A estiva da tarefa da poesia
Nos põe bem à vontade, todo o dia,
Fazendo-nos alegres e felizes.
Na hora do ditado, o caldo engrossa,
Embora cada verso a gente possa
Deitar sobre o papel.; e sem deslizes.
Aí, quando o parceiro nos recebe
E nos abre o portão de sua sebe,
As rimas vão dispondo-se, uma a uma.
Existem as palavras que se ajustam.;
Outras, para encaixar, um pouco custam,
Até que toda a estrofe aqui se arruma.
Não é difícil de sentir a trova.
O número dos versos já comprova
Que estamos bem dispostos ao seu lado.
Às vezes, o colega que lhe dita
Carrega uma alma triste, tão aflita
Que tudo o que lhe diz não é de agrado.
Mas quem apanha os versos numa boa
Não há de injuriar a tal pessoa:
Apenas se entristece com a rima.
E reza, como ajuda de incremento,
A prece da saudade e do memento,
Para mostrar que a dor cá se sublima.
Perigos, haverá, a toda a hora,
Que o livre-arbítrio aqui também vigora,
Podendo a gente vir em desconsolo.
Então, o guardião se compromete
A mostrar a quem vem “pintar o sete”
Que, se não se portar, é por ser tolo.
Os versos vão ficando para trás
E o nosso coração se enche de paz,
Ao ver a melodia se compondo.
Se a rima se anuncia muito rica,
O médium pára, pensa e modifica
O medo, para o efeito deste estrondo.
Às vezes, o encarnado, desatento,
Ao prestar atenção no forte vento,
Que agita os ares prometendo chuva,
Não pega a melhor rima que ditamos,
Depois olha p’ro alto destes ramos
E diz: — “Como está verde a sua uva!”
O tema está saindo no improviso:
Desejava saber se realizo
O feito de que outrora me orgulhava.
O amigo que ditou na sexta-feira
Pediu-me, mui gentil: — “Se, acaso, queira,
Invente, para ver se a trova trava.”
Não vejo diferença no ditado:
O médium não se sente atrapalhado,
Pois tudo para ele é novidade.
— “O que vier na mente eu escrevinho!” —
Está a nos dizer, com tal carinho
Que a caprichar o verso persuade.
Desejo que a experiência continue,
Com uma rima trôpega em que atue
O extremo da maldade, em versos broncos,
Para sentir se o médium se atrapalha
Ou pega o resultado da batalha,
Para cantar vitória, em grandes roncos.
Terei de conduzir-me mais ameno,
A moderar a dose do veneno,
Para alcançar que o verso fique bom.
O que eu ditar o gajo aí regista.;
Se a rima não se ajeita, busca a lista
E acerta a melodia pelo tom.
Então, como um macaco muito velho,
Enfio minha mão nesse evangelho,
Cumbuca de que extraio a melhor rima:
O mel tem mil reflexos de luz,
Na mais doce lição que deu Jesus,
Fazendo-nos irmãos em sua estima.
Quisera possuir bem mais talento,
Para dizer que aqui eu tudo intento,
No intuito de lhes dar o meu amor.
Os versos, entretanto, são comuns:
A maioria pobre, só alguns
Respeitam os princípios do compor.
Mas não vou desculpar-me pela glosa,
Pois é pelas virtudes que se dosa
O tom da melodia, até o fim.
Se o companheiro desejar fulgor,
Não serei eu que aqui virá compor,
Pois o que eu faço ainda está ruim.
Pede o bom médium para que eu prossiga,
Já que o improviso dilatado intriga,
Na rapidez com que se fez a trova.
Quer parecer que o povo aqui mentiu,
Que, como pássaro a dizer: — “Piopio!” —,
A poesia só repete a prova.
É bem verdade que apanhar de relho
Pode representar um bom conselho,
Por isso, estou ditando devagar,
Para mostrar ao moço que vacilo,
Mas, apesar de tudo, vou tranqüilo,
Pois sei que Deus nos há de abençoar.
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