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Ensaios-->O CALÃO MINDERICO - UMA SUB-VARIANTE DA LÍNGUA PORTUGUESA -- 21/07/2006 - 15:09 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

O CALÃO MINDERICO,
UMA SUB-VARIANTE DA LÍNGUA PORTUGUESA EM PORTUGAL

João Ferreira
21 de Julho de 2006

“Rotas de verão”, uma reportagem da TV Portuguesa SIC, transmitida no dia 21 de julho de 2006 para o Brasil, chamou-me a atenção para um detalhe que me passara desapercebido até aqui. Ao falar das grutas de Miradaire, o programa televisivo da SIC abordou, com alguma novidade para mim, um tema referente a uma linguagem especial que existe na freguesia de Minde. Essa linguagem é conhecida pelo nome de “calão minderico”, ou calão de Minde.
Minde é uma localidade portuguesa, pertencente ao município de Alcanena,distrito de Santarém, no centro do país, mais exatamente na região da serra de Aire, nas imediações do planalto de Santo Antônio. É uma região serrana dotada de importante indústria de malhas, com 42 empresas num total nacional de 147. No Planalto de Santo Antônio existem famosas grutas e ribeiras subterrâneas que foram objeto de estudo dos espeleólogos portugueses depois de 1947 e que merecem hoje a visita quase obrigatória dos turistas em geral, nacionais e estrangeiros.
Por achar que pode ter interesse para alguns lingüistas atentos ao fenômeno e ao desdobramento da dinâmica da língua portuguesa em suas poliformas espalhadas pelo mundo, achei por bem elaborar esta nota sobre o calão minderico, baseada em dados que pesquisei na Internet. Ela tem apenas a pretensão de chamar a atenção dos que gostam de estudar as várias formas de manifestação da língua portuguesa no mundo e mais ainda dos que podem aprofundar a questão através de uma pesquisa dirigida mais rigorosa.
O calão minderico é um apêndice ou anexo lingüístico regional à sub-variante do português falado na região da serra de Aire, em Portugal.
Pelo que se conhece, há hoje estudos pioneiros desta forma de linguagem, oralizada a partir do século XVIII e com testemunhos escritos desde a segunda metade do século XIX. Ultimamente, esses estudos foram dados a conhecer pelas pesquisas de Abílio Madeira Martins e colaboradores.
Na Internet é fundamental conhecer o site http://www.minderico.com que desenvolve a temática e reproduz “O Linguajar típico de Minde” ou Piação dos Charales do Ninhou. Um tipo de dicionário baseado na sua quase totalidade no Linguajar Típico de Minde / Piação dos Charales do Ninhou, edição do CAORG ( Centro de Artes e Ofícios Roque Gameiro ), 1993, compilação e coordenação de Abílio Madeira Martins, colaboração de Cid Manata Pires e Vítor Manuel Coelho da Silva.

Caracterização do calão minderico

Quem tem, no momento, autoridade para caracterizar, o calão de Minde é Abílio Madeira Martins, compilador e coordenador do material linguístico publicado em “O Linguajar típico de Minde”.
“O Calão Minderico – diz Abílio Madeira Martins na Introdução a “O Linguajar típico de Minde” - é, como todos os demais que existiram ou ainda subsistem em terras com características étnicas semelhantes às de Minde, uma linguagem de prevenção e defesa, o mesmo se devendo dizer “ à fortiori “ das gírias usadas em certas comunidades fechadas como as dos estabelecimentos prisionais, internatos e quartéis e por determinados estratos sociais quase sempre com actividades específicas, como os estivadores, os marinheiros e outros. Com ele pretendem os seus utilizadores defender os seus interesses, dar recados ou transmitir mensagens e avisos diante de estranhos sem terem de dar a sua vida a saber.

As questões que se põem a quem pelo Calão Minderico sente ou venha a sentir alguma curiosidade são, naturalmente, as de saber quem teriam sido os seus iniciadores e quando teria principiado o seu uso. A estas questões e a muitas outras, como observadores que somos das coisas que a Minde digam respeito, temos procurado responder apenas com conjecturas baseadas nos escassos dados históricos de que dispomos e com as deduções a que nos levam as tradições do nosso conhecimento e alguns dos termos integrantes do próprio calão.


