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Ensaios-->A EPOPÉIA DO JENIPAPO -- 03/04/2005 - 14:31 (Adrião Neto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


A EPOPÉIA DO JENIPAPO


Adrião Neto


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EPÍGRAFES


No Sul, a Independência foi Te-Deum, beijão-mão, aplausos, luminárias, flores, fitas e proclamações. No Norte, sítio e trincheira, fome e peste, sangue e morticínio. Aqui, a adesão; lá, a guerra.
Afrânio Peixoto


Não há na História da Independência do Brasil uma página mais épica, mais emocionante do que a que escreveram, com sangue e bravura, aqueles homens, no dia 13 de março de 1823, nas margens do Jenipapo.
Mons. Chaves

A Batalha do Jenipapo, a despeito de sua rusticidade, da heterogeneidade, e da inferioridade material dos vencidos, é um fato singular em toda a guerra da Independência. Se por um lado ilustra seu vencedor, por outro lado honra os libertadores pelo espírito ofensivo e pela bravura que revelaram. Até certo ponto, estrategicamente, estes saíram vencedores, embora carregando o revés tático, pois conseguiram um dos seus objetivos: deter Fidié na sua marcha para Oeiras, assim preservando a vitória da revolução na capital.

Francisco Ruas Santos


Somente o grito do Ipiranga e outros gritos de independência espalhados pelo Brasil não bastaram para que o país fosse livre e uno. Isso somente foi possível com o derramamento de sangue em terras campomaiorense e à custa de muitos dos seus filhos que tombaram.

Reginaldo Gonçalves de Lima


Pelo número e ardor dos combatentes, foi este o maior e o mais renhido choque armado nas lutas da Independência e bem merece, pelas circunstâncias em que se desenrolou, ser comemorado como a batalha máxima daquele período da história nacional. / A Batalha do Pirajá, que se feriu na Bahia alguns meses antes, não ofereceu mais glórias às armas brasileiras, nem teve conseqüências mais notáveis. O transitório revés de Jenipapo converter-se-ia em vitória que firmaria para sempre a unidade do Brasil.

Odilon Nunes


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CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA



As notícias das agitações políticas, que eclodiam em vários pontos do Brasil, especialmente sobre a Revolução de Pernambuco, de 1817, visando criar uma República, compreendendo as Províncias de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, ecoavam no Piauí, passando a despertar o sentimento nativista do povo piauiense, que já começava a se conscientizar sobre a existência, em franca expansão, de um irreversível processo revolucionário em prol da Independência do Brasil.

A Revolução Constitucionalista do Porto (24-08-1820), que logo teve a adesão de Lisboa, criou a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino. E esta, por sua vez, convocou as Cortes Gerais Constituintes e Extraordinárias, com a finalidade de elaborar uma Constituição, e exigir a volta da Família Real do Brasil a fim de restabelecer a supremacia de Portugal, no Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, instituído em 1815. Além disso, as Cortes, em atenção aos princípios da Revolução, propugnavam também pelo retorno do Brasil à condição de simples colônia.

A medida alcançou enorme repercussão no Rio de Janeiro. Dom João VI, ao tempo em que apontava a irregularidade da convocação das Cortes, fraquejava, admitindo alterações ao sistema vigente. E, por Decreto de 24 de fevereiro de 1821, aderiu a Constituição a ser elaborada em Lisboa, e se comprometeu a adotá-la no Brasil.

O ato do Imperador provocou o descontentamento dos liberais, enquanto isso, inconformado com a decisão real, na madrugada do dia 26, o povo reunido na Praça do Comércio, fazendo demonstrar a sua rebeldia, protestou e exigiu a destituição do Ministério.

Os acontecimentos políticos ocorridos no outro lado do mar e a sua repercussão no Brasil forçaram o retorno de Dom João VI para a Península Ibérica.

Com a retirada do monarca e o restabelecimento do trono português em Lisboa, o Brasil ficou nas mãos do Príncipe Regente Dom Pedro, que a 07 de setembro de 1822, proclamaria a Independência.

Mas até lá, muito antes do heróico Grito do Ipiranga, o Piauí embalado pela brisa da liberdade, já manifestava a sua insatisfação com os acontecimentos políticos prejudiciais aos interesses brasileiros.

Em maio de 1821, pouco menos de dois meses depois da retirada de D. João VI para Portugal (25-03-1821), levando consigo membros da família real, cortesões, negociantes portugueses, cerca de quatro mil pessoas, o ossuário da rainha-mãe e do príncipe Pedro Carlos, bem como a considerável soma de 50 mil cruzados, deixando vazio os cofres do banco e do Erário, provocando o caos político e econômico, o escrivão da fazenda pública, deputado, pagador geral da tropa e inspetor dos Armazéns Gerais, Antônio Maria Caú, interpretando o sentimento de insatisfação do povo piauiense em relação ao sistema vigente, que contava com o apoio do governo local, tramou uma revolução, visando depor o governador Elias José Ribeiro de Carvalho e a sua imediata substituição por uma Junta Governativa, mas o movimento foi descoberto e denunciado ao governador, que por sua vez não tomou nenhuma providência contra o seu principal protagonista.

Logo após a descoberta da trama, o Governador apressou-se em jurar a Constituição Portuguesa, a ser elaborada em Lisboa.

Livre de qualquer punição, Caú continuou incitando o povo. E sem que fosse molestado, prevalecia-se das suas funções para boicotar algumas ações administrativas.

Sentindo-se ameaçado de ser deposto do cargo, o Governador reuniu um Conselho de homens ilustres para decidirem sobre a “angustiante situação”, resultando na perseguição aos conspiradores. Caú foi suspenso de suas funções, preso e remetido para Parnaíba, onde morreria pouco depois.

O Piauí como as demais Províncias que também haviam jurado a Constituição, estava umbilicalmente ligado ao Reino como parte integrante da nação portuguesa.

Em 29 de setembro de 1821, visando esvaziar o poder do Príncipe Regente e tirar o Rio de Janeiro do centro das decisões políticas do Brasil, a Corte baixou o Decreto nº 124, instituindo as Juntas Provisórias de Governo e determinando que os Governadores e Comandantes das Armas se constituiriam em órgãos desvinculados e diretamente ligados ao governo do Reino.

