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Ensaios-->UM COMENTÁRIO SOBRE O POEMA "AUTOPSICOGRAFIA" DE PESSOA -- 08/06/2005 - 00:57 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A POESIA É ESSENCIALMENTE UM ATO DE FICÇÃO
Um comentário ao Poema “Autopsicografia” de Fernando Pessoa

João Ferreira
8 de junho de 2005


I- O Título
Este poema de Fernando Pessoa é citadíssimo e lembradíssimo, mas nem sempre as pessoas param um pouco para analisá-lo em maior profundidade. É datado de 1 de abril de 1931 e, coincidência ou não, o dia primeiro de abril, que é o dia da composição, leva-nos de alguma maneira a pensar se o Poeta escondeu alguma intenção ao publicar esses versos com a data de 1 de abril, dia dos enganos. Não é proibido nem para o leitor nem para crítico especular sobre a relação entre a data de composição e a matéria veiculada pelo próprio poema, que é centrada sobre a ficção.
O título de “Autopsicografia” é certamente uma alusão à intencionalidade poética de Fernando Pessoa que quis nos dizer que a matéria deste poema era, no fim de contas, uma escrita que brotava de uma psique que a si própria se descobria e revelava, neste momento, e para a qual o ato da escrita era um resultado desse auto-comando psíquico.

II – Estrutura do poema

O poema está dividido em três quadras, escritas em redondilha maior ou versos de sete sílabas, rimadas, com rimas variadas, em abab/cdcd/efef, rimas ora ricas ora pobres, e nas quais para obtê-las se associam adjetivo com substantivo, verbo com verbo, verbo com advérbio, e substantivo com substantivo.

III- A ficção poética

Porém, a força principal deste poema está na temática, ou seja, na premissa maior de que 'a poesia é mera ficção'.Isso fica bem claro logo na primeira quadra: “O poeta é um fingidor/Finge tão completamente/Que chega a fingir que é dor/A dor que deveras sente”. Fernando Pessoa declara sem rodeios que o trabalho do poeta é simplesmente um trabalho de ficção. Ao nos dizer que “O poeta é um fingidor”, nossa reação é nos mobilizarmos para entender o sentido desta ficção. Quando se fala que o poeta é um fingidor não é a semântica sincrônica atual que está valendo. Esta vê o fingidor contemporâneo como o indivíduo falso, mascarado, ao qual falta ética e compromisso pessoal. Não , não é esse o sentido de fingidor que passa pelo poema. No texto de Fernando Pessoa será a pura etimologia que bebe nas raízes das palavras que irá nos dar o horizonte hermenêutico de que precisamos. Fingidor vem de fictor. E fictor vem de fingo, fingir, fazer de conta, comportar-se nos balanços da fantasia. Há a palavra ficção que aplicamos à literatura. Ficção(fictio, em latim) significa o movimento da imaginação criadora, como no diria Henri Bérgson, contemporâneo de Pessoa. Poeta fingidor é o poeta que produz seus poemas recorrendo ao poder da imaginação e da fantasia. Quando se diz ficção, portanto, em literatura, estamos nos referindo aos recursos que o poeta faz de sua fantasia para levar a cabo sua escrita poética. Compor poesia, é arrolar as palavras, organizá-las dentro de um sentido ficcional. O Mundo criado pelo poeta é por isso um mundo faz-de-conta. É esta a melhor maneira de entender a ficção deste poema. Como dizem os latinistas, “Fictio fingit vera esse quae vera non sunt”: “A ficção finge serem verdadeiras as coisas que não são”. Tudo isto faz sentido entre o texto de Pessoa e a interpretação que estamos dando, partindo exatamente do princípio de que a especificidade da literatura consiste em ordenar o discurso mimético pelos horizontes do imaginário. Nesse sentido, a poesia de Fernando Pessoa, que se integra na qualidade de um texto que é especificamente literário, deve ser interpretada como um produto gerado pelo imaginário que dá especificidade à literatura.

3- Ficção e realidade

Apesar de o trabalho do poeta ser essencialmente ficcional, de faz-de-conta, há uma relação imanente entre a ficção e a realidade: “O Poeta é um fingidor/Finge tão completamente/Que chega a fingir que é dor/A dor que deveres sente”. A ficção do poeta é tão real e tão profunda que a própria realidade crua e dolorosa que atormenta os homens, como a dor, é instrumentalizada para entrar no texto de ficção, como se ficção fosse.

4-O leitor de texto de ficção

Um outro aspecto importante a ponderar na análise deste poema é a parte que cabe ao leitor. Dentro do clima da poesia como ficção e do poeta como fingidor ou como ator que articula a ficção, Fernando Pessoa dá ao leitor uma nova dimensão dentro do nível da ficção poética, exatamente ao falar da dor, na segunda quadra. Significa que o leitor que se aplica à leitura é uma vítima da própria leitura de tal modo que por vezes transforma em ficção as próprias dores da vida real e entra na faixa da ficção.

5- A intrínseca relação entre razão e coração

Na última quadra, o Poeta traça a relação entre razão e coração. Como se fosse uma faina vital e quotidiana, o coração é citado como “comboio de corda”, que gira “nas calhas de roda” a entreter a razão. De alguma maneira um predomínio do coração sobre a razão, como se fosse um destino.

João Ferreira
08 de junho de 2005
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