Eu, que abomino o confessionalismo, vou hoje falar um pouco de minha vida familiar.
Queria apenas dizer que meu pai me chamava de Penfield -- ele um advogado que idolatrava o jurista Thomas Penfield Jackson, que depois se tornou peça fundamental no processo anti-monopólio da Microsoft. Minha mãe, que chamava meu pai de pelo primeiro nome, no dia a dia chamava a mim de Espinosa. O Penfield era reservado para os momentos em que vinha alguma reprimenda.
Mamãe não era americanizada -- tinha cultura francesa; franco-baiana, eu me orgulho de dizer -- e gostava do sobrenome Espinosa. O filósofo e coisa e tal.
Mamãe não havia estudado filosofia; no tempo dela, na província da Bahia de São Salvador não eram tão bem vistas as moças que tinham o curso superior. Mas seu colegial foi muito bom -- chamava-se 'clássico' -- e ela realmente sabia quem havia sido o filósofo Espinosa.
Meu pai, tão franco-baiano quanto mamãe, via os americanos como sinônimo de progresso, de energia e de honradez.
Pouco sei de Marx -- minha geração foi das primeiras a sair de seu domínio --, mas não duvido que papai pensasse na cultura francesa como representante (ou pelo menos conivente) com a sociedade agrária, atrasada, feudal, de nossa Bahia. E pensasse nos americanos como os progressistas burgueses que iriam revolucionar a sociedade baiana e libertar seus proletários e camponeses.
Papai era dos poucos baianos de hoje e ontem que não gostava de Jorjamado: 'mau escritor, bom publicista, primeiro estalinista, depois carlista', estas eram as frases que ele dizia quando algum de nós louvava Jorge Amado. Aliás, 'Jorjamado' era como Glauber Rocha grafava o nome do famoso escritor baiano, criador de uma certa bahianidad.
Bem, é isso: chega de confessionalismo. Sou baiano, mas não narcisista.
Abraço a todas as memórias, a todos amigos antigos que já não vejo, e a todos novos amigos que ainda não vi.