Com essa medida, significava dizer que as Províncias não deviam mais satisfação ao Príncipe Regente; que os assuntos civis e administrativos deveriam ser tratados, pelas Juntas Provisórias, diretamente com Lisboa, e que o mesmo deveria ser feito em relação aos
assuntos militares, pelos Governadores e Comandantes das Armas.

A medida que tinha como principal objetivo a desunificação do Brasil e o seu retorno à condição de simples colônia, propiciou o enfraquecimento da Regência e a quebra do elo de ligação entre o Rio de Janeiro com as demais Províncias, contribuindo para que elas ficassem isoladas entre si e totalmente desarticuladas.

Em 24 de outubro de 1821, em obediência ao Decreto do dia 29 do mês anterior, a Junta Eleitoral de Oeiras, elegeu uma Junta de Governo Provisório para suceder o Governador Elias José Ribeiro de Carvalho. O próprio governador foi eleito para presidir a Junta, no entanto, declinou do direito de assumir. Em seguida, houve nova eleição. A Junta de Governo Provisório teve como presidente, o Ouvidor-Geral Dr. Francisco Zuzarte Mendes Barreto e como Vice-presidente, o Brigadeiro Manoel de Sousa Martins.

Seis dias depois, o Piauí elegeu dois deputados e um substituto para as Cortes Gerais de Lisboa, sendo eleitos o poeta parnaibano Dr. Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, e o Dr. Miguel de Sousa Borges Leal Castelo Branco e como substituto, o vigário de Parnaíba, padre Domingos da Conceição.

Com a implantação do novo regime, o Piauí foi se afastando da orientação política do Príncipe Regente, passando a se portar como uma Província eminentemente lusitana, totalmente divorciada do Brasil. O governo reinol de Oeiras, não dispensava a menor atenção a Dom Pedro e só se comunicava com Lisboa, enquanto isso, o povo a par das notícias envolvendo os acontecimentos revolucionários, que o vento da liberdade soprava de outras Províncias, ia demonstrando a sua insatisfação e abraçando a idéia da causa separatista.

Enquanto isso, no início do ano de 1822, a Vila de Campo Maior insuflada pelo rábula Lourenço de Araújo Barbosa, já havia se transformado num enorme caldeirão de idéias revolucionárias em prol da Independência.

Conectado com as idéias republicanistas de 1817, o rábula pregava publicamente, semeando a semente fértil do separatismo, fazendo circular um pasquim escrito em parceria com o padre Jerônimo José Ferreira, no qual, dentre outras manifestações, além de criticar o Juiz de Fora de Parnaíba e Campo Maior, Dr. João Cândido de Deus e Silva, que havia feito uma preleção defendendo a Constituição portuguesa e o Reino, incitava o povo para imitar o exemplo dos revolucionários pernambucanos.

A atuação de Lourenço de Araújo Barbosa e do padre Jerônimo Ferreira, em prol do separatismo, empolgou o povo de Campo Maior e adjacências. Além de Campo Maior, o pasquim circulou também em Barras, Piracuruca, Parnaíba e Oeiras.

É a partir do lançamento desse boletim, que o movimento libertador começa a se manifestar às claras e se define como um movimento emancipacionista, fazendo com que Campo Maior, a exemplo dos demais centros revolucionários se dividisse entre o partido brasileiro e o partido português.

No entanto, enquanto o rábula revolucionário trabalhava pela causa emancipacionista, o Juiz de Fora de Parnaíba e Campo Maior, Dr. João Cândido de Deus e Silva, no afã de cumprir o seu papel de magistrado e de defender a sua honra, enviou um documento datado do dia 24 de janeiro de 1822, com um pasquim anexo, informando às autoridades de Oeiras as ocorrências de Campo Maior, no qual denunciava as atividades de Lourenço de Araújo Barbosa e sua “perversa doutrina”. E ao final, solicitava ao Ouvidor da Comarca, em Oeiras, para tomar as providências cabíveis.

Analisando o caso, o historiador Wilson de Andrade Brandão, afirma que, em seu relato “João Cândido, através de termos aparentemente desconexos, acumulados de propósito, quer ressaltar o mau caráter das idéias de Lourenço de Araújo Barbosa. Por isso, procura defini-las como a escória do pensamento filosófico e moral”. (9)

Seis meses depois, não tendo obtido nenhuma resposta a cerca de sua denúncia, o Juiz de Fora, oficiou novamente às autoridades de Oeiras, estranhando a falta de providências no sentido de sindicar os implicados e, demonstrando-se magoado, retirou a queixa.

A seguir, alarmada com o aparecimento de outros pasquins subversivos, em Parnaíba e Oeiras, a Junta de Governo determinou que o Juiz de Fora, Dr. João Cândido abrisse devassa para descobrir e punir os sediciosos. No entanto, aquela autoridade, magoada por não terem tomado as providências sobre o pasquim de Campo Maior, no qual fora atacado, ou por já está comungando com o pensamento dos revolucionários, “negou-se a fazer devassas alegando que perseguir os culpados, naquela hora, seria fatalmente despertar simpatias pelo Brasil, em prejuízo dos interesses portugueses”. (10)

As idéias separatistas de Lourenço de Araújo Barbosa repercutiram também na Província do Maranhão, de onde, incomodadas, as autoridades alertavam que os excessos poderiam ser perniciosos ao bem público.

Em 07 de abril de 1822, a Junta Eleitoral elegeu nova Junta de Governo Provisório, tendo como presidente, o Vigário-Geral, padre Matias Pereira de Castro e como grande perdedor, o Brigadeiro Manoel de Sousa Martins.

A Junta de Governo do Piauí, como as das demais Províncias, passaram a se constituir em instrumentos de recolonização do Brasil.

O “Fico” e as suas conseqüências imediatas, que desembocariam no Grito do Ipiranga, realçou o espírito revolucionário dos campomaiorenses.

A par dos acontecimentos ocorridos no além-mar, e prevendo que o Brasil estava fadado a se tornar uma nação independente, o governo lusitano planejou ficar com a parte Norte, recriando o antigo Estado Colonial do Maranhão, compreendido pelas províncias do Piauí, do Maranhão e do Pará.

