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Ensaios-->A morte na obra de Alphonsus de Guimaraens e Antônio Nobre -- 12/03/2005 - 14:05 (PAULO FONTENELLE DE ARAUJO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
USP - F.F.L.C.H - Universidade de São Paulo.
Literatura Portuguesa IV
Professor: Horácio Costa

Aluno: Paulo Henrique Coelho Fontenelle de Araújo
n. USP: 3710046














Estudo comparativo da obra poética de Alphonsus de Guimaraens e Antônio Nobre através do tema da morte.



















São Paulo
Dezembro de 2004

Acredita-se que a construção poética, percebida através de uma receita coerente, não deve destacar elementos biográficos do autor. Esta afirmação, já tendo sido mote do grande poema a “Procura de Poesia” de Carlos Drummond de Andrade, impõe, não uma regra na elaboração de versos, nem a constatação de que para a poesia é desnecessária a determinação de temas, mas a indicação de que a composição de uma obra poética deva ocorrer enfaticamente na conexão entre o plano do conteúdo e o plano da expressão de cada poema. A composição poética seria - na ênfase a metáfora farmacológica - um trabalho de combinação “química” realizada entre os planos acima citados, deixando a história pessoal de cada um na condição de um dos elementos da fórmula.

Dito isso, e por conseqüência, cada fato da vida de um poeta deveria ter uma importância secundária na análise de sua obra, contudo, observa-se que aquilo que era detalhe, pode ter penetrado no corpo do autor, a ponto de tornar-se algo transbordante, de ser perceptível que a compreensão do mundo pelo poeta analisado, passe por aquela experiência existencial e, ainda usando o jargão farmacológico, ser a substância ativa da obra do poeta.

