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Ensaios-->O VANGUARDISMO PRÉ-MARINETTIANO DE GUILHERME DE AZEVEDO -- 10/06/2005 - 22:52 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O VANGUARDISMO PRÉ-MARINETTIANO DE GUILHERME DE AZEVEDO
João Ferreira


Capítulo extraído do livro de João Ferreira 'A Questão do Pré-Modernismo na Literatura Portuguesa'. Brasília: Centro de Estudos Portugueses/UnB, 1996.


Dentre os precursores do modernismo português conta-se o poeta Guilherme de Azevedo, autor de 'Alma Nova'(1874), um livro de poemas integrado no gênero da 'literatura revolucionária na perspectiva dada por Antero de Quental em 'Nota sobre a missão revolucionária da poesia'. Neste livro, perpassa uma crítica sagaz à sociedade dissoluta européia em moda na década de 187O em Portugal. Aí se fala de 'cousas ideais'e de 'cousas dissolventes'. Os 'sonhos dissolventes'são ironizados e com eles, a decadência da sociedade e o mundo a desabar. Segundo Jacinto do Prado Coelho, o Autor procura dar a nota da modernidade ao evocar a atmosfera citadina, focando de preferêncioa os aspectos sombrios e torpes, o contraste entre o luxo e a miséria, a 'turba folgazã' e as 'legiões famintas'. O tom poético de 'A Alma Nova'é indicador de um programa de renovação literária. Sua crítica dirige-se a uma sociedade decadente, tediosa, entretida em futilidades:

'Rufa ao longe um tambor!Dir-se-ia ser o arranco
Dum mundo que desaba; aí vai tudo em tropel!
Vão ver passar na rua um velho saltimbanco
E uma fera que dança atada a um cordel'(1).

No poema 'Flor da moda', a figura de Alice, desolada e triste, apegada às 'cousas dissolventes' retrata primorosamente o padecimento de um mal que é o tédio - 'moderna criação da santa decadência'(2).
Mas a grande novidade que mostra o talento e a antecipação criativa de Guilherme de Azevedo no campo da estética é o soneto XII, 'Oh máquinas febris'.
Trata-se de um soneto singular que oferece muita inovação na literatura pré-modernista e na história literária portuguesa antes de 'Orpheu', merecendo ser lembrado como marco de transformação temática e de prática estética da nova poesia portuguesa, modernista e futurista 'avant la lettre'. Eis o texto, na edição de 1874:

'Ó máquinas febris Eu sinto a cada passo
Nos silvos que soltais, aquele canto imenso
Que a nova geração nos lábios traz suspenso
Como a estância viril duma epopeia de aço .

Enquanto o velho mundo arfando de cansaço
Prostrado cai na luta; em fumo negro e denso
Levanta-se a espiral desse moderno incenso
Que ofusca os deuses vãos, anuviando o espaço.

Vós sois as criações fulgentes, fabulosas
Que vibrantes, crueis, de lavas sequiosas,
Mordeis o pedestal da velha Majestade.

E as grandes combustões que sempre vos consomem
Começam num cadinho, a refundir o homem
Fazendo ressurgir mais larga a Humanidade.'(2)