O Piauí, por sua posição geográfica e por ser o elo de ligação entre as províncias do Norte e do Sul, despertou a atenção do governo português para o caso de uma emergência, tornando-se o ponto estratégico para a execução do plano. Por essa razão, Portugal se apressou em se fixar militarmente na Província, nomeando o Major João José da Cunha Fidié, experiente cabo-de-guerra, bravo combatente e herói das batalhas contra os invasores franceses, para o posto de Governador das Armas do Piauí – um governo paralelo, de cunho militar, de total confiança, para inibir qualquer ação do governo civil em prol da independência.

Fidié chegou a Oeiras em 08 de agosto de 1822, e no dia seguinte já estava empossado no cargo de Governador das Armas da Província. Seu biótipo fugia dos padrões europeus. Era calvo, espadaúdo, alto e magro. Tinha o rosto fino, as sobrancelhas grossas e a testa grande. As longas suíças que usava, realçavam ainda mais a sua magreza, motivo pelo qual, apesar de não se chamar de Manoel, recebeu o apelido de Mané Seco. Todavia, é possível que a alcunha jamais tenha chegado aos seus ouvidos, mas era assim que era tratado pela soldadesca quando a ele se referia.

Logo após a posse, o novo comandante militar criou novos corpos de milícia, deixando transparecer que a sua principal missão entre nós seria mesmo conservar para Portugal, o antigo Estado Colonial do Maranhão, que sempre havia se mantido fiel a Lisboa.

Apesar das denúncias do magistrado, da nomeação do Governador das Armas e do armamento (700 espingardas) e munições, enviadas para a capital, por intermédio de Simplicio Dias, antenado com o que acontecia nas outras Províncias, Lourenço Barbosa, o notável precursor, passou a fabricar pólvora e se preparar para um possível confronto armado.

Tendo tomado conhecimento dessa nova frente de ação do rábula campomairense, a Junta de Governo o intimou para interrogá-lo, em Oeiras, dando-se início a uma devassa.

Preocupado com os acontecimentos, o Comandante das Armas deslocou o destacamento de Marvão (atual Castelo do Piauí), para ocupar a Vila de Campo Maior, que insuflada pelo rábula, havia se transformado num verdadeiro caldeirão de idéias revolucionárias.

Em 25 de setembro de 1822, enquanto o Senado da Vila de Parnaíba tentava atender o ofício do Ministro e Secretário de Estado, José Bonifácio, que rogava para que se elegessem deputados à Assembléia Geral Constituinte do Brasil, um grupo de onze portugueses estabelecido naquela Vila, exigia a remoção do comandante do destacamento local, alegando que não se sentiam seguros sob o comando de autoridades brasileiras, no entanto, a Câmara teleguiada por João Cândido de Deus e Silva, não atendeu ao pedido dos lusitanos, que decidiram denunciar o Juiz de Fora, às autoridades da capital.

Enquanto Fidié tomava pé da situação política da Província e se preocupava mais com os acontecimentos de Campo Maior, para onde, por medida de segurança, havia deslocado o destacamento militar de Marvão, os revolucionários do Norte aprontaram mais uma peripécia – a 19 de outubro de 1822, quarenta e dois dias após o Grito do Ipiranga, os parnaibanos capitaneados pelo Coronel Simplício Dias da Silva, Juiz de Fora João Cândido de Deus e Silva, Capitão Domingos Dias da Silva, José Ferreira Meireles, Capitão Bernardo Antônio Saraiva, Ângelo da Costa Rosal, Bernardo de Freitas Caldas, Tenente Joaquim Timóteo de Brito, Alferes Leonardo de Carvalho Castelo Branco e pelo padre Domingos Freitas, fizeram eclodir um movimento separatista, visando a emancipação política do Piauí de Portugal e a sua adesão ao Império de Dom Pedro I.

A primeira reação contrária ao movimento do 19 de outubro, surgiu na própria Vila de São João da Parnaíba, os portugueses ali residentes, denunciaram o movimento ao governo de Oeiras e de São Luís, e conforme queixa de Simplício Dias da Silva: “seduziram e compraram quarenta e duas praças de Artilharia únicas que guarneciam esta Vila, parte dos quais eram europeus, intimidaram os incautos, e ignorantes brasileiros, e chegaram ao excesso de armarem com seus escravos”; “Bem que Comandante do Destacamento e Coronel de um Regimento de Cavalaria, de defesa nenhuma pude fazer, porque nesta Vila o número dos contrários era grande, e os soldados do meu comando se acharem dispersos pelo distrito, cuja extensão é de mais de quarenta léguas, todos indecisos e aterrados”. (11)

Em 06 de novembro, ao receber a notícia da Insurreição de Parnaíba, por comunicação feita pela Câmara de Campo Maior, as autoridades de Oeiras, dos governos civil e militar, reuniram-se às pressas, decidindo que seria necessário esmagar aquele movimento antes que ele conseguisse contaminar o resto da Província, ficando acertado que o Comandante das Armas, Major João José da Cunha Fidié, que já estava de viagem marcada, acompanhado por uma pequena escolta, para Parnaíba, onde deveria acalmar os ânimos, deveria comandar pessoalmente a reação portuguesa, marchando imediatamente com o grosso das tropas sediadas na capital, para abafar a rebelião.

Antes de sair de Oeiras para jugular os sediciosos de Parnaíba, o que somente ocorreu em 13 de novembro de 1822, Fidié, tomou todas as providências de caráter militar, solicitou mais pólvora e oficiou a todos os comandantes de milícias das regiões por onde percorreria, para que reunissem os praças armados e os colocassem à sua disposição.

Para socorrer o Comandante das Armas com dinheiro e munição, o governo provisório, fez contenção de despesas, chegando inclusive a paralisar a construção do Hospital das Milícias, e oficiou ao Maranhão pedindo apoio militar.

No momento da partida, exceto os oficiais, que seguiram à cavalo, os demais militares marchavam a pé. Os 47 cavalos conseguidos em Oeiras, se destinaram ao transporte do trem de guerra.

