Uma casa pode estar em qualquer lugar: indo para o trabalho, vi um mendigo que, em um amplo gramado, preferiu dormir perto de um rolo de dutos, por onde provavelmente passarão fibras ópticas.
Esta é a casa temporária dele, nômade que não tem casa. Até que comece o dia e os operários da empresa que passa os cabos o expulsem de lá.
E a minha casa, onde é minha casa?
Como tantos de minha geração, morei sempre em lugares alugados. Algumas vezes alugados com mobília. De qualquer modo, como sou solteiro -- sempre fui solteiro --, todos meus apartamentos têm algo de individual e específico meu. Mesmo aqueles alugados com mobília.
Como sou previdente, acumulei o suficiente para comprar uma casa (ou apartamento) de tamanho suficiente para minhas necessidades. Mas prefiro deixar tudo investido, enquanto as taxas de juros brasileiras compensem.
A literatura (ou tentativa de) me faz economizar: nestas horas que passo escrevendo poderia estar em bares com amigos.
Uma opção de solidão? Bem, nem tanto: saio bastante com amigos, mas não todo dia. De qualquer modo, uma vez que meus pais e irmãos morreram e o restante da família sempre esteve em São Salvador, Bahia, acabei levando esta vida mais reservada -- reflexiva e com poucas companhias.
É interessante, mas devo ser o único baiano solitário... Brincadeira: este é apenas um estereótipo de paulistas. Baianos são exatamente como todos os outros brasileiros.
A não ser que, pelo fato de serem baianos, eles são mais simpáticos, alegres, inteligentes... E isto não é uma brincadeira!
Outra economia que a literatura traz é o silêncio que ela me dá e que permite que eu pense mais sobre mim mesmo. O silêncio dos inocentes, como no filme? Não, não, mas o silêncio necessário para eu ver meus próprios fantasmas e tentar espantá-los.
Alguns amigos (terá sido o Contrera? Talvez a Kilandra?) me disseram ter encontrado esse silêncio -- ou pelo menos o espaço -- no divã de um psicanalista.
Respeito a opção, e talvez a tente um dia. Mas por ora meu espaço de respiração é mesmo o da literatura. Esses pequenos textos que rabisco e às vezes coloco na Usina de Letras, mal acabados como são, fizeram com que eu pensasse sobre mim mesmo. E muito.
Procuro não ser muito confessional -- isso é uma coisa da literatura da década de 80 do século passado --, mas o fato é que os poucos que me lêem podem saber muito sobre mim.
Ezra Pound dizia que poesia é a experiência transformada. Não sou poeta, mas penso que a literatura é assim também: o interessante não é a experiência, mas como a contamos.