Diário de um pseudônimo (067)(2005/04/24)
Penfield Espinosa
24/04/2005
Já me perguntaram várias vezes e, sendo descendente de africanos, nunca fui discriminado.
Perguntaram ? A palavra não é essa: insistiram, compeliram-me a declarar que, sim, fui discriminado, que, sim, há discriminação racial no Brasil.
Bem, existe sim. Mas creio que o segredo de meu sucesso -- se é que tive algum -- é que fui criado em casa onde se ignorava a questão racial.
Papai, digno jurista baiano, achava que todos homens eram iguais. Mesmo que a sociedade clamasse em contrário.
De minha parte, sendo um tanto distraído, somei minha distração a essa ideologia que herdei.
Deu certo em um primeiro momento, porque em Salvador muita, muita gente é negra. Mesmo que discriminem, simplesmente não há gente branca em número suficiente para colocar nos lugares. Assim, mesmo os brancos mais racistas são forçados a aceitar a nós, os negros.
Quando em S. Paulo, sofri um pouco, mas minha psiquê já estava formada e podia sem medo atribuir o racismo aos racistas.
Sim, porque a pior parte do racismo é quando a pessoa discriminada aborve, aceita em si os insultos dos racistas.
No Brasil, o racismo de todo modo é sutil e não é comum que, como nos EUA, as pessoas sejam raivosamente forçadas a trocar de lugar em ônibus.
Apesar de distraído, sou inconscientemente cuidadoso em diversas convenções, como o trabalho. Assim, não dou oportunidades a meus amigos racistas.
Que de vez em quando pensam um 'que cara folgado!' Mas não abro espaço e ficamos todos em paz.
O povo brasileiro é cordial, diria o pai de Chico Buarque de Hollanda.
S. Paulo, 24 de abril de 2005
(Copyright © 2005-2009 Penfield da Costa Espinosa)
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