Através de uma análise imanente chega-se à conclusão que se trata de um soneto que associa o progresso mecânico e industrial à poesia, introduzindo na poesia portuguesa, uma temática que só vai ser tratada por Walt Whitman, e futuramente em 19O9, por Marinetti, pelos futuristas e pelos modernistas.
Podemos buscar alguns ângulos por onde analisar a modernidade de Guilherme de Azevedo em seu soneto 'Ó máquinas febris'.
O primeiro seria aproximá-lo comparativamente com o texto do Manifesto do Futurismo de Marinetti, publicado em Le Figaro em 2O de fevereiro de 19O9, onde a proclamação contida no manifesto rejeita o tédio(3). A análise textual paralela do poema Flor da Moda de Guilherme de Azevedo nos antecipa essa rejeição do tédio. O manifesto de Marinetti exalta o movimento, as usinas 'suspensas nas nuvens pelos barbantes de suas fumaças'(4). Guilherme de Azevedo exalta as máquinas febris e seus silvos, interpretando-as como um 'canto imenso' aceito e reconhecido pelas novas gerações portuguesas que vêem nelas a 'epopeia de aço'. O poeta vê nas máquinas 'criações fulgentes, fabulosas, que vibrantes, crueis, de lavas sequiosas, mordem o pedestal da velha civilização(5).
Entre Guilherme de Azevedo e Marinetti, autor do manifesto que oficializa a poetização da civilização industrial, há pois uma relação - a relação de um dos precursores mais antigos do teorizador poético italiano. Por outro lado, ainda na linha das antecipações, devemos dizer que também Guilherme de Azevedo entra na linha do 'espírito novo'de G. Apollinaire, avant la lettre. Lendo o manifesto 'O Espirito Novo e os Poetas', Apollinaire apresenta-nos algumas coordenadas estéticas do movimento do 'espirito novo'já presentes na poesia de Guilherme de Azevedo. Quando ele diz que o espírito novo é 'exaltar a vida sob qualquer forma em que ela se apresente'(6), dá chances a G. de Azevedo de ser interpretado como um espiritonovista avant la lettre; quando o mesmo autor afirma que 'o espirito novo consiste na surpresa' e que a 'surpresa, o inesperado é um dos principais mecanismos da poesia de hoje', dá-nos a chance de apresentar Guilherme de Azevedo como um poeta que tem a preocupação da contemporaneidade, e que escolhe surpreendentemente temáticas novas que mostram sua condição de precursor. E quando Apollinaire defende que 'o espirito novo é o próprio tempo em que vivemos'(7) e pergunta: 'Podemos forçar a poesia a se isolar fora daquilo que a envolve?', está abrindo a perspectiva hermenêutica de trazermos para tela um poeta que soube interpretar seu tempo em suas vivências e manifestações mais famosas, incluindo eventos mecânicos e realidades fabris, dando cabal prova de capacidade de observação e competente elaboração poética.
O mérito de Guilherme de Azevedo, à luz dos preceitos de Apollinaire, teria sido a de ter dirigido o canto poético para aquilo que a realidade social, econômica e industrial de seu tempo ofereciam. O poeta captou essa realidade e soube dar-lhe o tom literário e estético, com inspiração própria. Acresce ainda dizer que Guilherme de Azevedo adivinhou por conta própria a significação poética da civilização industrial, direcionando intuitivamente a produção poética para essa realidade. Quando Fernando Pessoa edita a Ode Triunfal, já está imbuído de vanguardas, tem a seu dispor o cubismo de Picasso e de Apollinaire, dispõe do manifesto de Marinetti, e do clima de poetização voltado para a velocidade, para o automóvel, para as massas e para a civilização industrial. Guilherme de Azevedo dispunha apenas, em seu tempo, da realidade social e industrial nova que observou com originalidade e soube produzir, através dela, uma peça poética que passou a ser marcante na trajetória da intertextualidade entre estilos de época.
A grande idéia deste soneto, habilidosamente elaborado em imagens binárias opondo o 'velho mundo'e o 'mundo novo', está em mostrar, constrastivamente, duas epopeias de civilização, ou seja, a civilização antiga, clássica, e a nova, inclinada a abrir sua sensibilidade a favor do Homem. Em 'Tendências Novas da Poesia contemporânea a propósito das Radiações da noite do sr. Guilherme de Azvedo'(8), Antero de Quental, analisando a poesia de seu tempo, registra um decréscimo gradual do canto poético no século XIX, nesse tempo voltado para uma arte com uma missão essencialmente 'positiva, social e racional'(9). Segundo análise de Antero, 'a idea poetica acha-se confusa, embaraçada no meio de factos sociaes, que se não definem claramente: as fontes de inspiração correm escassas ou turvas. A antiga nascente, tão querida e conhecida, está quase secca: a nova, já por ser nova, e depois por que só deixa rebentar, em cachões, uma agua turbida, cheia de elementos estranhos, qassusta os que a ella se chegam pela primeira vez: os mais ousados inclinam-se um momento, tomam a medo um golle da bebida suspeita e retiram-se furtivamente como se acabassem de fazer uma acção má. E todavia, é alli que é necessario beber, porque é alli, naquellas aguas rumorosas e confusas, que se conteem os elementos da inspiração real, os principios vitaes de que se nutre a sociedade [...]. O problema da evolução poetica na actualidade encerra-se todo nisto.'(1O)
Por esta exposição de Antero, pode deduzir-se que o líder da dissidência de Coimbra aprovava que Guilherme de Azevedo tivesse optado pelas novas fontes de inspiração poética, bebendo em águas rumorosas e confusas', por serem estas as que na verdade contêm os elementos da inspiração real e os princípios vitais de que se nutre a sociedade. Com esta exposição, Antero sacramentava as iniciativas de Guilherme de Azevedo. Continuando sua exposição, o autor de Odes Modernas pergunta frontalmente se a atmosfera industrial, as lutas sociais e a ciência favorecem o culto da poesia e se esta sociedade e este 'mundo rebelde a toda a idealidade'proporciona a criatividade poética nos moldes em que esta se desenvolve. Antero responde que sim, dizendo que 'a alma moderna, na sua titânica aspiração de verdade e de justiça, é poética, poética essencialmente, daquela poesia forte e audaciosa dos mitos de Prometeu e Ajax; que há uma fonte abundante de inspiração nesta luta histórica das nações, de classes e de ideias, que é a epopeia e a tragédia viva do nosso tempo'(11). Na opinião de Antero, a idéia dessa 'poesia nova'não apenas existe, mas deve ser superior à ideia poética dos tempos anteriores, porque corresponde a um periodo mais adiantado da consciência humana'(12).
Incarnando o espírito revolucionário de seu tempo, sendo poeta precursor do futurismo e corajoso vate que tem capacidade de beber nos elementos de inspiração real oferecidos pela sociedade finissecular e decadente dos últimos trinta anos do século XIX, Guilherme de Azevedo oferece um dos capitulos mais interessantes para estudo especializado dos criticos audazes que queiram pesquisar a inovação literária antes de Orpheu.

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NOTAS

(1) AZEVEDO, Guilherme d - A Alma Nova, Lisboa, Typ. Sousa e Filho, 1874, p.17.
(2) IDEM, Ib., pp.69-7O. Atualizamos a ortografia.
(3) MARINETTI, Tommazo - 'Manifesto do Futurismo', in: TELES, Gilberto Mendonça - Vanguarda Europeia e Modernismo Brasileiro, 1O@ ed., Rio de Janeiro, Editora Record, 1987, pp.89-94 e p.9l.
(4) IDEM, Ib., p.92
(5) AZEVEDO, Guilherme, A Alma Nova, pp. 69-7O.
(6) APOLLINAIRE, G. - 'O Espírito novo e os Poetas', trad. port., in: TELES, Gilberto Mendonça, o.c., p.155.
(7) IDEM, Ib., p.166.
(8) QUENTAL, Antero de - 'Tendências novas da Poesia Contemporanea a propósito das Radiações da Noite' de Guilhermne de Azevedo, in: AZEVEDO, Guilherme d - A Alma Nova, Lisboa 1874.
(9) IDEM, Ib., p. 191.
(1O) IDEM, Ib., pp. 193-194.
(11) IDEM, Ib., p. 195
(12) IDEM, Ib., pp. 195-196.


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