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Ensaios-->38. 20.o Relato — CORDIALIDADE INESPERADA -- 17/01/2004 - 07:57 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Eu sou um lunático perigoso. Sei que sou e aviso a todos que sou. Assim mesmo, sempre existem aqueles que me enfrentam e que deixo, invariavelmente, estendidos no solo. Durante a vida, já era louco. Depois que morri, não foi diferente. Se estou dando a impressão de controlado é porque as forças que tenho neste instante são de empréstimo. Não queiram me ver sem estes laços de ternura e afeto com que me prenderam.

Estão dizendo-me que sou capaz de reconhecer a “ternura” e o “afeto” e, portanto, não sou tão desmiolado assim. É verdade que muitas vezes finjo acessos de loucura, já que sou conhecido e temido por causa disso e sei bem que medo provoco em todo mundo. Sinto que aqui onde estou não há frêmito algum com minha presença. Aliás, eu é que senti um pouco de medo quando cheguei. Agora estou vendo que tudo é muito pacífico e calmo. Existem alguns que me olham de soslaio, mas estão tão presos e contidos quanto eu. Esses tremem um pouco, não de medo, mas por causas diversas, como me demonstram os que estão trabalhando comigo.

Chegou a hora de saber por que estou aqui. É para me conduzir para o mundo da luz, como afirma um dos doutrinadores (o termo ele me revelou). Pois bem, em que consiste isso? Devo abandonar as correrias. Que vantagem levo? A de que o sofrimento ficará amenizado. Acho muito bom. Que devo fazer? Reconhecer as faltas praticadas. Que são faltas? Tudo que prejudicou a alguém ou que representasse algo que não queria que fizessem comigo mesmo. Aí a coisa ferve. Se ficar o dia inteiro falando ou “escrevendo”, não conseguiria contar tudo o que fiz. Querem que resuma.

Pois bem. É para falar a verdade? De preferência. E se mentir? Correrá por minha conta e será prejuízo que causarei a mim mesmo, pois a ajuda possível de ser dada será em função da verdade da narrativa; se narrar a menos, o auxílio será insuficiente; se narrar a mais, o apoio será improdutivo. Não tenho saída. Vou contar exatamente o que fiz. Mas peço para que nada venha a ser escrito. Concordam comigo, desde que permita que tudo possa vir a ser comentado. Desde que sem referência à minha pessoa. Todos de acordo. Então vou deixar que se escrevam alguns trechos do meu relato.

Sou criminoso julgado pela justiça dos homens. Alguns crimes que confessei não fui eu quem praticou, mas a maioria, sim. Confessei falsamente para proteger criminosos conhecidos meus, amigos do grupo. Como já fora condenado à prisão perpétua, um pouco a mais não faria diferença. Os amigos ficaram contentes na hora. Outro dia, encontrei um que estava furioso comigo, pois a pena aqui foi muito mais pesada que se fosse condenado pelos encarnados.

Peço ao escrevente que vá adaptando o vocabulário, uma vez que minha instrução não é boa.

Pois bem, entre os meus “pecados”, ou seja, crimes de que me arrependo, está a morte de meu irmão e de meu sogro, tudo de uma vez. Foi a partir dessa ocasião que me internaram no manicômio judiciário, pois nem os médicos acreditavam que alguém são pudesse praticar as atrocidades que pratiquei. Foi lá que vi as vantagens dos loucos, mas fiz tanta ruindade que me mantinham sempre na cela forte.

Um dia, fugi e apavorei toda uma cidadezinha do interior. O que eu queria era acabar comigo mesmo, mas não tinha coragem, então, punha fogo nas casas, assaltava as lojas, assustava as mulheres. Nunca fiz mal ao sexo de nenhuma, pois era impotente. Nunca também ataquei nenhuma criança, só o filho do patrão que arruinou minha família. Eu não trabalhava, mas minha irmã sim e foi ela quem foi desgraçada pelo infeliz.

Agradeço as mudanças das palavras, mas esse não é um dos meus “pecados”, porque, se eu pegasse o moleque ainda agora...

Não me deixam concluir o pensamento, porque, me dizem, estou atrapalhando a transmissão com minha vibração negativa.

Pois bem, eis aí o resumo de minha história. Como morri? Baleado, naturalmente, mas não foi pela polícia, foi pelo pai do rapazelho. Que fiz depois? Bem, acho que o que era possível do lado de cá para desforrar-me do infortunado assassino. Persegui o filho dele por toda parte, e a toda a família. Sufoquei o ódio, quando soube que estavam arrependidos, mas não perdoei nenhum dos dois.

Depois precisei combater muito na escuridão do Umbral — pensei que fossem as antecâmaras do Inferno. Não eram demônios que me perseguiam querendo arrastar-me para as profundezas? Eram espíritos como eu? Por isso é que muitas vezes fugiam diante de minha reação. Então, eu me enganei. Quem eram esses espíritos? Pessoas que prejudiquei e que não me perdoaram.

Desculpe a forma de pergunta e resposta, mas estou impressionado com o rumo que a conversação está tomando.