A experiência com a morte para os poetas Antônio Nobre e Alphonsus de Guimaraens, poetas simbolistas, ambos de influência francesa (Verlaine, Mallarmé – este último traduzido por Alphonsus de Guimaraens), está dentro do dado biográfico transbordante e também problemático. Antônio Nobre que foi tuberculoso desde criança, deparou-se em determinado momento com a possibilidade de morrer cedo, o que o tornou um homem sujeito a crises de melancolia e angústia. De fato, morreu jovem com trinta e três anos, tendo publicado uma única obra, de nome “Só” (1892), que ele mesmo afirmava ser 'o livro mais triste que há em Portugal'. Alphonsus de Guimaraens, após formar-se em Direito, apaixonou-se por sua prima Constança, que faleceu logo depois. A vivência da morte da mulher amada, abalou moral e fisicamente o poeta, tendo a sua poesia marcas profundas desta perda.
Assim o estudo do tema da morte, feito em termos comparativos através de poemas dos dois autores, pode facilitar um entendimento mais adequado das suas obras. Pode resultar, inclusive, na identificação de um desdobramento para o tema, ou seja, no que o tema morte transformou-se; se a mutação foi válida em termos poéticos ou se, para ambos autores, a transformação e depuração poética do tema logrou solucionar o problema para as suas vidas.
Para facilitar o estudo, será analisada primeiramente a obra de Antônio Nobre através dos seus poemas “Antônio” e “A Lisboa das naus, cheia de glória” juntados ao final. Após, analisar-se-á a obra de Alphonsus de Guimaraens, através dos poemas “Ossa Mea”, “Ismália”, “Pulchra Ut Luna”, “Cisnes Brancos” , “A catedral” e Hão de Chorar por Ela os Cinamomos... . Ao final será procedida a comparação entre ambos autores, com a conclusão que o estudo comparativo permitir.
O poema “Antônio” parece indicar a preocupação do poeta Antônio Nobre consigo, tanto que a obra possui uma seqüência de versos a sintetizar a história da vida do autor. Contudo, o que os versos transmitem não são apenas a sucessão de fatos (o nascimento, a infância, as novenas em tarde de maio, a entrada na escola, o crescimento), mas a consciência - destacada do espírito do poema - de que o fim prematuro sempre foi uma possibilidade e tão acentuado, que o poeta ali, na elaboração das estrofes, na exalação do eu - lírico já se sente praticamente morto. Observe-se os versos “E Antônio crescendo, sozinho/ Feliz que vivia!/ (E a Dor, que morava com ele no peito,/ Com ele crescia...” ou “ E os anos correram, e os anos cresceram,/ Com eles cresci: / Os sonhos que tinha, meus sonhos... morreram,/ Só eu não morri,” ou “A Morte, agora, é a minha Ama/ Que bem que sabe acalentar”.
A consciência da morte prematura pelo autor seria então o refrão do poema, que se repete insistentemente para que o leitor pegue o jeito da “desgraça”, embora o ato de compreensão não esgote o tema, pois o dado mortuário de tão triste ou de tão vazio, vai assumindo muitos feições além da fatalidade pessoal que lhe é observada por Antônio Nobre. A morte apresenta-se então como a debilidade física do poeta, como a decadência da família do autor: “ Fiquei pobrezinho, fiquei sem quimeras./ Tal qual Pedro-Sem,/ Que teve fragatas, que teve galeras,/ Que teve e não tem...”. Tais mudanças de fachada parecem, na seqüência e contraditoriamente, dar impulso a uma revitalização, ainda que momentânea, do espírito do poeta e isso na sintonia que o mesmo faz com o povo português, na compreensão da fraqueza desse povo, na singeleza dos empregados que conviveram com o autor em sua infância: a velha Carlota que contava histórias; as velhas criadas na roca fiando. Até mesmo o passado de sua família surge como essência revitalizadora e o poeta faz questão de introduzir um elemento de coesão universal, e por que não dizer de permanência, quando afirma que foi neto de navegadores ( Heróis, Lôbos-d água, Senhores / Da índia d Aquém e d Além-mar!)