No percurso, os soldados indisciplinados e famintos, invadiam as fazendas. Enquanto os moradores fugiam para o mato, eles abatiam animais, saqueavam os paiós de farinha, preparavam a refeição e depois do descanso, prosseguiam a marcha levando tudo que podiam, inclusive cavalos.

Após onze dias de marcha, na manhã do dia 24 de novembro, Fidié entrou em Campo Maior, onde se demorou por treze dias. Logo ao chegar, entregou cópias de dois Decretos ao presidente da Câmara e formando as tropas no Largo da Matriz de Santo Antônio, assistiu aos vereadores darem vivas ao Rei Constitucional, Dom João VI, a toda Casa de Bragança e às Cortes de Lisboa.

Quando ainda se encontrava aquartelado na Terra dos Carnaubais, tendo ouvido boatos exagerados dando conta de que os parnaibanos estavam abrindo fossas e se entrincheirando ao redor da Vila, Fidié ficou sobressaltado e sem perda de tempo oficiou ao comandante da Vila de Caxias (MA), pedindo reforço e armamento.

Nessa mesma ocasião oficiou também à Câmara de Parnaíba e ao comandante militar da Vila, Coronel Simplício Dias da Silva, exortando-os a voltar atrás, desfazendo o que haviam feito no dia 19 de outubro. No ensejo, enviou uma proclamação aos soldados da Vila rebelada, lamentando que eles tivessem deixando se enganar pelos revoltosos e dando-lhes a oportunidade de repararem o mal, caso contrário teriam a mesma sorte dos conspiradores.

Ao tomar conhecimento da marcha de Fidié, os parnaibanos ficaram em polvorosa. Enquanto metade da população encontrava-se em pânico e a outra metade em verdadeiro estado de histeria coletiva, as autoridades aparentando uma calma inexistente, escreveram ao Comandante das Armas, que ainda se encontrava em Campo Maior.

Nos ofícios enviados pela Câmara e pelo Comandante Militar da Vila, Coronel Simplício Dias, datados do dia 27 de novembro de 1822, havia manifestação de arrependimento, pedidos de clemência e súplicas para que Fidié suspendesse a marcha sobre Parnaíba.

Dentre os argumentos da correspondência remetida pela Câmara lia-se: “Até ao presente não tem negado obediência a nenhuma das Autoridades da Província, nem tem sido alterada a boa ordem, e a tranqüilidade desta Vila, nem pretendemos defender-nos de mão armada”. E negando o feito do 19 de outubro, enfatizava: “nem se prestou, aqui, juramento algum”. (12)

O ofício do Coronel Simplício Dias, contendo praticamente o mesmo teor, acrescentava: “Observo no geral aplacado o fogo que motivou aquele procedimento e no particular muitos arrependidos”. (13)

Enquanto isso, em atenção ao pedido da Junta de Governo do Piauí, o Governo do Maranhão, enviou o Brigue de Guerra Infante Dom Miguel, para bloquear a Vila de Parnaíba, expediu reforços para Carnaubeira e Itapecuru, e ainda lançou uma proclamação estigmatizando os independentes da Vila rebelada e concitando o restante da população para resistir.

No dia 04 de dezembro, uma semana depois de ter se humilhado para Fidié, o Senado da Câmara de Parnaíba escreveu para as Câmaras das Vilas cearenses, informando que aquela Vila se encontrava ocupada por um “vazo de guerra” enviado pelo governo do Maranhão, que também havia remetido consideráveis forças por terra, para formar um corpo de reserva auxiliar das forças do Piauí. E, mostrando a sua fragilidade, implorava para que aquelas Vilas suspendessem o socorro solicitado por julgar “mais vantajoso ao bem dos Povos o restabelecimento do sossego Público abraçar uma conciliação prudente de que uma arrebatada anarquia entre irmãos”. (14)

Nesse mesmo dia, o Senado da Câmara de Parnaíba dirigiu ofício também ao Capitão Felipe José das Neves, Comandante da tropa maranhense aquartelada em Carnaubeiras, à disposição do Governador das Armas do Piauí, rogando para que ele não marchasse contra aquela “infeliz Vila, até que nela se recolha o Excelentíssimo Sr. Governador das Armas desta Província”. (15)

Firme no seu propósito de esmagar a conspiração, em 08 de dezembro, deixando a Vila de Campo Maior guarnecida pelas tropas do Coronel José Antônio da Cunha Rebelo e do Major Higino Xavier Lopes, com mais de cem praças, com cem granadeiras e duas peças de campanha, o comandante português, pôs-se em marcha para Parnaíba.

No dia 12, quatro dias depois, de saída da Terra dos Carnaubais, Fidié chegou em Piracuruca. Demorou apenas um dia, o tempo suficiente para descansar a tropa e os animais. E deixando um destacamento militar naquela Vila, seguiu para Parnaíba.

No mesmo dia em que o Comandante Militar reiniciou a marcha contra Parnaíba, enquanto os fervorosos católicos oeirenses celebravam o dia de Santa Luzia, insuflado pelo revolucionário Lourenço de Araújo Barbosa, que se encontrava na capital sob vigilância das autoridades, ou até mesmo a mando do Brigadeiro Manoel de Sousa Martins, que às escondidas tramava contra o governo civil e militar, um grupo de seis mascarados surpreendeu os guardas da Casa da Pólvora, apropriou-se de armas e munições, e os surrou de chibata.

No percurso, Fidié trocou correspondência com a Câmara de Parnaíba. E esta ao tempo em que lhe comunicava estar aprontando quartéis para o alojamento das tropas, alertava para o perigo da ocupação militar daquela Vila.

Enquanto mais a tropa do comandante português se aproximava, mais aumentava a aflição dos parnaibanos, que ao tomarem conhecimento da fuga dos principais protagonistas do 19 de outubro, começaram a debandar – o grosso da população masculina procurou esconderijo nas ilhas do delta do Parnaíba e em Amarração (atual Luís Correia), deixando as mulheres desprotegidas, a mercê dos insaciáveis soldados de Fidié.

