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Ensaios-->14. 8.o Relato — PAPEL DE MÃE -- 24/12/2003 - 09:54 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Eu estava crente de que, vindo hoje aqui, poderia encontrar algum bom amigo daqueles tempos em que vaguei pela Terra, absorto, imbuído dos males que praticava. Não sei dizer por quê, mas parecia-me muito provável isso. E eis que encontro, nem mais nem menos, minha própria mãe, aquela que menos queria encontrar, pois me sinto envergonhado só em dizer o que fiz a ela. Sei agora que me perdoou, mas, durante muito tempo, senti a vibração de sua voz a me perseguir nas trevas. Ansiava pela hora da volta à luz, mas este maravilhoso amanhecer foi muito além do que poderia imaginar. Não sei por que estou contendo as lágrimas, pois esse é o meu maior desejo. Sinto que me prendem a emoção e me dizem que, por agora, devo concentrar a atenção nas perguntas que irão fazer e indicam minha mãe como testemunha, para que não venha a mentir.

Pois bem, matei, assaltei, estuprei e violentei; fugi à palavra empenhada, enganei, furtei, fiz de tudo um pouco. Afoguei-me nos vícios, no álcool, no fumo, no sexo, nas drogas. Fui perverso com os amigos, traí os companheiros, escapei de várias prisões, sempre ameaçando e cumprindo. Empreguei-me como justiceiro, assassinei mulheres e crianças e, para culminar, suicidei-me. Penso ter referido tudo o que fiz.

Pedem-me para falar a respeito da família. Pois bem, fui eu que dei cabo de meus pais e de meus irmãos, pondo fogo no barraco, mas nesse tempo era ainda muito pequeno, embora tenha feito tudo isso com muita raiva.

Não faz tanto tempo assim.

Pedem-me para voltar a explicar o que fiz com minhas irmãs: obriguei-as a me fazerem de mulher para elas, na mais inconcebível libertinagem. Será que vale a pena falar a respeito disso tudo? Maltratei a professora, ofendi os padres da igreja, rastejei perante os poderosos no interesse de ganhar dinheiro. Comprei tudo que podia para me sentir rico e poderoso. Contratei facínoras para me ajudarem nos assaltos e no tráfico de drogas.

Um dia, soube da história do Nero que botou fogo em Roma e pretendi incendiar vários prédios.

Menti, roubei, matei, estuprei e hoje vejo que estava totalmente errado. Vejam bem, não estou dizendo que me arrependi, mas vejo que errei o cálculo das ações, pois tenho consciência de que poderia ter feito coisas diferentes para não ter de sofrer deste lado de cá.

Sei agora que magoei, que ofendi, que fiz muita gente chorar, sofrer e agonizar. Sei que meus pais não me perdoaram durante muito tempo. Meu pai ainda me persegue por todo lugar aonde vou. Não tenho parada, porque aí logo tem quem venha contra mim com acusações e vinganças.

Se pudesse inverter tudo, invertia. Não sei por que tomei essas atitudes. Enquanto estava vivo, o meu pensamento era confuso. Sabia fazer muitas coisas com as mãos, mas não tinha nenhuma consideração com as pessoas. Era só receber alguma provocação que já descontava com agressão. Chegou um tempo que não precisava nada: bastava desconfiar que a pessoa tinha olhado para mim e já pensava que ia chamar a polícia.

Não tive nenhum filho que eu saiba, embora tivesse desgraçado muitas moças.

Da última vez que fui preso, quase morri nas mãos dos outros presos. Mas não escapei de mim mesmo, porque não quis dar o gostinho aos outros. Fiz um laço no lençol e me enforquei num cano da janela.

Não posso compreender como a história dessa vida de criminoso possa ser útil. O que vejo é muita palavra sem brilho, muita idéia pobre, muita malícia escondida.

O pobre do servidor braçal que apanha estes pensamentos está perplexo com o caminho que tomou tudo isto. Parece que não tem sentimento, pois continua trabalhando sem parar.

Pois bem, vou agora retirar-me para não cansar mais ninguém.

Minha mãe quer que fique mais um pouco e pergunta o que eu gostaria de fazer.

Bem, voltar à escuridão nunca mais, nem que tenha de ficar lambendo o chão.

Se voltar à Terra, não irei fazer exatamente as mesmas coisas? Eu estava doente? Bem, faço qualquer coisa para não voltar à escuridão.

Não vou rezar, mas posso ouvir o que vocês têm para me dizer, desde que me prometam não me fazer voltar para lá.



Comentário

Querido amigo, não fique espantado com o teor da mensagem acima. A maior parte das informações não é verdadeira. O que mais de real existe nas palavras do irmãozinho é quando disse que mentiu. Pois foi seu principal defeito aquele cuja consciência melhor se lhe configurava no coração.

É bem verdade que praticou quase tudo que disse, mas com atenuantes muito sérias. Se julgado fosse pelos humanos, seria categorizado entre os nevróticos, pois a vida toda se deixou envolver por paranóia depressivo-agressiva, de sorte que via fantasmas por toda parte. Ao se viciar, tornou-se verdadeiro “morto-vivo”.