Então o tema da morte pode ser identificada de outra forma pelo leitor mais disponível à viagem que o texto sugere, algo além da idéia do fim prematuro, embora também seja o fim. O tema descarrega uma pulsão do autor para revelar-se através do mundo que ele conheceu e o Simbolismo ocorreria no fato dele não retratar objetivamente esta realidade, (muito embora seja perceptível uma certa influência naturalista com um nacionalismo do culto à terra e das virtudes do passado), mas representa-la através de uma idéia de sonho, de ilusão, de utopia.
Em outras palavras, o Simbolismo de Antônio Nobre é identificado, no poema em questão, pelo plano de conteúdo da obra, pelos elementos relacionados com o espiritual, o místico e o subconsciente: aspectos peculiares do indicado movimento literário e ali captados através dos diversos significados de uma morte transbordante que passam da possibilidade de uma tragédia instantânea, fulminado pela tuberculose, à certeza de que a fragilidade do fim, da vida que vai se perder, entram em sintonia com marcas permanentes de um passado coletivo, marcas do seu próprio povo, o povo português.
Dito isto, não é difícil perceber que a alma portuguesa, manifestada nos poemas, contêm um elemento definidor do já perdido, a idéia única de saudade que segundo Dalila L.Pereira da Costa e Pinharanda Gomes no livro “Introdução à Saudade” é o que exprime dialeticamente o ritmo vivente do espírito.
A possibilidade de morrer prematuramente para Antonio Nobre significava então um movimento em direção a uma essência comunitária e permanente: a saudade. A possibilidade da morte determinava um movimento vital e a obra “Só” não era o livro mais triste de Portugal.
Quanto ao processo formal de composição do poema percebe-se que o poeta se distancia do Simbolismo. Ora, o que caracteriza o movimento em termos formais são as palavras escolhidas pela sua sonoridade, ritmo colorido, fazendo-se arranjos artificiais originais como reunir, numa só unidade, elementos designativos de sensações relativas a diferentes órgãos dos sentidos (Sinestesia). Tais elementos de construção não aparecem no texto, muito embora haja um ritmo sinalizado por rimas em todos os versos. Rimas que não logram obter o efeito curioso de construção, objetivo da nova poética, mas permanecem ainda dentro da mesma sistemática visualizada por Eugênio de Castro em seu prefácio de Oaristos: “uma pobreza franciscana... um imperdoável abuso de rimas em Ada, ado, oso, osa, ente, ante, ao, ar, etc”.
No poema “A Lisboa das naus, cheias de glória” confirma-se esta idéia de morte transbordante, prematura, consciente e em ressonância com os “ossos prováveis de Camões” – uma definição de saudade - e com tudo que é passageiro, a própria Lisboa e suas procissões, navios entrando e saindo... sabe-os Deus para onde, de um “ passado quão longínquo o vejo! Vos sois Árabes, Celtas e Fenícias!”
A ressonância termina por ser ajustada no pedido de perdão que o poeta faz através das mulheres que rezam. Note-se que a parte das mulheres rezadeiras é tão destoante daquela descritiva da cidade de Lisboa, que não é possível compreendermos o poema, se não considerarmos essa ligação íntima do poeta com essa Lisboa idealizada, que é de mármore, no beco do imaginário.
