Na minha infância eu costumava brincar de bola de meia, bang-bang e lutas num campinho de areia alva e fofa em frente a minha casa.
Eram tardes e noites agradáveis na companhia dos amigos, todos com uns dez anos de idade. Entre nós havia um contador de histórias. Era o Paulinho Perna-de-Jaçanã. O apelido caiu-lhe bem e ele não se zangava. Era o mais rico da turma. Seu pai comprou a enciclopédia Britânica e tinha até carro. Era um fusca azul clarinho da cor do fogão Alfa lá de casa.
Quando ouvíamos suas histórias ficávamos nas nuvens ouvindo aquele negrinho magricela de canelas secas que nem jaçanã – um belo pássaro habitante dos riachos maranhenses.
A história do jabuti é a mais verdadeira e não me sai da memória. Ele explicou porque o jabuti tem o casco todo remendado. Deus convidou os animais para uma festa no céu. Lá pelas tantas, festa animada, o macaco saliente, quis namorar a leoa. O leão, muito ciumento, fechou a pata e partiu pra cima do macaco para quebrar a cara do insolente. Foi debandada geral. Na confusão o jabuti, que era o porteiro, foi empurrado para fora e caiu lá de cima do céu. “O tombo foi tão grande que o casco virou um monte de cacos”, disse em voz alta para a molecada encantada.
A parte que mais me fascinava era quando ele fala sobre o céu, galáxias, constelações. A origem das nuvens é a história que motivou este texto. Certa vez ele contou que todos os dias Deus mandava as Santas soprarem os talcos que sobravam dos seus asseios matinais. Esse talco formava as nuvens que pairavam no ar embelezando as cidades e encantando as pessoas. Algumas Santas mais talentosas desenhavam os animais da arca de Noé com seus talcos. Essas nuvens eram levadas pelo vento encantando o mundo.
As nuvens escuras eram porque alguns anjos moleques e invejosos sopravam poeira celestial que se misturavam com o talco. E Deus, bravo com eles, ligava a mangueira para lavar a sujeira. Era tanta água que molhava toda a terra.
O Paulinho tinha o dom de encantar moleques. Quando lançaram a sonda espacial Apolo 11 ele explicou direitinho o que os astronautas foram fazer na lua. Até hoje não esqueço aquela noite.
Hoje reencontrei o já grisalho Perna-de-Jaçanã. Entre goles de cerveja e risos num bar, relembramos aquelas histórias e brincadeiras. Depois de quarenta anos, repetimos as mesmas gargalhadas lá do campinho.
Nos abraços de despedida perguntei:
- Você ainda conta histórias de nuvens?
- Ele respondeu: Saí das nuvens. Estou noutro mundo.
- Como assim? - Perguntei curioso.
- Estou no mundo da lua. – Respondeu em voz alta, encantando os boêmios.