Seis dias depois da saída da Terra dos Irmãos Dantas, após um marcha de 660 quilômetros de caminhada, a contar de Oeiras, a 18 de dezembro de 1822, Fidié entrou triunfalmente em Parnaíba, onde foi recebido com festa pelo funcionalismo público, por populares e pela tripulação do Brigue Infante Dom Miguel, que a pedido do Piauí, fora enviado pelo governo do Maranhão. E sem que fosse necessário disparar um único tiro, obrigou os parnaibanos a renovar o juramento de fidelidade ao Rei Dom João VI e à Constituição Portuguesa (16). A seguir, assistiu a um Te-Deum na Igreja Matriz de Nossa Senhora das Graças e determinou que se realizassem manifestações públicas de regozijo. E foram muitas, a começar por repiques de sinos, descargas de fuzilaria, que foram repetidas pelas bocas de fogo do brigue, foguetes, vivas à união do Brasil com Portugal e três noites de luminárias.

No dia seguinte, o Comandante português passou em revista o destacamento local, e por não confiar no Regimento de Cavalaria comandado pelo Capitão Bernardo Antônio Saraiva, o deslocou para a capital da Província. Dentre outras providências, efetuou a prisão de alguns implicados no movimento do 19 de outubro e de seus familiares.

No último trecho do seu percurso – de Piracuraca a Parnaíba –, Fidié vinda dilapidando o patrimônio dos Dias da Silva. Além de abater inúmeras rezes para alimentar a soldadesca e de saquear os paióis de cereais do magnata separatista, o governador das armas, autorizou a invasão das lojas e armazéns da Casa Grande de Parnaíba.

Salema Freire Garção que havia se antecipado a Fidié na ocupação da Vila executou uma verdadeira operação de rapinagem nas residências e demais imóveis dos separatistas. Seus soldados fizeram um verdadeiro arrastão. Roubaram várias peças de valor dos Dias da Silva, as alfaias, a ourama e as esmolas das igrejas de Nossa Senhora das Graças e de Nossa Senhora do Rosário, o cofre dos órfãos, as rendas públicas e os livros da Câmara.

Fidié e Freire Garção mandaram queimar as embarcações de Simplício Dias que se encontravam atracadas no porto, e as demais, dias depois por determinação dos dois invasores, foram postas a pique.

Os familiares do magnata parnaibano, que haviam mandado enterrar as jóias, as barras de ouro, a prataria e outros objetos de valor, sofreram constrangimentos e ameaças de degolamento por golpe de espada, e muita pressão para que revelassem o esconderijo daquela pequena fortuna.
Na capital, após a saída do Governador das Armas com o grosso das tropas, as coisas começaram a desandar para o lado dos portugueses, além da ocorrência da Casa da Pólvora, os revolucionários trabalhando em surdina, tramavam depor a Junta de Governo e a proclamação da Independência. Faziam circular pasquins subversivos, espalhavam boatos e intrigas dentro da corporação militar comandada pelo fiel substituto de Fidié, Capitão Agostinho Pires, português leal a Dom João VI e ferrenho inimigo da Independência.

A onda de boatos se espalhava rapidamente dando conta da adesão das Vilas de Crato e Iço, no Ceará e de Cabrobó, em Pernambuco, bem como de uma possível invasão comandada pelo General Labatut e por tropas do Ceará, deixou as autoridades em polvorosa.

Como medida de precaução, a Junta de Governo decidiu censurar as correspondências. E pondo esta medida em prática, apreenderam uma proclamação dirigida ao Piauí, remetida por Tapuio Independente, cujo pseudônimo foi atribuído ao Coronel José Francisco de Miranda Osório.

Por conta das intrigas e desavenças no seio da corporação, o Capitão Inácio de Araújo Costa, foi alçado ao cargo de comandante do policiamento de Oeiras, em substituição ao Capitão Agostinho Pires.

Enquanto isso, os destacamentos militares das Vilas de Marvão e de Crateús (até então pertencente ao Piauí), também se levantavam contra o regime lusitano e uma onda de intranqüilidade começava a atormentar as altas autoridades de Oeiras, a começar pelo Vigário Colado da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Vitória, padre José Joaquim Monteiro e Oliveira e pelo Ouvidor-Geral da Comarca, Dr. Francisco Zuzarte Mendes Barreto.

No final de dezembro de 1822, enquanto o padre José Joaquim Monteiro e Oliveira, fazia ardentes sermões contra os revolucionários e contra a própria Junta de Governo, que se mantinha indiferente diante das exaltações e da disseminação da discórdia na capital, o Ouvidor-Geral, Dr. Francisco Zuzarte, pedia demissão do cargo e requeria passaporte para retornar a Portugal.

Mesmo após a recomendação do Governo para que a guarnição da capital ficasse em permanente estado de prontidão, o vigário não ficou tranqüilo e em 31 de dezembro de 1822, fez uma representação à Junta Governativa, requerendo a convocação de um conselho dos principais cidadãos e homens bons para apurar a desordem e a perjura dos rebeldes, que querem mudar de rei, trocando “um mau filho” por “um bom pai”, “nosso legítimo soberano”.

Em atenção ao expediente do vigário, nas primeiras horas do dia 01 de dezembro de 1823, a Junta de Governo, expediu ofício convocando uma reunião para as 07 horas da manhã. Dentre os convidados, marcaram presença o Brigadeiro Manoel de Sousa Martins, Tenente-Coronel Joaquim de Sousa Martins, Capitão-Mor João Nepomucema Castelo Branco, Tomaz Aquino Osório e outros. Depois de lida a representação do presbítero, ali presente, deliberaram pela prisão dos principais implicados: José de Sousa Coelho Faria, José Félix Barbosa, João Batista de Freitas, Lourenço de Araújo Barbosa e do tenente Inácio Gomes Correia. Dentre eles apenas José de Sousa Coelho Faria e José Félix Barbosa de Freitas, foram presos, os demais, avisados a tempo, fugiram.

Em 11 de janeiro de 1823, quando Fidié se encontrava em Parnaíba, fazendo planos para invadir o Ceará, onde pretendia restaurar o regime português e depois se juntar ao Brigadeiro Madeira de Melo, aquartelado em Salvador, para expulsar o General Labatut, da Bahia, a Junta de Governo do Piauí recebeu correspondências do correio de Jacobina (BA).