Alphonsus de Guimaraens, um dos principais representantes do movimento simbolista no Brasil, oscila entre os indícios materiais da morte e a expectativa do sobrenatural. Tal aspecto, mais do que oscilante, é conseqüente, demonstra sim um movimento de materialidade através da espiritualidade ( as mão de uma finada que, ao luar, descem juntas, no poema “Ossea Mea”) é o resultado do impacto da morte de sua noiva Constança e, mais do que isso, a concretização de uma maneira de aproximar-se de sua Amada. Então a presença da morte gera um movimento, um contato com a natureza íntima do poeta que pretende não só um instante de materialização da amada. O autor sugere a multiplicação em outras mulheres e até, em certos momentos, a sua representação na universalidade dos seres, em uma espécie de panteísmo da noiva Constança.
Constança corporificada se multiplica ( são 'Sete damas', são 'As onze mil virgens', Ester, Celeste, Nossa Senhora, a principal figura com quem identifica Constança, ou a sonhadora 'Ismália”) e também se materializa em obras humanas : repare que no poema “A catedral” a igreja “ebúrnea do meu sonho” aparece na paz do céu tristonho, toda branca de luar. Como não considerar a feminilidade da edificação, branca como são brancas e brumosas as mãos no poema “Ossea Mea” que vêm fechar ao mesmo tempo tantas bocas.
A materialização de Constança acorre até em fenômenos da natureza, nos “laranjais hão de cair os pomos, lembrando-se daquela que os colhia”, ou na “ Forma imortal que o espírito reveste De luz, não temes sol, não temes chamas, Porque és sol, porque és luar, sendo celeste” do poema “Pulchra ut luna”
No aspecto formal, a obra de Alphonsus de Guimaraens caracteriza-se pela sua sonoridade, ritmo e arranjos artificiais. Note-se no poema “A catedral” a seguinte imagem: uma fusão entre homem e natureza em que “O céu é todo trevas: o vento uiva. Do relâmpago a cabeleira ruiva. Vem açoitar o rosto meu”. Aliás, o poema, exposto ao final, percebe-se a preocupação formal do autor , pois a obra dividida em quatro quadros, de três estrofes estão representadas a “aurora” o “dia” o “anoitecer” e a “noite fechada”; espaços temporais que demonstram no texto o transcurso da vida. Vida que, pela estética simbolista é vaga e obscura e – dados do poema - marcada por brumas, orvalho que se evapora, sinos lúgubres e tarde esquiva.
O tema da morte, portanto, é coincidente para os dois autores e sua manifestação, ao contrário de uma primeira análise possa mostrar, revela uma tentativa de adesão dos autores a algo sugerido como permanente e coletivo. Eles querem encontrar uma paz, que está exatamente no contato com esse coletivo e nas possibilidades expressivas de sua poesia. Antônio Nobre ruma para a essência do povo português, sua tranqüilidade depende das conecções com a natureza íntima daquele povo. Alphonsus de Guimaraens não especifica o coletivo a ser alcançado, embora possua um referente: a amada perdida que é também toda a natureza e as obras humanas. Os poemas sugerem uma pretensão pela totalidade (Ismália quer a lua do céu e a lua do mar) que paradoxalmente se encontra dispersa no ar - sendo esta “disseminação” explicada pela estado de vacuidade da mulher amada após a sua morte: o que morre torna-se tudo e torna-se mito, a figura da Virgem Maria sempre presente.
Alphonsus de Guimaraens talvez pelo tamanho da pretensão, talvez por ter um ponto de partida concreto ( a mulher amada), logra solucionar o problema e resolve-se diante da perda e da morte em uma poesia coesa. Antônio Nobre, talvez pela gravidade de sua doença, não alcança a perfeita sintonia com aquele Portugal de sonhos e perde-se em um tom confessional esporádico. A morte torna-se um peso insuportável e a tristeza, do que ele declarou como sendo o “livro mais triste de Portugal” não vem das imagens criadas, vem da sua tristeza como homem condenado: “E a velha Carlota, revendo-me agora/ Tão pálido diz: ? Meu pobre Menino! Que Nossa Senhora fez tão infeliz.
A obra de Antônio Nobre, portanto, em razão da presença da sua própria morte que se vislumbrava como prematura, tornou-se um algo indefinido e irregular.