Eu não sabia onde estava. Às vezes, achava que era o Purgatório, outras vezes, que estava perdido em alguma região cavernosa, mas sempre com medo de ser arremessado no Inferno. Esse era o meu inferno?

Que vai ser de mim agora? Se eu quiser, serei encaminhado para um hospital. De loucos? Não, para tratar do corpo. Mas meu corpo se desfez na sepultura. Este que estou vestindo e que se encontra em frangalhos. É verdade. Como vai ser possível isso? Foi bom ter perguntado, pois eu é que vou indicar o caminho.

Curiosa situação! Vou ter de colaborar para ajudar os outros a me ajudarem. Existe isso? Pensei que tudo fosse maldade em toda parte. Vou ter de sofrer muito ainda, mas nada que seja insuportável. Ainda bem, pois agora posso dizer que as dores me moíam a cabeça e eu não conseguia ter sossego. Quando aqui cheguei, parecia que tinha entrado no Paraíso. Está muito longe. Que pena!

Estou disposto a colaborar. Que devo fazer? Voltar a contar as peripécias para os companheiros que irão acompanhar-me. Só isso, por enquanto? Ouvir a prece que se fará e repeti-la, se for capaz. É fácil. Agradecer o escrevente. Está feito. Já tratei com ele e ele me entendeu.



Comentário

Curiosíssimo é o caso do irmão sofredor. Tudo que nos disse corresponde exatamente à realidade dos fatos. Embora nem tudo tenha sido escrito, o que foi serviu para caracterizá-lo como dos mais rebeldes, entretanto, acedeu com boa vontade a todas as recomendações e, espírito prático, logo intuiu que não poderia perder esta oportunidade de progresso.

Algo deve haver subjacente à sua personalidade que tenha ficado camuflado neste período em que praticou as maiores barbáries, chegando mesmo a sugar o sangue das vítimas ainda vivas. Fantasiou-se de vampiro e desejou transformar-se no próprio Conde Drácula. Segundo os padrões terrestres, qualquer seja a linha psiquiátrica, teria sido categorizado como demente, no entanto, fazia tudo com extrema clareza intelectual, chegando a secionar os membros das vítimas com perfeição técnica do mais hábil cirurgião.

De onde lhe proveio o espírito da criminalidade? Certamente não do desequilíbrio mental. Vai ser preciso vasculhar-lhe os guardados da memória transcendente da última encarnação para configurar, com precisão, de quem se trata e quais os recursos a serem utilizados para encaminhamento da cura. Tememos que muito e muito precisará ser feito.

Quanto a protetores que tivessem interesse pelo seu restabelecimento, não apareceu nenhum. A sua condução para nós se deu no instante em que topamos com ele lamentando o fato de se ter deixado levar pela presunção de que a loucura seria o melhor remédio para os males. Esse instante de lucidez foi suficientemente forte para a inquirição da possibilidade de receber ajuda.

Parece que o tempo que decorreu da última encarnação deve ser contado por alguns séculos. O médium quer saber do “manicômio judiciário”. Pois se configura para nós que era cárcere monástico e que a tradução é que deve ter sido falha. Releia o texto e veja se ocorrem mais dúvidas.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Enquanto relia o texto o médium, fomos em busca de maiores informações. O assistido, realmente, apresenta sérios distúrbios mentais. Nossa intuição estava correta quando percebemos que sua peregrinação pelas trevas tivera sido prolongada. É que, em seu desvario, durante certo tempo, obsidiou o espírito de antigo desafeto em recente encarnação, tendo assumido a identidade do infeliz, que perpetrou vários crimes, tendo, inclusive, sido baleado e morto da forma descrita pelo amigo. Por isso, não fomos capazes de detectar as vibrações correspondentes às mentiras; é que o coitado vivenciou tudo como se tivesse ocorrido consigo mesmo. Como se vê, seu espectro moral é extraordinariamente complexo. O fato dessa identificação ter-se dado a nível consciencial não inutiliza o relato feito, mas, como se pode ler no texto colhido, exigia-se dele, ao se retirar, nova narrativa de sua peregrinação, pois os elementos não estavam encaixando-se.



Explicação

Agradecemos a boa vontade do médium e pedimos escusar-nos por termos utilizado o aparelho para caso que, talvez, não ofereça interesse para publicação. Se assim for, perdoe-nos, pois sabemos que sua destinação íntima é para o apanhado de casos elucidativos, que possam auxiliar os leitores na compreensão da existência. De qualquer forma, o trabalho completou-se no momento em que pudemos encaminhar o amigo para as turmas da retaguarda. Esperamos que isto o satisfaça.

Quanto à informação de que outros amigos estivessem presentes, sendo contidos pelos cordames de “ternura” e “afeto”, conforme descreveu o sofredor, é bem verdade, mas a eles dedicamos a parte da doutrinação, de sorte que, à vista do que ocorreu com o outro, puderam perceber que receberiam toda ajuda possível. Não seria justo esgotar as reservas fluídicas do médium, quando o serviço não pedia isso.

Gratos lhe ficamos e despedimo-nos contentes por mais esta tarde profícua. Fique com Deus e não se esqueça das preces habituais.

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