O estafeta trazia portarias e proclamações do Governo do Rio de Janeiro e notícias do Grito do Ipiranga. Portava também um ofício do General Labatut, expedido do Quartel General do Engenho Novo, no Recôncavo Baiano, datado do dia 22 de dezembro de 1822, convidando os piauienses para aderirem à Independência.

Três dias após a chegada do estafeta da Bahia, a Junta de Governo fiel a Portugal, respondeu ao General, dizendo que o Piauí jamais trairia o Governo de Lisboa.

Em 14 de janeiro de 1823, preocupada com o General Labatut, com as tropas cearenses, que se deslocavam para o Piauí e com os acontecimentos de Oeiras, a Junta de Governo, no afã de se manter fiel a Portugal, oficiou ao Comandante das Armas, dando as notícias recém-chegadas da Bahia e solicitando o seu imediato retorno a fim de inibir os ânimos e de proteger a capital da Província contra eventuais ataques.

Nessa mesma data, avaliando os riscos, a Junta Governativa, expediu ofícios aos governos civil e militar do Maranhão, a Dom João VI e ao Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Guerra, Cândido José Xavier, em Lisboa, pedindo soldados, armas e munições para se defender e garantir a posse do Piauí para Portugal.

Apesar de ter sido o dedo-duro, que denunciou a conspiração do deputado Antônio Maria Caú – seu desafeto – com quem media poder e prestígio, e de ter se mantido ao lado do governo lusitano, mesmo depois do movimento separatista de Parnaíba, o Brigadeiro Manoel de Sousa Martins, ainda ressentido por ter sido derrotado na eleição de 07 de abril do ano anterior, para a presidência da Junta Governativa, passou a conspirar contra o sistema vigente, aliando-se aos separatistas.

Em 23 de janeiro de 1823, enquanto Sousa Martins e seus comandados tramavam o golpe militar e de governo, o Alferes Leonardo de Carvalho Castelo Branco, foi o primeiro, dentre os refugiados no Ceará, a retornar ao Piauí e o faz na condição de comandante de um contingente de centenas de homens, sendo também o primeiro a reagir “militarmente” contra as forças legais. Rendeu todo o destacamento de Piracuruca, fiel a Portugal, ali deixado por Fidié, proclamou a Independência daquela Vila e a seguir marchou para Campo Maior.

Depois de um meticuloso planejamento, na madrugada do dia 24 de janeiro de 1823, aproveitando-se da ausência de Fidié e do grosso da tropa, o brigadeiro Manoel de Sousa Martins, auxiliado por seu irmão, tenente-coronel Joaquim de Sousa Martins e pelos oficiais Inácio Francisco de Araújo Costa, Raimundo de Sousa Martins, José de Sousa Martins, Manoel Clementino de Sousa Martins, José Martins de Sousa, Manoel Pinheiro de Mirando Osório, Miguel de Araújo Costa, Bernardo Antônio Saraiva e Honório José de Moraes Rego, apoiados no Primeiro Regimento de Cavalaria Auxiliar e no Segundo Regimento de Cavalaria de Milícias, assaltam o Quartel do Batalhão de Primeira Linha, fiel a Fidié, prendem os oficiais portugueses, sitiaram a residência do então Presidente da Junta de Governo, e ocupam a Casa da Pólvora.

Ainda pela manhã, os irmãos Sousa Martins, à frente da tropa formada, solenizam a adesão de Oeiras ao movimento emancipacionista, o que logo depois foi oficializado através de reunião do Senado da Câmara, que também elegeu a nova Junta Provisória de Governo, tendo como presidente o Brigadeiro Manoel de Sousa Martins.

No dia seguinte, o novo Governo despachou portadores para as Vilas de Valença, Jerumenha, Parnaguá, Parnaíba, Marvão e Campo Maior, com determinação para que, o quanto antes as respectivas Câmaras daquelas Vilas proclamassem a adesão do Piauí à Independência.

Ainda no dia 25, o novo governo expediu ofício ao Governador das Armas, Major João José da Cunha Fidié, que no momento ainda se encontrava aquartelado em Parnaíba, comunicando-lhe os acontecimentos de Oeiras e determinando-lhe para que fizesse a entrega do comando ao Capitão Manoel Pimenta de Sampaio, e que se retirasse do Piauí, evitando-se assim derramamento de sangue e fazendo com que a paz e o sossego voltassem a reinar na Província.

Na mesma data, o novo mandatário, enviou ofício ao Governo do Maranhão, comunicando o sucesso de Oeiras e rogando-lhe para que guardasse neutralidade e não concorresse direto ou indiretamente para sufocar a vontade do povo piauiense. Manifestou o desejo de continuar mantendo relações amigáveis e comerciais com aquela Província. E continuando, advertiu: se o Maranhão servisse de instrumento para o derramamento de sangue dos piauienses, não hesitaria em interromper as relações e proibir as exportações de gado para o seu território, e ainda informou que em caso de ataque o Piauí estava preparado para se defender.

Os soldados deixados na Terra dos Carnaubais, pelo Comandante lusitano, ao tomarem conhecimento da marcha de Leonardo, e do contingente de 130 combatentes comandado pelo Capitão Luís Rodrigues Chaves, que se encontrava em Matões (atual Pedro II), vindo da Vila Nova de El-Rei, levantaram-se em protestos, impondo a evacuação da Vila, caso contrário, desertariam.

No dia 26 de janeiro, o Coronel José Antônio da Cunha Rebelo, percebendo que começava a perder o controle da situação, foi o primeiro a se retirar para a Vila do Poti. No dia 01 de fevereiro, o major Higino Xavier Lopes, pressionado pelos seus comandados, que começaram a desertar de suas fileiras e passar para o lado da tropa brasileira, acompanhado por um pequeno grupo de militares, seguiu o mesmo rumo do seu colega, levando armas e munições.

Contando com a simpatia dos moradores da Vila, a 05 de fevereiro, Leonardo entrou triunfalmente em Campo Maior, onde no mesmo dia Proclamou a Independência, aclamou Dom Pedro I como Imperador do Brasil. Em seguida, assistiu um Te-Deum na Igreja Matiz de Santo Antônio, e efetuou algumas prisões, inclusive do padre João Manoel de Almeida e de outros portugueses.