POEMAS DE ALPHONSUS DE GUIMARAENS


A catedral


Entre brumas ao longe surge a aurora,
O hialino orvalho aos poucos se evapora,
Agoniza o arrebol.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu risonho
Toda branca de sol.

E o sino canta em lúgubres responsos:
'Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!'

O astro glorioso segue a eterna estrada.
Uma áurea seta lhe cintila em cada
Refulgente raio de luz.
A catedral ebúrnea do meu sonho,
Onde os meus olhos tão cansados ponho,
Recebe a bênção de Jesus.

E o sino clama em lúgubres responsos:
'Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!'

Por entre lírios e lilases desce
A tarde esquiva: amargurada prece
Põe-se a lua a rezar.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu tristonho
Toda branca de luar.

E o sino chora em lúgubres responsos:
'Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!'

O céu é todo trevas: o vento uiva.
Do relâmpago a cabeleira ruiva
Vem açoitar o rosto meu.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Afunda-se no caos do céu medonho
Como um astro que já morreu.

E o sino chora em lúgubres responsos:
'Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!'


Ossa Mea

Mãos de finada, aquelas mãos de neve,
De tons marfíneos, de ossatura rica,
Pairando no ar, num gesto brando e leve,
Que parece ordenar mas que suplica.

Erguem-se ao longe como se as eleve
Alguém que ante os altares sacrifica:
Mãos que consagram, mãos que partem breve,
Mas cuja sombra nos meus olhos fica...

Mãos de esperança para as almas loucas,
Brumosas mãos que vêm brancas, distantes,
Fechar ao mesmo tempo tantas bocas...

Sinto-as agora, ao luar, descendo juntas,
Grandes, magoadas, pálidas, tateantes,
Cerrando os olhos das visões defuntas...


Cisnes Brancos

Ó cisnes brancos, cisnes brancos,
Porque viestes, se era tão tarde?
O sol não beija mais os flancos
Da Montanha onde mora a tarde.

Ó cisnes brancos, dolorida
Minh’alma sente dores novas.
Cheguei à terra prometida:
É um deserto cheio de covas.

Voai para outras risonhas plagas,
Cisnes brancos! Sede felizes...
Deixai-me só com as minhas chagas,
E só com as minhas cicatrizes.

Venham as aves agoireiras,
De risada que esfria os ossos...
Minh’alma, cheia de caveiras,
Está branca de padre-nossos.

Queimando a carne como brasas,
Venham as tentações daninhas,
Que eu lhes porei, bem sob asas,
A alma cheia de ladainhas.

Ó cisnes brancos, cisnes brancos,
Doce afago da alva plumagem!
Minh’alma morre aos solavancos
Nesta medonha carruagem...

Quando chegaste, os violoncelos
Que andam no ar cantaram no hinos.
Estrelaram-se todos os castelos,
E até nas nuvens repicaram sinos.

Foram-se as brancas horas sem rumo,
Tanto sonhadas! Ainda, ainda
Hoje os meus pobres versos perfumo
Com os beijos santos da tua vinda.

Quando te foste, estalaram cordas
Nos violoncelos e nas harpas...
E anjos disseram: — Não mais acordas,
Lírio nascido nas escarpas!

Sinos dobraram no céu e escuto
Dobres eternos na minha ermida.
E os pobres versos ainda hoje enluto
Com os beijos santos da despedida.