É de supor que numa terra tão pobre de recursos naturais como Minde sempre foi, sendo a míngua de água ( só ainda há tão pouco tempo mitigada ), a causa maior da sua pobreza, a cultura intelectual, num meio de tamanha rudeza e secura, não tivesse também grande relevância pelo que o analfabetismo seria a regra e os letrados as excepções. Daí que o Calão Minderico fosse de uso exclusivamente verbal desde que os antigos cardadores e negociantes de lãs o começaram a usar aí nos princípios do século XVIII. Dele não há por isso referências escritas, do nosso conhecimento, antes que António de Jesus e Silva, nos desse, já na segunda metade do século XIX, as primeiras notícias sobre a gíria dos Mindericos e a ela fizesse referências nalguma imprensa da época. Foi pois a partir de Jesus e Silva que passou a haver o que pretensiosamente se pode chamar uma literatura de Calão Minderico, a ele se ficando a dever a ainda assim reduzida expressão escrita que teve até à data do seu falecimento em 1926.

Conscientes de que a Piação dos Charales corria o risco de se ir desgastando com as arremetidas do progresso que a vulgarização da electicidade deixava antever, os Srs . José António Carvalho , de Minde, e Dr. Miguel Coelho dos Reis, de Pernes, decidiram, cada um por sua parte, coligir os termos de que houvesse memória e dar-lhes aplicação prática na numerosa correspondência que entretanto foram trocando entre si durante os primeiros anos da década de quarenta.

Tudo leva a crer que tanto um como o outro, mas sobretudo o Sr. José Carvalho, tivessem ampliado as suas colectâneas com significantes da sua inventiva , expediente este que confere à “ Piação “ o carácter de linguagem viva e evolutiva por dar azo a uma constante actualização mercê da criatividade de quem a usa.

Já depois do falecimento do Sr. José Carvalho foi o Sr.Dr. Miguel que, solicitado a colaborar na recepção do Sr. Presidente Américo Tomás aquando da sua vinda a Minde em 21/11/1970, produziu algumas peças escritas em Calão Minderico que fizeram parte das celebrações da inauguração do Museu Roque Gameiro e que, num gesto confirmativo da dedicação que sempre teve a Minde, aos Mindericos e ao seu típico linguajar, entregou à guarda do Museu o vocabulário de Calão Minderico por si coligido durante longos anos. Foi este vocabulário, apresentado em volume magnificamente encadernado,que serviu de matriz à edição intitulada “ Piação dos Charales do Ninhou “, publicada em 1983 sob o patrocínio da Junta de Freguesia e que actualmente se encontra esgotada. Sobre ele nos baseámos também para esta nova edição que, por ter como finalidade principal contribuir para o relançamento da nossa “ piação “, dispensou grande parte das notas explicativas, evitou significantes caídos em desuso ou com alguma carga pejorativa, enquanto que, por outro lado vai acrescentada de novo significantes julgados indispensáveis ao “ minderico “ nos tempos que vão correndo.

Ao organizarmos esta edição, animou-nos a esperança de estarmos a contribuir para a preservação e continuidade deste valor cultural da nossa terra e daí a nossa convicção de não termos perdido em absoluto o nosso tempo.”

