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Ensaios-->A POÉTICA DO DEVANEIO -- 31/10/2004 - 11:34 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


A POÉTICA DO DEVANEIO SEGUNDO BACHELARD
João Ferreira
30 de outubro de 2004-10-30



É sempre bom batermos às portas dos filósofos que podem nos abrir os horizontes do conhecimento.Melhor ainda quando já sabemos que batemos à porta de quem anteriormente nos deu demonstrações de simpatia, de afinidades, de capacidade de transmissão e de ensinamento.
Entre os mais modernos pensadores franceses está Gaston Bachelard (1884-1962), notável professor de História e de Filosofia das Ciências na Sorbonne nos anos de 1940-1955.
Bachhelard é autor de uma enorme produção filosófica e um dos gurus da epistemologia e da metodologia filosófica contemporânea. Entre seus principais livros são de destacar o “Ensaio sobre o conhecimento aproximado”[Essai sur la connaissance approchée], publicado em Paris pela Livraria Vrin em 1928; “O valor indutivo da relatividade” (Paris, 1929); “O novo espírito científico” , sua obra mais conhecida, publicada em 1934 com o título de “Le nouvel esprit scientifique”, Paris: Presses Universitaires de France; “A intuição do instante”(1935); A Dialética da Duração, Paris, PUF, 1936; A Experiência do espaço na Física contemporânea (Paris:PUF, 1937); A formação do espírito científico. Contribuição para uma psicanálise do conhecimento objetivo(Paris:Vrin, 1938);A Psicanálise do fogo (Paris:Gallimard, 1938); A Filosofia do não (Paris: PUF, 1940); A água e os sonhos. Ensaio sobre a imaginação da matéria (Paris: José Corti, 1942);O ar e os sonhos: ensaio sobre a imaginação do movimento (Paris: José Corti, 1943); A Terra e os sonhos da vontade. Ensaio sobre a imaginação das forças(Paris: José Corti, 1948); A Terra e os sonhos do repouso. Ensaio sobre as imagens da intimidade (Paris: José Corti, 1948); A atividade racionalista da física contemporânea (Paris: PUF, 1951); O Materialismo racional (Paris: PUF, 1953); A Poética do Espaço (Paris: PUF, 1957); A Poética do Devaneio (Paris:PUF, 1961); A Chama duma Candeia (Paris:PUF, 1961).
O interesse que Bachelard despertou no pensamento contemporâneo está patente numa longa lista de pesquisas e trabalhos escritos sobre ele e sua obra, tanto na França quanto fora da França. A capacidade que sempre teve de unir os dois mundos da ciência e da filosofia, da psicanálise e da epistemologia, da matéria e do espírito associando filosofia, reflexão filosófica,psicanálise, epistemologia e sonho, fazem dele um autor sui generis para o estudo da filosofia e da ciência contemporânea.
Os seus biógrafos críticos fazem ressaltar sua ação de pedagogo e de professor, assim como a de especialista do imaginário, a de filósofo da ciência preocupado com a cultura de cunho científico. Em seus livros e abordagens, Gaston Bachelard não é tido como um “filósofo de rigor” no sentido em que Husserl definira a Filosofia “como ciência de rigor”, mas é certamente um filósofo de vocação especial, que pelos seus conhecimentos físicos, filosóficos, dialéticos e epistemológicos conseguiu criar do mundo uma concepção original virando um filósofo da imaginação poética, um alquimista do sonho. Sua filosofia é referencialmente uma filosofia viva. Tão viva que a linguagem e a retórica com que a expôs têm merecidos estudos especiais e especializados. Segundo Vincent Therrien Bachelard é um revolucionário da crítica literária. Jean Lescure mostra a profundidade intuiva e crítica de Bachelard no seu livro “Introdução à Poética de Gaston Bachelard” Para conhecimento e entendimento de sua plúrima obra, é fundamental o trabalho de G. Coutellier que mostra a dimensão da linguagem de Bachelard, tendo François Dagognet o definido como “o homem do poema e do teorema”. Seu livro “O espírito científico”, foi, na segunda metade do século XX, uma leitura obrigatória nas academias e centros de filosofia para os iniciantes e iniciados em filosofia. Gaston Bachelard se destacou pela sua capacidade em levar a filosofia para o mundo real dos homens.Um de seus méritos é o de ter tido a capacidade de abrir as portas da curiosidade e da leitura filosófica não apenas para os filósofos encartados mas para todos os leitores que curtem o estudo de matérias afins da Filosofia como são os leitores da área de Letras. Não há dúvida que depois de Gaston Bachelard, a Teoria da Literatura e a Epistemologia ficaram mais próximas dos estudiosos e mais aceitáveis em sua racionalidade.Suas obras que antes eram apenas lidas em francês, já chegaram ao leitor comum de língua portuguesa através de traduções que tornaram este pensador mais acessível e conhecido seja no Brasil, seja em Portugal e nos demais países de Língua Portuguesa. A Livraria Martins Fontes Editora, de S.Paulo, foi a Editora que mais mérito teve nisso, ao colocá-lo entre os principais autores da coleção “Tópicos”. Nessa coleção, ao lado de obras de Cassirer, Whitehead, É. Durkheim, J.R. Searle, Umberto Eco e J.L. Austin, foram publicadas a Psicanálise do Fogo e A Poética do Devaneio.