Dia 06, a Câmara da Vila de Campo Maior oficiou à sua congênere de Caxias e ao comandante militar daquela Vila comunicando o fato, e pedindo sua adesão e o apoio dos militares. Em seguida, Leonardo, sem aguardar a resposta, deixou a Vila guarnecida e se estabeleceu com alguns soldados na fazenda Melancias, na margem do Parnaíba, de onde pretendia conquistar os maranhenses e proclamar a independência na Vila de São Bernardo. Apesar de experiente, caiu numa cilada – o comandante militar de Repartição, Coronel José Antônio Correa, dizendo-se simpatizante da causa separatista, o convidou para um encontro. Confiante de que havia conquistado mais uma adesão, Leonardo atravessou o rio, com apenas dois soldados, e logo ao colocar os pés em terras maranhenses, foi preso e enviado para São Luís.

No dia 07 de fevereiro, o Capitão Luís Rodrigues Chaves proclamara a Independência em Matões, aclamando Dom Pedro como Imperador do Brasil e continuando a sua marcha, cinco dias depois entrou em Campo Maior, sendo, portanto, o primeiro dos comandantes cearenses a pisar na Terra dos Carnaubais.

No dia 28 de fevereiro de 1823, ao tomar conhecimento das ocorrências de Campo Maior e de Oeiras, Fidié tinha a opção de embarcar no Brigue Infante Dom Miguel com destino a São Luís, onde ficaria em segurança e da lá poderia seguir para Lisboa, mas na qualidade de um veterano de guerra, experimentado em inúmeros combates, preferiu marchar contra os separatistas, colocando acima de tudo o patriotismo e o seu dever de defender os interesses de Portugal.

E agindo assim, em 01 de março, contando com o reforço dos soldados maranhenses de São Bernardo e de Carnaubeiras, passou a tropa em revista e começou a fazer o caminho de volta para restabelecer a ordem e forçar os independentes a se submeterem à Constituição portuguesa e a Dom João VI.

Quando o comandante da Divisão Cearense, Capitão José Francisco de Sousa, aquartelado em Piracuruca, ficou sabendo da aproximação de Fidié, reuniu os seus oficiais para uma tomada de posição, e fingindo-se de doente, anoiteceu e não amanheceu. Foi o primeiro a fugir. A partir daí começou a debandada. Pouco tempo depois não restava mais nenhum dos componentes daquele contingente constituído por cerca de mil cearenses. Com exceção de alguns que foram para Campo Maior, os demais, após saquearem a Vila, fugiram para a Serra Grande. Essas e outras atitudes dos soldados cearenses levaram o historiador Odilon Nunes a afirmar: “Das forças do Ceará vindas em auxílio do Piauí, a maior parte era de soldados bisonhos, indisciplinados e desarmados que fugiam ao primeiro contato com o inimigo”. (17)

Em 10 de março, três dias antes da Batalha do Jenipapo, um pelotão avançado de Fidié, constituído de 80 cavaleiros comandado por dois oficiais, encarregados de fazer o reconhecimento das imediações da Vila de Piracuruca, encontrou, por mero acaso, um contingente de 60 cearenses, montados e bem armados, já em retirada, nas cercanias da Lagoa do Jacaré, tendo como comandante o militar José Francisco de Sousa. Travou-se então uma rápida escaramuça, terminando com insignificante baixa para ambos os lados e a fuga dos soldados de Fidié.

Nessa ocasião Campo Maior já havia se tornado no principal centro militar dos revolucionários. Enquanto o Capitão Luís Rodrigues Chaves, arregimentava a população da Vila, o Capitão João da Costa Alecrim, cuidavam de reunir as forças dispersas, no distrito de Estanhado (atual cidade de União) – local onde também se estabeleceu o Alferes Salvador Cardoso de Oliveira e Pedro Francisco Martins, com um contingente de seguidores, vindos do Maranhão, para abraçar a causa separatista.


A PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES

Diante do chamamento para libertar o Brasil dos grilhões de Portugal, as mulheres campomaiorenses tiveram participação decisiva, incentivando os maridos, os filhos e os irmãos para a guerra. E para que levassem armas e munições chegaram até a vender as suas jóias.

A BATALHA


No dia 12, de posse da informação de que Fidié estava se aproximando da Vila de Campo Maior, o Capitão Luís Rodrigues Chaves, convocou Alecrim, Salvador Cardoso e Pedro Francisco, com todos os separatistas reunidos em Estanhado.

Nesse mesmo dia adentraram em Campo Maior as tropas do Capitão Alexandre Nery Pereira Nereu, oriunda do Ceará e a do Capitão Manoel Chaves, proveniente de Marvão, composta por soldados do Piauí e do Ceará.

Os separatistas de Estanhado, constituídos por piauienses e maranhenses, marcharam das 16 horas do dia 12 até o amanhecer do dia seguinte, mesmo assim chegaram dispostos para a luta.

Naquela noite do dia 12 de março, ninguém conseguir pregar os olhos, tal era a ansiedade, o entusiasmo e a fascinação da guerra.

Ao raiar do dia 13 as tropas independentes, cerca de dois mil combatentes, compostas por mais de mil piauienses de todas as classes sociais, especialmente de vaqueiros e roceiros, alguns maranhenses e o restante de cearenses, sob o comando geral do Capitão Luís Rodrigues Chaves, perfiladas em frente da Igreja Matriz de Santo Antônio do Surubim, comandadas pelo som marcial de uma corneta, marcharam para as margens do rio Jenipapo, onde a tropa do Comandante das Armas, teria de atravessar.

Os independentes armados precariamente com espingardas, foices, machados, espadas, facas, facões, tridentes, chuços, ferrões de vaqueiros, patachos, arcos e flechas, e até mesmo de cacetes, se entrincheiraram nas margens do rio Jenipapo, a 12 quilômetros da Vila de Campo Maior.

