Terminei hoje de ler O Primo Basílio, de Eça de Queiroz.
Algum crítico disse que todo romance realista é a história de um adultério.
Naturalmente, com realista ele queria dizer que o romance havia sido escrito de acordo com os cânones do movimento realista, que floresceu e feneceu no há quase dois séculos atrás.
Mas seria interessante pensar em outras interpretações: por exemplo a de que todo romance que se preocupe em se ater à realidade (portanto realista) conta a história de um adultério.
Outra interpretação é a de que todo affair, todo caso -- ou todo romance -- que se preocupe com a realidade (dos sentidos? dos sentidos?) termina sendo um adultério. E que, portanto, só os adultérios é que são romântico -- qualquer outra forma de enamoramento é irremediavelmente falsa ou distante da realidade.
Claro, à parte as viagens do pensar -- Livre pensar é só pensar, segundo Millor Fernandes -- choca no romance a vingança da criada e o uso inconseqüente que o personagem título -- pouco importante, aliás -- faz de Luisa, sua prima, verdadeira heroína do romance.
Inclusive no sentido de estar alienada de sua própria vida e sentidos.
Outro ponto interessante é que Eça de Queiroz fez um romance que pode ser lido em pelo menos dois níveis -- um recurso usado por Oscar Wilde em suas peças. Um deles conta a história de um vilão (o primo) que destrói a vida de uma mulher ingênua, a prima.
Em outra leitura, vemos o primo sim como um um folgazão, um sedutor irresponsável, mas ainda assim um sujeito com sentimentos, capaz de sentir culpa e tristeza. Nessa segunda leitura, até mesmo o Conde Reinaldo, seu mentor e apoio para a inconseqüência com o sentimento alheio, termina de certo modo justificado em seu amargor e pessimismo maldoso: estava a perder sua fortuna, provavelmente com as farras, pois durante o romance vende sua última propriedade.