Léxico típico

Os organizadores de “O Linguajar típico de Minde” tiveram já o cuidado de publicar um léxico do calão minderico, organizado por ordem alfabética.
O leitor poderá encontrar esse léxico completo no site já assinalado: www.minderico.com
Entre os vocábulos aí assinalados, seleionamos, só para amostragem, alguns termos típicos: abobrar (=descansar), alexandrinas (=fotografias), alhoa (=praga), ambrosiar (=pensar, cismar), azeiteiro(=corno, homem desfeiteado pela esposa), babosas (=cervejas), badelo (=língua), basilinha (=pateta), bodelha (=mentira), borboleta (=luz), brancana (=geada, neve), brancano (=leite), brasileiro (=serrador), bruxo(=computador), cabaneira (=vaca), campinos (=melões), carranchano (=amigo), fusca (=noite), gargantear (=cantar), jagodes (=burro), latina(=missa), manhosa (=raposa), mioleira (=testa), Nazaré (=banho), montante (=escudo, unidade monetária), paciência (=chumbo), paivante (=cigarro), patarraz da ladina (=genro), pêra do cerrado (=abóbora), perneiras (=peúgas, meias), piação (=conversa), piar (=falar, conversar), pirota (=motorizada), planetário (=jornal diário), primeira de Cristo (=primeira comunhão), reboliços (=pêssegos), regatinha (=água, chuva), remexido (=negócio), renhomnhom (=gaita de foles), rinchão (=comboio,. trem), rodilha (=sogra), ronquinho (=surdo), senhor Antônio (=marido atraiçoado pela esposa, corno), soletra (=livro), soletra da doutrina (=catecismo), tarrantar (=dormir), taxeadora (=prostituta), terraizinho (=criança), terraizinho judaico (=Natal, Menino Jesus) , tosadeira (=boca), toupeira do ferreiro (=charrua), videira (=mãe), videiro (=pai), vista-baixa (=porco), voadeira (=perdiz), Zé-pedro (=bigode).




Textos em Calão Minderico
Para se ter uma idéia concreta do que seja este calão minderico, não há como recorrer a textos específicos Há todo o tipo de textos, incluindo narrativas, cartas e outros, já publicados por estudiosos locais e nacionais.
Selecionamos uma carta típica, escrita em linguagem minderica,para o leitor ler, analisar e fazer seu juízo crítico a respeito. Essa carta é de Antônio de Jesus e Silva a um amigo. Vejamos primeiro o texto da carta, em original minderico, e posteriormente, a decodificação e trasladação para o português clássico, ou, se preferirmos, sua tradução para o português vernáculo.


I - CARTA
de António de Jesus e Silva a um amigo, que nos foi enviado pelo seu Trisneto João Manuel Querido da Silva, em 4 de Dezembro de 2003.


Carranchano

Estive hontem no parreiral do Ninhou. O fundador do Covão ás 10 do Bandarra mandou-me a mulher do Francisco Lobo ao parreiral a fim de cavalleirar em sua do Quincas.


Para que o cardeta avalie o cavalleiro, ponha os das orelhas.


Em cima d’uma do Casal Farto mirantava-se n’uma do Juncal o filho da Santinha lançando bispo. Uma da Amora com o sogro do António Perinho e dois da Marinha; mettemos pois na tosadeira alem do genro do José Felipe, linhas tortas, renhanhé, sogro do Manoel Lico, do gaiva ou filho do Troia. Á sobre a de Bolleiros matto da portella, mães do Val da Serra, chinezas, dos coutos e por ultimo venezo com batarraba.

Como á hora de cavalleirar o malhado traz mais um, appareceu o Estevães do Ninhou com ares densca. Se visses a maneira como mettia na tosadeira o genro da Bia e o saltacatrepa!... Os da Marinha andavam sempre nas gambias. O folho da Costa e filho de Matildes, oh, Deus!...

Às 4 do Bandarra sentado na jaleca do meu Antonio d’Almeida tomava o d’el-rei para a minha do Domingos Pedreiro, em Amiaes.

N.B. A Arraiollos subiu, as belicas das do Alegre baixaram e a sogra do irmão do Francisco Vaz, d’Aljubarrota estaciona.


Teu Filho do Fernando.

José Ramos, de Amiaes.


A. Jesus e Silva


..................................................

II - TRADUÇÃO
enviada pelo CAORG em 7 de Dezembro de 2003

Amigo,

Estive ontem em Minde e o Lourenço Coelho ao meio-dia mandou-me a criada a casa chamar-me para jantar em sua companhia.


Para que o amigo possa fazer ideia do jantar ouça:
Em cima da mesa via-se uma terrina de sopas fumegante, uma grande garrafa cheia de vinho e dois copos.


Metemos na pá do bucho, além das sopas, vaca, capado, carne de porco, galinha e frango. À sobremesa queijo, azeitonas, laranjas, maçãs e por último arroz doce.