Ismália

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava longe do céu...
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar. . .
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma, subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...


Hão de Chorar por Ela os Cinamomos...

Hão de chorar por ela os cinamomos,
Murchando as flores ao tombar do dia.
Dos laranjais hão de cair os pomos,
Lembrando-se daquela que os colhia.

As estrelas dirão — 'Ai! nada somos,
Pois ela se morreu silente e fria.. .
' E pondo os olhos nela como pomos,
Hão de chorar a irmã que lhes sorria.

A lua, que lhe foi mãe carinhosa,
Que a viu nascer e amar, há de envolvê-la
Entre lírios e pétalas de rosa.

Os meus sonhos de amor serão defuntos...
E os arcanjos dirão no azul ao vê-la,
Pensando em mim: — 'Por que não vieram juntos?'


Pulchra Ut Luna

Celeste... É assim, divina, que te chamas.
Belo nome tu tens, Dona Celeste...
Que outro terias entre humanas damas,
Tu que embora na terra do céu vieste?

Celeste... E como tu és do céu não amas:
Forma imortal que o espírito reveste
De luz, não temes sol, não temes chamas,
Porque és sol, porque és luar, sendo celeste.

Incoercível como a melancolia,
Andas em tudo: o sol no poente vasto
Pede-te a mágoa do findar do dia.

E a lua, em meio à noite constelada,
Pede-te o luar indefinido e casto
Da tua palidez de hóstia sagrada.


Soneto

Encontrei-te. Era o mês... Que importa o mês? Agosto,
Setembro, outubro, maio, abril, janeiro ou março,
Brilhasse o luar que importa? ou fosse o sol já posto,
No teu olhar todo o meu sonho andava esparso.

Que saudades de amor na aurora do teu rosto!
Que horizonte de fé, no olhar tranqüilo e garço!
Nunca mais me lembrei se era no mês de agosto,
Setembro, outubro, abril, maio, janeiro, ou março.

Encontrei-te. Depois... depois tudo se some
Desfaz-se o teu olhar em nuvens de ouro e poeira.
Era o dia... Que importa o dia, um simples nome?

Ou sábado sem luz, domingo sem conforto,
Segunda, terça ou quarta, ou quinta ou sexta-feira,
Brilhasse o sol que importa? ou fosse o luar já morto?