A Poética do Devaneio que dá o título a este ensaio é uma obra de específica e fundamental importância para quem se dedica à escrita literária e à Literatura, em geral. Ela interessa frontalmente ao sonhador de palavras, àquele que mobiliza a palavra para com ela construir sua navegação literária em tom de ficção ou de fantasia. Podemos dizer que este livro é uma contribuição básica para a “teoria do devaneio”, teoria onde os sonhadores literários ganham uma fundamentação teórica para poderem ler, analisar e interpretar seus sonhos e seus próprios textos de produção ficcional, assim como avaliá-los a nível de arte literária. Todos os poetas e escritores, por isso, deveriam conhecer o capítulo que Gaston Bachelard reservou em seu livro intitulado “O cogito” do sonhador”.
Ao enfrentar esta temática, como preâmbulo à remota formulação de um cogito do sonhador, Bachelard começa por analisar o sonho noturno e mais especificamente o que habitualmente se chama de sonho absoluto, aqueleem que o ser humano perde a consciência e se afunda envolvendo-se no universo do Nada. Mostra como o sonho noturno dispersa o nosso ser e nos projeta para o abismo do não-ser. Neste contexto, Bachelard declara não ser por isso o sonho absoluto o objeto de análise neste capítulo. Isto porque o sonho absoluto é simplesmente abissal, sem memória e sem sujeito. Ao fim e ao cabo, Bachelard relega para o psicanalista esse tipo de sonho.
Perscrutar as fronteiras que medeiam entre o sonho noturno e a existência diurna do sujeito sonhante, ou entre a psique noturna e a psique diurna, seria uma pergunta interessante, uma vez que essa fronteira existe de fato. Quando chega a esta fronteira, Bachelard acha-se em condições de estabelecer um começo de formulação do “cogito do sonhador” feito pelo psicanalista. Nestes termos: “Ele sonha durante a noite, portanto ele existe durante a noite. Ele sonha como todo o mundo, portanto ele existe como todo o mundo. Ele acredita ser ele mesmo durante a noite e ele é qualquer um...”(Bachelard, Gaston. A Poética do Devaneio, p. 143). Se é qualquer um...qualquer coisa, é no fim de contas, uma soma de acidentes e isso é um bom trabalho para o psicanalista. No sonho, o eu se perde e o sonhador descobre para nós o sentido do abismo, onde existe um “homem sem sujeito” (p.144).