Dentre outros, a tropa independente contava com a participação do Capitão Luís Rodrigues Chaves, Capitão João da Costa Alecrim, Tenente Simplício José da Silva, Capitão Alexandre Nery Pereira Nereu, Capitão José Francisco de Mirando Osório, Capitão Francisco Inácio da Costa, Alferes Salvador Cardoso de Oliveira, Pedro Francisco Martins, José Marques Freire, João Rabelo Cardoso, Raimundo Pereira da Silva, Luís de Sousa Fortes Bustamante Sá e Menezes e muitos outros, incluindo-se entre o listados, além dos militares, o nome do juiz, dos vereadores e de funcionários municipais da Vila. Como se percebe, ninguém hesitou - todos pegaram em armas para rechaçar o exército do comandante português.

O exército de Fidié, composto por 1100 soldados profissionais e preparados para a guerra, tinha pelotão de cavalaria e estava bem armado com carabinas, espadas, punhais e onze peças de artilharia.

Apesar da prolongada ausência de chuva, que contribuiu para que o leito do rio ficasse praticamente seco, ao derredor de suas margens e em alguns locais ao longo daquela imensa campina, além das verdejantes carnaubeiras – palmeiras típicas da região – havia algumas moitas de mofumbo, touceiras de maria-mole, capões de matos cobertos de melão-de-são-caetano e outros arbustos, que além das ribanceiras foram usados como trincheiras.

Um pouco após o rio, a estrada bifurcava-se. Fidié poderia acessar por qualquer uma das vias. Pensando assim, enquanto deixavam grande parte dos independentes à espera das forças do comandante português, Chaves acompanhado por considerável número de separatistas seguiu pela esquerda, e Alecrim, com outro tanto, foi pela direita.

Por volta das nove horas da manhã, a tropa de Alecrim se defrontou com a cavalaria de Fidié. Deu-se então a primeira refrega. A tropa independente trocou tiros rechaçando e fazendo a cavalaria inimiga a retroceder.

Os separatistas, estrategicamente entrincheirados, achando que a guerra já havia começado, abandonaram as suas posições, partindo em socorro de Alecrim. No entanto, a cavalaria havia sumido, enquanto isso, o experiente comandante português, que vinha com o grosso da tropa pela estrada oposta, atravessou o leito do rio e alojando o seu exército em posição vantajosa, ficou a espera dos opositores.

Chaves e Alecrim uniram as forças e partiram para o confronto. Os independentes, muitos dos quais praticamente desarmados, movidos apenas por grande valentia e por extraordinária impetuosidade, numa incrível sucessão de combates, tentaram envolver as tropas portuguesas por todos os lados.

Após cinco horas de uma luta desigual, os independentes cederam diante da superioridade das armas e da disciplina dos soldados legalistas.

As tropas independentes contabilizaram, de imediato, a perda de mais de 200 homens, entre mortos e feridos e 542 prisioneiros. Os portugueses computaram apenas 19 mortos e 63 feridos. No entanto, há quem afirme que os óbitos, de ambos os lados, contando com as vítimas que não resistiram aos ferimentos, passaram dos 400.

Na debandada, os soldados do Capitão Alexandre Nery Pereira Nereu, roubaram a bagagem e a munição de Fidié, causando enormes e graves prejuízos ao exército português, que após a luta se alojou na fazenda Tombador, nos arredores da Vila de Campo Maior, de onde depois de recuperar as energias gastas durante o combate, se retirou para Estanhado, atual município de União. E de lá, depois de sofrer algumas emboscadas comandadas pelo valoroso Tenente campomaiorense Simplício José da Silva, que lhe impôs inúmeras baixas, incluindo dezenas de mortos e feridos, bem como a tomada de munição e o resgate de mais de cem animais, especialmente de bois e cavalos, roubados das fazendas da região, o comandante português em busca de um lugar mais seguro e estratégico, seguiu para Aldeias Altas (Caxias), no Estado do Maranhão, onde se entrincheirou no morro das Tabocas, atual Alecrim.

Mesmo após o revés da Batalha do Jenipapo, as tropas independentes, comandadas pelo Coronel José Pereira Filgueiras, seguiram em perseguição, sitiaram os portugueses, fazendo um cerco inexpugnável. E depois de três meses e meio, vencidos pela sede e pela fome, os lusos capitularam. Fidié foi preso, levado para Oeiras e de lá enviado para o Rio de Janeiro, onde foi libertado e retornou para Portugal.


LAMENTO


Não obstante a Batalha do Jenipapo ter sido a mais sangrenta de todas as lutas em prol da nossa Independência, tendo sido também o fato marcante que a consolidou, constituindo-se numa das mais brilhantes páginas da História do Brasil, escrita com o sangue dos piauienses, maranhenses e cearenses, e especialmente dos vaqueiros e roceiros da região de Campo Maior, a historiografia oficial veiculada nos compêndios escolares, infelizmente não divulga esta heróica epopéia, de elevado valor histórico, que, sem dúvida, foi a mais notável de todas as batalhas travadas em solo nacional em favor da emancipação política do Brasil.




O RESGATE DA MEMÓRIA

OBELISCO

Para resgatar a memória da mais sangrenta de todas as batalhas em prol da consolidação da Independência Política do Brasil e, especialmente dos heróis anônimos constituídos em sua grande maioria por vaqueiros e roceiros da região de Campo Maior, que lutaram heroicamente sob o comando dos bravos e destemidos guerreiros Luís Rodrigues Chaves, João da Costa Alecrim, Francisco Inácio da Costa, Salvador Cardoso de Oliveira, Alexandre Nery Pereira Nereu, Pedro Francisco Martins e Simplício José da Silva, em 1923, por ocasião do centenário da batalha, o prefeito municipal de Campo Maior, Luís Rodrigues de Miranda (Major Lula), mandou construir um rústico obelisco e delinear com pedras as sepulturas dos combatentes que tombaram pelo ideal de independência e de liberdade.


MONUMENTO AOS HERÓIS DO JENIPAPO

Como uma grande demonstração de reconhecimento pela elevada importância e inestimável valor histórico que a Batalha do Jenipapo representou para a consolidação da Independência Política do País, em 13 de novembro de 1974, o então governador Alberto Silva inaugurou um magnífico monumento, em concreto armado, para homenagear e cultuar a batalha e os seus heróis, que escreveram com sangue uma das mais brilhantes páginas da História do Brasil.


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