POEMAS DE ANTÔNIO NOBRE

A Lisboa das naus cheia de Glória

Lisboa à beira-mar, cheia de vistas,
Ó Lisboa das meigas Procissões!
Ó Lisboa de Irmãs e de fadistas!
Ó Lisboa dos líricos pregões. . .
Lisboa com o Tejo das Conquistas,
Mais os ossos prováveis de Camões!
Ó Lisboa de mármore, Lisboa!
Quem nunca te viu, não viu coisa boa. ..
Ai canta, canta ao luar, minha guitarra,
A Lisboa dos Poetas Cavaleiros!
Galeras doidas por soltar a amarra,
Cidades de morenos marinheiros,
Com navios entrando e saindo a barra
De proa para países estrangeiros!
Uns pra França, acenando Adeus! Adeus!
Outros pras índias, outros.. . sabe-o Deus!
Ó Lisboa das ruas misteriosas!
Da Triste Feia, de João de Deus,
Beco da Índia, Rua das Fermosas,
Beco do Fala-Só (os versos meus...)
E outra rua que eu sei de duas Rosas,
Beco do Imaginário, dos Judeus,
Travessa (julgo eu) das Isabéis,
E outras mais que eu ignoro e vós sabeis.
Luar de Lisboa! aonde o há igual no Mundo?
Lembra leite a escorrer de têtas nuas!
Luar assim tão meigo, tão profundo,
Como a cair dum céu cheio de luas!
Não deixo de o beber nem um segundo,
Maio vejo apontar por essas ruas. . .
Pregoeiro gentil lá grita a espaços:
'Vai alta a lua!' de Soares de Passos.
Formosa Sintra,onde, alto, as águias pairam,
Sintra das solidões! beijo da terra!
Sintra dos noivos, que ao luar desvairam,
Que vão fazer o seu ninho na serra.
Sintra do Mar! Sintra de Lord Byron,
Meu nobre camarada de Inglaterra!
Sintra dos Moiros, com os seus adarves,
E, ao longe, em frente, o Rei dos Algarves!
Ó Lisboa vermelha das toiradas!
Nadam no Ar amôres e alegrias,
Vêde os Capinhas, os gentis Espadas,
Cavaleiros, fazendo cortesias.. .
Que graça ingênua! farpas enfeitadas!
O Povo, ao Sol, cheirando às maresias !
Vêde a alegria que lhe vai nas almas!
Vêde a branca Rainha, dando palmas!
Ó suaves mulheres do meu desejo,
Com mãos tãos brancas feitas pra carícias!
Ondinas dos Galeões! Ninfas do Tejo!
Animaizinhos cheios de delícias.. .
Vosso passado quão longínquo o vejo!
Vós sois Árabes, Celtas e Fenícias!
Lisboa das Varinas e Marquesas. . .
Que bonitas que são as Portuguêsas !
Senhoras! ainda sou menino e moço,
Mas amôres não tenho nem carinhos!
Vida tão triste suportar não posso.
Vós que ides à novena, aos Inglesinhos,
Senhoras, rezai por mim um Padre-Nosso,
Nessa voz que tem beijos e é de arminhos.
Rezai por mim. . . Vereis . . . Vossos pecados
(Se acaso os tendes) vos serão perdoados.
Rezai, rezai, Senhoras, por aquêle
Que no Mundo sofreu tôdas as dores!
Ódios, traições, torturas, - que sabe êle!
Perigos de água, e ferro e fogo, horrores!
E que, hoje, aqui está, só osso e pele,
A espera que o enterrem entre as flôres . . .
Ouvi: estão os sinos a tocar.
Senhoras de Lisboa! ide rezar.


Antônio

Que noite de inverno! Que frio, que frio!
Gelou meu carvão:
Mas boto-o à lareira, tal qual pelo estio,
Faz sol de verão!
Nasci, num reino d Oiro e amôres,
A beira-mar.
Ó velha Carlota! tivesse-te ao lado,
Contavas-me histórias:
Assim. . . desenterro, do Val do Passado,
As minhas Memórias.
Sou neto de Navegadores,
Heróis, Lôbos-d água, Senhores
Da índia, d Aquém e d Além-mar!
Moreno coveiro, tocando viola,
A rir e a cantar!
Empresta, bom homem, a tua sachola,
Eu quero cavar:
E o Vento mia! e o Vento mia!
Que irá no Mar!
Erguei-vos, defuntas! da tumba que alveja
Qual Lua, a distância!
Visões enterradas no adro da Igreja
Branquinha, da Infância.
Que noite! ó minha Irmã Maria
Acende um círio à Virgem Pia,
Pelos que andam no alto Mar. . .
Lá vem a Carlota que embala uma aurora
Nos braços, e diz:
'Meu lindo Menino, que Nossa Senhora
O faça feliz!'
Ao Mundo vim, em têrça-feira
Um sino ouvia-se dobrar!
E Antônio crescendo, sãozinho
Feliz que vivia!
(E a Dor, que morava com êle no peito,
Com êle crescia. . . )
Vim a subir pela ladeira
E, numa certa têrça-feira,
Estive já pra me matar. . .
Mas foi a uma festa, vestido de anjinho,
Que fado cruel!
E a Antônio calhou-lhe levar coitadinho!
A Esponja do Fel...
Ides gelar, água das fontes
Ides gelar!
A tia Delfina, velhinha tão pura,
Dormia a meu lado
E sempre rezava por minha ventura. . .
E sou desgraçado!
Águas do rio! Águas dos montes!
Cantigas d água pelos montes,
Que sois como amas a cantar.. .
E eu ia às novenas, em tardes de Maio,
Pedir ao Senhor:
E, ouvindo êsses cantos, tremia em desmaio,
Mudava de côr!
Passam na rua os estudantes
A vadrulhar...
E a Mãe-Madrinha, do tempo da guerra
A mailos Franceses,
Quando ia ao confesso, à ermida da serra,
Levava-me, às vêzes.
Assim como êles era eu dantes!
Meus camaradas! estudantes!
Deixai o Poeta trabalhar.
Santinho como ia, santinho voltava:
Pecados? Nem um!
E a instância do padre dizia (e chorava):
'Não tenho nenhum. ..'
O Já, coberto de gangrenas,
Meu avatar!
As noites rezava, (e rezo inda agora)
Ao pé da lareira.
(A chuva gemente caía lá fora,
Fervia a chaleira. . .)
Conservo as mesmas tuas penas,
Mais tuas chagas e gangrenas,
Que não me farto de coçar!
- Que Deus se amercie das almas do Inferno!
- Amém! Oxalá...
E o moço rosnava, transido de inverno:
- Que bom lá está!
E a neve cai, como farinha,
Lá dêsse moinho a moer, no Ar.
O sino da Igreja tocava, à tardinha:
Que tristes seus dobres!
Era a hora em que eu ia provar, à cozinha,
O caldo dos Pobres. . .
O bom Moleiro, cautelinha!
Não desperdices a farinha
Que tanto custa a germinar. . .
Ó velhas criadas! na roca fiando,
Nos lentos serões:
Corujas piando, Farrusca ladrando
Com medo aos ladrões!
Andais, à neve, sem sapatos.
Vás que não tendes que calçar!