Como à hora do comer sempre o diabo traz mais um, apareceu o padre cura com uma fome canina.
Se visses a gana com que se atirava ao presunto e ao capado! Os copos andavam numa roda viva. O pão e o vinho, oh! Santo Deus!


Às quatro da tarde montei-me no meu burro e tomei o caminho da minha casa nos Amiais.


Nota:
A lã subiu de preço, as peles de cabra baixaram e a cera conserva o mesmo preço.


Teu amigo,

José Ramos dos Amiais


BIBLIOGRAFIA
SOBRE O CALÃO MINDERICO


ANTÓNIO DE JESUS E SILVA, Notícias e Carta, em ' O Portomosense '.

JOSÉ AMARO, ' Piação de Charales ', conto em Minderico, in ' Contos do Ribatejo ', edições da Casa do Povo, 1962 e 1969.

JOSÉ ANTÓNIO DE CARVALHO, ' Alguns vocábulos do Calão Minderico ', edições da Casa do Povo, 1962 e 1969.


MIGUEL COELHO DOS REIS, ' Piação dos Charales do Ninhou ', edição da Junta de Freguesia, 1983.


MIGUEL COELHO DOS REIS, Postal de resposta ao pedido de tradução dum texto de Sebastião da Gama para Calão Minderico, 1977.

MIGUEL COELHO DOS REIS , Versão em Calão Minderico dum texto de Sebastião da Gama, 1977.

Textos apresentados na TV no serão do dia das eleições, Dezembro de 1989.

Notícia em ' O Alviela ' de Janeiro de 1983, sobre o projecto de Edição dum novo Vocabulário do Calão Minderico.

' Diário Popular ', 3/11/1953, referência.

' A Tarde ', 20/05/1981, referência.

' IN JORNAL DE MINDE '

90 - Notícia da edição do vocabulário de José António de Carvalho.

133 - Por causa das dúvidas, quadras de Francisco Madeira Martins.

135 - Alfredo de Matos, artigo.


137 - Alfredo de Matos, Anotações a alguns vocábulos do Calão Minderico.


149 - Dr.Francisco Câncio, um conto em Calão Minderico.

150 - Tradução do conto publicado no número anterior.


195 - Ecos da visita de Américo Tomás.


197 - Notícia da entrega do vocabulário do Dr.Miguel Coelho dos Reis ao Museu Roque Gameiro.

226 - Notícia em ' A Capital '

239 - Miguel Coelho dos Reis, texto.


240 - Tradução do texto anterior.


297 - Abílio Madeira Martins, Reavivando a Piação do Ninhou, págs. 73 e 77.


325 - Telegrama de felicitações do Dr.Miguel Coelho dos Reis pela passagem do seu 90º aniversário.


328 - Notícia da edição do vocabulário do Dr.
Miguel Coelho dos Reis.


420 - A.Formiga, os 61 em festa.


423-A. M. Martins, visita de Mário Soares às



424 - A.M.Martins, Inauguração da Exposição
de Sevilha.


425 - Cid Manata Pires, notícia sobre o res-
caldo do Carnaval.


426 - Texto sobre o Despacho da Escola Secundária.
.


429 - Cid Manata Pires, notícia sobre a má
qualidade da água.


430 - A.M.Martins, Reavivando a Piação.


432.A.M.Martins, ' Se conduzir não beba
' vinho a mais '.

' À Descoberta de Portugal ', edição das ' Selecções do Reader s Digest '.


' Ribatejo Histórico e Monumental ', referência feita por Serra Frazão.


ALBERTO PIMENTEL, Estremadura Portuguesa, 1º volume.


SERRA FRAZÃO, Calão Minderico, in ' Revista Lusitana ', volume 37º.

AUGUSTO PORFÍRIO FRAGOSO, Calão Minderico, Santarém, 1964(edição do autor).

Mais informação:

Além do site, de foruns de debate e de outras várias fontes de informação em Portugal,temos um blog que está familiarizado com os assuntos de Minde e com o calão minderico:
http://www.xarales.blogspot.com/


João Ferreira
21 de julho de 2006
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