No entanto, não freqüentou as páginas dos noticiários policiais, pois seus crimes não se caracterizaram por modelos padronizados. Um só assassino de sua espécie se faria passar por diversos indivíduos. Não deixava vestígios pessoais, pois não tinha “dossier” no departamento de investigações, uma vez que jamais foi registrado. Dado seu aspecto de mendigo, tinha livre trânsito pelos lugares pior freqüentados, o que o transformava em peça integrante da paisagem. Como nunca firmou compromisso com ninguém, jamais pôde ser indiciado.

De pequeno, escapou do incêndio que descreveu em que pereceu a família; as aventuras com as irmãs não passaram de jogos sexuais infantis. Afora alguma fantasia megalômana, pois jamais se tornou justiceiro nem traficante de drogas, pouco restou do desequilíbrio mental com que arribou deste lado.

É verdade que se matou, mas em circunstância bem diferente, pois desejava, em sua alucinação, assassinar o assassino dos pais, de modo que o suicídio teve caráter de auto-extermínio, e não se deu na cadeia, mas no meio de mata afastada do centro urbano. Aliás, esse foi o seu tormento inicial, pois, tendo o corpo ficado exposto às alimárias da floresta, o pobre irmão se viu às voltas com atroz sofrimento, dado que seu espírito por longo tempo ficou preso aos molambos que pendiam da árvore.

É preciso dizer que os pais, realmente, o perseguiram durante algum tempo, mas as vozes que ouvia vinham de todas as partes. A primeira pessoa a se recompor foi sua mãe, que, presente neste ato de benemerência e solidariedade, mantém forte tônus vibratório em favor do filho. Em virtude de sua determinação é que pudemos arranjar meios para trazer o filho até nós, não sem contornar situações de enleamentos vibráteis negativos.

O que almejamos com este trabalho é dar conforto momentâneo ao sofredor e, ao mesmo tempo, inteirar a mãe do real estado do filho. Ambos estão muito comprometidos entre si por vários encarnes prejudicados por atitudes de confronto.

À vista do pedido de nova junção carnal, iremos encaminhar os dois, sob forte escolta socorrista, a setor especializado da instituição para estudo aprofundado das possibilidades de retorno ao plano dos mortais. Quanto ao nosso ponto de vista, é desaconselhável e prematuro o atendimento dessa solicitação, no entanto, como não nos cabe decidir, iremos tão-só encaminhar.

Tememos que esta transmissão não tenha tido aspectos muito “publicáveis”. Sabemos das hesitações do escrevente, mas não deixamos de elogiar-lhe a atitude prestimosa e mesmo corajosa.

O amiguinho que trouxemos está em lamentável estado perispiritual, mas não é dos que se apresentam da forma pior. A sua “culpabilidade”, se assim podemos dizer, não residiu nos crimes e nas perversidades que praticou, mas no fato de não ter tomado consciência de sua condição de inferioridade diante da vida.

São muitas as pessoas que, ao se aperceberem do modo pelo qual reagem, sofreiam os impulsos e se oferecem ao trabalho, buscando, na exaustão física, a compensação para os cometimentos de caráter intempestivo que envolvem aspectos morais. Se cada pessoa que se apresenta desequilibrada cismar de cometer tais crimes, não haveria possibilidade de se manter vida social adequada, a menos que as instituições jurídicas conseguissem extrair da convivência comunitária tais indivíduos.

O que incrementou sua incapacidade de reação moral foi o fato de, desgraçadamente, ter logrado êxito no destrambelhado gesto de tentar aniquilar o pai. Ao atear fogo no barraco, abriu a torneira do gás e, furtivamente, se retirou. A causa do incêndio foi atribuída à explosão do botijão, mesmo porque a perícia técnica nada poderia fazer diante da redução de tudo a cinzas. Ao voltar para casa, fingiu estar regressando de algum lugar, encenou dor e sofrimento e conseguiu evitar que se levantassem suspeitas contra si. Essa foi a base de sua “mentira”. É bom ressaltar que, por essa época, era pouco mais que um menino, pois contava doze anos de idade. Não tendo com quem ficar, foi, de derrocada em derrocada, até a tragédia final.

Eis a real história de nosso irmão.

Agora já se retirou da forma que acima descrevemos e a nós nos resta orar compungidamente, para que obtenha da misericórdia divina grande parcela, pois irá necessitar de muita força para poder iniciar a caminhada em direção ao bem maior



Diversos irmãos testaram sua possibilidade mediúnica, de sorte que o texto ficou como colcha de retalhos. Tendo em vista as naturais dificuldades para sua divulgação, não vimos necessidade de imprimir certa linearidade temática.

Quanto à curiosidade pelo que possa vir a ser feito em favor do sofredor, solicitamos permissão para não avançar além do que foi dito e recomendamos aos amigos que elevem preces por ele. Mais nada.

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