É nesta base que Bachelard prossegue. Para iniciar, diz, teremos de partir do princípio de que há uma diferença entre sonho noturno e devaneio, que é uma análise própria para um fenomenólogo. O sonhador por devaneio pode formular um cogito. Pode, porque o devaneio é uma atividade onírica na qual subsiste a clareza da consciência (p.144). O sonhador do devaneio acompanha a sua ação. Há nele, por isso, um cogito fácil, sem tensão, acrescenta Gaston Bachelard (p.145). O devaneio constrói-se com encantos e interesses. Vive deles, sempre desperto pelas imagens.Imagens algumas das quais se transformam em imagens centrais e irradiantes: “De repente uma imagem se instala no centro do nosso ser imaginante. Ela nos retém, nos fixa. Infunde-nos o ser. O cogito é conquistado por um objeto do mundo, um objeto que por si só representa o mundo. O detalhe imaginado é uma ponta aguda que penetra o sonhador suscitando nele uma meditação concreta. Seu ser é a um tempo o ser da imagem e o ser da adesão à imagem que provoca admiração. A imagem nos fornece uma ilustração da nossa admiração” (p.147), como acontece com uma flor, com uma fruta, com um objeto familiar[...]. O sonhador vai sentindo que o mundo o penetra e o atravessa e, como conseqüência, “as imagens do devaneio do poeta” vão cavando a vida em profundezas (p.149). A Poética do devaneio começa por ser só o processo do acesso às imagens, não à Poética da Poesia. O devaneio é simplesmente o ensimesmamento e o enamoramento sonhador para o despertar da sensibilidade(p.159). Criamos no sonho um tempo do objeto. O objeto que sonhamos nos ajuda a viajar,a esquecer a hora, a estar em paz com nós mesmos. O devaneio é sensibilidade e forma de reavivar coisas esquecidas e mortas.
Ao elaborar uma ontologia do devaneio, Bachelard assume a defesa de uma ontologia do disperso, do fragmentado e se previne contra os filósofos racionalistas e radicais que constroem a ontologia em cima da totalidade do ser. Porém sendo que é manifesta a atividade psíquica no sujeito do devaneio e manifestas as diferenças nas tonalidades do ser, ele conclui poder propor uma ontologia diferencial que acoberta o cogito do sonhador. Diz Bachelard: “O cogito do sonhador é menos vivo que o cogito do pensador.O cogito do sonhador é um ser difuso. Em compensação porém, esse ser difuso é o ser de uma difusão. Escapa à pontualização do hic et nunc.O ser do sonhador invade aquilo que o toca, difuso no mundo. Graças às sombras a região intermediária que separa o homem e o mundo é uma região plena, de uma plenitude de densidade ligeira. Essa região amortece a dialética do ser do não-ser. Todo o ser pode passar por um não-ser aos olhos do homem de razão,aos olhos do homem empenhado num trabalho, sob pena do metafísico da ontologia forte.Mas em contrapartida, o filósofo que se entrega a uma solidão suficiente para entrar na região das sombras banha-se num meio sem obstáculos, onde nenhum ser diz não. Vive por seu devaneio num mundo homogêneo com o seu ser, com o seu meio-ser. O homem do devaneio está sempre no espaço de um volume. Habitando verdadeiramente todo o volume de seu espaço, o homem do devaneio está em toda a parte no seu mundo, num dentro que não tem fora. Não é à toa que se costuma dizer que o sonhador está imerso no seu devaneio.O mundo já não está diante dele.O eu não se opõe mais ao mundo. No devaneio já não existe não-eu. No devaneio, o não já não tem função: tudo é acolhimento.!”(p.161).
É dentro destas coordenadas fenomenológicas que Bachelard constrói a ontologia do devaneio, de onde deriva por sua vez, o cogito do sonhador.
Tudo isto quer que há uma fundamentação para se falar da sustentação do sonho e para se dizer que o sonhador não é um ser qualquer sem espaço no mundo. Bachelard quer dar a essa fundamentação uma contextura, uma habilitação na sistematização do mundo. Seus espaços sutis, embora vagos e instersticiais são espaços. Desde a teoria da relatividade que não podemos absolutizar o que quer que seja. Sendo Gaston Bachelard um dos que melhor entenderam Einstein e sendo autor da obra “Valor indutivo da relatividade” e de “A experiência do espaço na física contemporânea”, sendo também um fenomemenólogo, um filósofo e um epistemólogo, de alto nível, ganha perante seus contemporâneos toda a autoridade intelectual em suas propostas de profunda sensibilidade e intuição de muitas trinchas do macrocosmos plantadas diante de nossos olhos.
Estas reflexões têm sentido para todos os poetas da Internet e da Usinadeletras, assim como para todos os sonhadores que fazem a leitura do lado harmonioso do mundo tentando suavizar o aspecto sofredor da humanidade crucificada.


João Ferreira
Alto da serra da Contagem-DF
31 de outubro de 2004
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