Diário de um pseudônimo (092)(2006/01/18)
Penfield Espinosa
18/01/2006
Este é o lugar de se falar da memória. Falei outro dia da moça do sabonete Araxá de Manoel Bandeira, possivelmente o melhor poeta brasileiro de todos os tempos.
Falo agora do oposto, da ausência de memória e, portanto, da falta de saudade em meu dia-a-dia.
Vou diariamente de carro para meu trabalho. Portanto, não vejo nenhum rosto humano nesta viagem: nenhum motorista de ônibus ou de carros, nenhuma passageira interessante. A coisa complica mais por que tenho alguma liberdade de horário e faço uso dela.
No trabalho, o turn over é uma realidade. Poucos ficam muito tempo e são atraídos por novas oportunidades. Sem falar que é um trabalho ao esquema paulistano, onde não se deve ver amigos entre os colegas. Assim, posso até gostar deles, mas é mais sábio não confiar excessivamente, não se abrir.
No almoço, vou com os colegas a vários restaurantes -- trabalhamos próximo a um shopping. Além disso, os restaurantes também seguem o esquema de minha empresa: elevado turn over e impessoalidade. Assim, nada de memorável nos restaurantes onde almoço.
No jantar, evito comer fora de casa: a tentação do álcool, as contas muito altas, capazes de destruirem até um orçamento de solteiro como o meu.
Assim, o que me sobra nesta vida é a melancolia de um passado que já não há.
Os amigos, bons amigos, conquistados a peso de ouro, são uma alegria apenas nos finais de semanas, que os paulistanos grafam fds. Mas eles são pessoas práticas, não se dão ao trabalho de ter memória ou sentimentos.
S. Paulo, 18 de janeiro de 2006
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