O Zé do Telhado morava, ali perto:
A triste Viúva
A nossa casa ia pedir, era certo,
Em noites de chuva. . .
Corpos ao léu, vesti meus fatos!
Pés nus! levai êsses sapatos...
Basta-me um par.
Ó feira das uvas! em tardes de calma.. .
(O tempo voou!)
Pediam-me os Pobres' esmola pela alma
Que Deus lhe levou!'
Quando eu morrer, hirto de mágoa,
Deitem-me ao Mar!
E havia-os com gôta, e havia-os herpéticos,
Mostrando a gangrena!
E mais, e ceguinhos, mas era dos éticos
Que eu tinha mais pena. . .
Irei indo de frágua em frágua,
Até que, enfim, desfeito em água,
Hei de fazer parte do Mar!
Chegou uma carta tarjada: a estampilha
Bastou-me enxergar...
Coitados daqueles que perdem a filha,
Sôbre águas do Mar!
No Panthéon, trágico, o sino
Dá meia-noite, devagar:
Ó tardes de outono, com fontes carpindo
Entre erva sedenta!
Os cravos a abrirem, a Lua aspergindo
Luar, água-benta...
É o Vítor, outra vez menino,
A compor um alexandrino,
Pelos seus dedos a contar!
Ao dar meia-noite no cuco da sala,
Batiam: 'Truz! truz!'
E o Avô que dormia, quietinho na
Entrava, Jesus!
Que olhos tristes tem meu
Vê-me a comer e põe-se a ougar:
Nas sachas de Junho, ninguém se batia
Com o nosso caseiro:
Que espanto, pudera! se da freguesia
Êle era o coveiro. . .
Sobe ao meu quarto, bom velhinho!
Que eu dou-te um copo dêste vinho
E metade do meu jantar.
Morria o mais velho dos nossos criados,
Que pena! que dó!
Pedi-lhe, tremendo, fizesse recados
À alminha da Avó...
Bairro Latino! dorme um pouco;
Faze, meu Deus, por sossegar!
Ó banzas dos rios, gemendo descantes
E fados do Mundo!
Ó águas falantes! ó rios andantes,
Com eiras no fundo!
Cala-te, Georges! estás já rouco!
Deixa-me em paz! Cala-te, louco,
Ó boulevard!
Trepava às figueiras cheiinhas de figos
Como astros no Céu:
E em baixo, aparando-os, erguiam mendigos
O rôto chapéu.. .
Boas almas, vinde ao meu seio!
Espíritos errantes no Ar!
Ó Lua encantada no fundo do poço,
Moirinha da Mágoa!
O balde descia, quimeras de Moço!
Trazia só água. . .
Sou médio: evoco-os, noite em
Vós não acreditais, eu sei-o. . .
Deixá-lo não acreditar.
meio!
Meus versos primeiros estão no adro, ainda,
Escritos na cal:
Cantavam Aquela que é a rosa mais linda
Que tem Portugal!
Se eu vos pudesse dar a vista,
Ceguinhos que ides a tactear...
A Lua é ceifeira que, às noites, ensaia
Bailados na Terra!
Luar é celeiro que, pálido, caia
Ermidas na serra. . .
Quando essa sorte me contrista!
Mas ah! mais vale não ter vista
Que um mundo dêstes ter de olhar. . .
O Conde da Lixa sabia o Horácio,
Tintim por tintim!
E dava-me, à noite, passeando em palácio,
Lição de latim.
A Morte, agora, é a minha Ama
Que bem que sabe acalentar!
E entrei para a escola, meu Deus! quem me dera
Nessa hora da Vida!
Usava uma blusa, que linda que era!
E trança comprida...
À noite, quando estou na cama:
'Nana, nana, que a tua Ama
Vem já, não tarda! foi cavar. . . '
Os outros rapazes furtavam os ninhos
Com ovos a abrir;
Mas eu mercava-lhes os bons passarinhos,
Deixava-os fugir. . .
Camões! Ó Poeta do Mar-bravo!
Vem-me ajudar...
Os Presos, às grades da triste cadeia,
Olhavam-me em face!
E eu ia à pousada do guarda da aldeia
Pedir que os soltasse. . .
Tenho o nome do teu escravo:
Em nome dêle e do Mar-bravo
Vem-me ajudar!
E quando um malvado moía a chibata
Um filho, ou assim,
Corria a seus braços, gritando: 'Não Bata!
Bata antes em mim. . . '
E o Vento geme! e o Vento geme!
Que irá no Mar!
E quando dobrava na terra algum sino
Por velho, ou donzela,
A meu Pai rogavam 'deixasse o Menino
Pegar a uma vela...'
Lôbos-d água, que ides ao leme
Tende cuidado! A lancha treme.
Orçar! orçar!
Enterros de anjinhos! O dores que trazem
Aos tristes casais!
Há doces, há vinho, senhores que fazem
Saúdes aos pais. . .
Meu velho Cão, meu grande amigo,
Por que me estás assim a olhar!
A Prima doidinha por montes andava,
A Lua, em vigília!
Olhai-me, Doutôres! Há doidos, há lava,
Na minha Família...
Quando eu choro, choras comigo
Meu velho Cão! és meu amigo. . .
Tu nunca me hás de abandonar.
E os anos correram, e os anos cresceram,
Com êles cresci:
Os sonhos que tinha, meus sonhos. . . morreram,
Só eu não morri. . .
Frades do Monte de Crestelo !
Abri-me as portas! quero entrar...
Fui vendo que as almas não eram no Mundo
Singelas e francas:
A minha, que o era, ficou num segundo
Cheiinha de brancas!
Cortai-me as barbas e o cabelo,
Vesti-me êsse hábito singelo. . .
Deixai-me entrar!
Fiquei pobrezinho, fiquei sem quimeras,
Tal qual Pedro-Sem,
Que teve fragatas, que teve galeras,
Que teve e não tem. . .
Moço Lusíada? criança!
Por que estás triste, a meditar
Vieram as rugas, nevou-me o cabelo
Qual musgo na rocha. . .
Fiquei para sempre sequinho, amarelo,
Que nem uma tocha!
Vês teu país sem esperança
Que tudo alui, à semelhança
Dos castelos que ergueste no Ar
E a velha Carlota, revendo-me agora
Tão pálido, diz:
Meu pobre Menino! que Nossa Senhora
Fêz tão infeliz. . .'








BIBLIOGRAFIA:

- COSTA, Dalila L. Pereira da, GOMES Pinharanda Introdução à Saudade. Porto, Lello & Irmão – Editores, 1976.

- GUIMARÃES, Fernando – Poética do Simbolismo em Portugal. Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1990.

-FIORIN, José Luiz e Savioli, FRANCISCO Platão. Para Entender o texto: Leitura e Redação. 3 ed. São Paulo, Edit. Ática, 1992

- ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires Filosofando – Introdução à Filosofia – São Paulo:Moderna, 1986.






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