ter realizado, com propriedade e real discernimento, o serviço do Senhor. Que a calma, a serenidade deste momento de reflexão conduza o espírito do irmão à consideração de que o amor do Pai é eterno e de que sua compreensão é infinita!
Comentário
Plenamente disciplinada, a “Equipe Arquimedes” atendeu à solicitação para que cada elemento apresentasse seus textos, ao invés de elaborações coletivas que, fruto do trabalho dos mais experientes, acabam camuflando a real disposição de cada aluno particularmente.
Foi muito feliz a escolha do tema pelo amigo Manuel. Realmente, muito se tem feito para que os irmãos encarnados não sofram a desdita de conhecer inteiramente a extensão das provações. Entretanto, se a intenção dos orientadores é a de salvaguarda da caminhada e a obtenção paulatina e segura dos méritos na conquista dos ideais evangélicos, não se pode esquecer de que também os espíritos interessados em obstar tais aquisições se utilizam dos mesmos recursos, escondendo não as causas mas as conseqüências das ações humanas, de sorte que o que é lenitivo passa a ser escamoteação de novas provas, quando o encarnado consegue ser desviado da rota ascensional.
Que não se percam os leitores, pois, na simplificação da visão cármica da vida. Saber que existem motivos para as provações é importante, para que respeitemos a existência na carne e para que lhe compreendamos os objetivos. Conhecer o que possa parecer lenitivo é outro passo importante para a deliberação de atender aos princípios vitais deste atual encarne. Sonhar, contudo, com que a realização deste preciso instante esteja sendo o cumprimento mais fiel e consentâneo com o necessário pode ser extremamente perigoso para a saúde espiritual. Façamos o melhor de que somos capazes, mas habilitemo-nos a melhorar cada vez mais.
Se o texto atingiu certos objetivos, que examinemos com atenção o comentário dos pares e dos mestres, para que saibamos reconhecer nele os pontos fracos a fim de aperfeiçoá-los. É essa a tarefa dos aluninhos. A propósito, é bom que saibam que nossos pareceres merecem a crítica dos mentores e dos amigos, de sorte que também nós estamos constantemente buscando a perfeição do ponto de vista evangélico. E não somos nós apenas que merecemos essa atenção dos superiores, eles também se submetem aos seus maiores e essa corrente é interminável.
Que os leitores e os aluninhos se submetam ao crivo da razão, portanto, não será nada de excepcional, diante da necessidade que se tem de progredir em honra de Jesus, nosso mestre e nosso guia. Que saibamos todos nós reconhecer as falhas para saná-las à luz dos ensinamentos evangélicos, buscando lenitivo para os males na sábia e protetora palavra do Senhor!
