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Ensaios-->O PAÜLISMO - UMA CORRENTE LITERÁRIA PORTUGUESA -- 25/02/2007 - 15:10 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

O PAÜLISMO – UMA CORRENTE LITERÁRIA NA ALVORADA DO MODERNISMO EM PORTUGAL
João Ferreira
20 Junho de 2005

Entre as tentativas de originalidade feitas pelo grupo de Orpheu e principalmente por Fernando Pessoa, Sá-Carneiro, Alfredo Guisado e Armando Cortes-Rodrigues, está o “paulismo”, uma efêmera corrente literária iniciada a partir do poema “Paúis” . Composto em 29 de março de 1913 e publicado na revista Renascença em 1914, esse poema, teria sido composto originarimente, segundo parece, mais em forma de blague do que em forma de criação estética convicta e séria. É isso o que o próprio Fernando Pessoa deixa perceber numa carta de 19 de janeiro de 1915 dirigida a Armando Cortes Rodrigues. O autor de “Mensagem” faz aí uma autocrítica sobre a criação artística do poema e parece tentar dizer que o escreveu apenas para “épater”, ou seja, para impressionar. Apesar de tudo, original ou não, há que sublinhar que foi a partir do poema “Paúis” que surgiu o paülismo. Foi também com base no paülismo que o futuro grupo de Orpheu se animou e se uniu, permitindo assim abrir um espaço novo para a modernidade em Portugal. Entre as várias formas de como foi recebido e avaliado e até humoristicamente comentado, está o texto de Augusto Cunha: “Um serão paülista”, reportado por António Quadros, em seu livro “Fernando Pessoa. Vida, Personalidade e Gênio”. Cunha era, na altura, um jovem de vinte anos, amigo de Sá-Carneiro e cunhado de António Ferro, e acompanhava de perto o grupo de Orpheu ainda em formação. Na avaliação de Fernando Pessoa, há um contraste entre a fase experimental do paülismo e a fase de criação heteronímica. Fernando Pessoa considera os heterônimos como frutos estáveis da maturidade. Isso é dito claramente pelo poeta numa carta a Armando Cortes Rodrigues.: “Por isso é sério tudo o que escrevi sob os nomes de Caeiro, Reis,Álvaro de Campos” (SERRÃO, Joel.Cartas a Armando Cortes Rodrigues. Lisboa: Livros Horizonte, 1985, p. 47). Nessa carta, Pessoa fala também do poema “A Ceifeira” como um poema autenticamente paúlico: ”Amo especialmente a última poesia, a da Ceifeira, onde consegui dar a nota paúlica em linguagem simples. Amo-me por ter escrito:
“Ah poder ser tu, sendo eu
Ter a tua alegre inconsciência
E a consciência disso!...
E enfim, essa poesia toda. (Ib. p. 47).
Para esclarecer os termos, façamos uma digressão conceitual.

I
Alguns elementos para um entendimento do que seja paülismo e estilo paúlico

Numa tentativa de buscar elementos de compreensão conceitual do paülismo, é importante aportamaros à voz crítica dos notáveis da Literatura Portuguesa. Entre eles, está Jacinto do Prado Coelho, que em seu artigo “Modernismo” publicado no Dicionário de Literatura, nos dá uma síntese do estilo paülista:
“O estilo paúlico define-se pela voluntária confusão do subjetivo e do objetivo, pela “associação de idéias desconexas”, pelas frases nominais, exclamativas, pelas aberrações da sintaxe (“transparente de Foi, oco de ter-se”), pelo vocabulário expressivo do tédio, do vazio, da alma, do anseio de “outra coisa” um vago “além” (“ouro”, “azul”, “Mistério”), pelo uso de maiúsculas que traduzem a profundidade espiritual de certas palavras(“Outros sinos”, “Horas”) (Ib. COELHO, J.P., Modernismo, p.656).
2. Em segundo lugar, são importantes as considerações de Nuno Júdice publicadas em “A Era de Orpheu” sobre o que é realmente o paülismo:
“Parece não haver dúvida de que será a realização final do conceito de ideação vaga, subtil, e complexa que Pessoa, nos artigos de A Águia, em 1912, via nos Poetas do Saudosismo – talvez apesar deles próprios.É a fase do poeta do sonho que ele define como sendo geralmente um visual, um visual estético. O sonho é da vista, geralmente. Pouco sabe auditivamente, tactilmente. E o “quadro”, a “paisagem” é de sonho, na sua essência, porque é estática, negadora do continuamente dinâmico do mundo exterior”(Páginas estéticas, ms. 1913(?). Júdice,40.
Em 1916, Pessoa fala do paülismo como de uma corrente literária(Páginas Íntimas,126): “O paülismo pertence à corrente cuja primeira manifestação nítida foi o simbolismo”[...]O paülismo é um enorme progresso sobre todo o simbolismo e neo-simbolismo de lá fora”(Páginas íntimas 126).
3.Segundo Nuno Júdice, esta atitude artística do paülismo teria nascido de uma confluência de Camilo Pessanha e Mallarmé:
“Pessanha, Mallarmé:sem dúvida é desta confluência que surge o paülismo, embora o termo não surja senão tardiamente, e da boca dos adversários do Orpheu, sobretudo. O que é certo é que Pessoa, no seu frenesi criador, que ia alternando com fases depressivas, cedo se cansará desse paülismo, que nas mãos (ou nos textos) de outros – como António Ferro, Alfredo Guisado, etc- se transforma num modelo acadêmico à maneira do pior decadentismo”(Júdice, obra citada, 39).

II.
O texto “Paúis” – a base literária indispensável para o estudo do paülismo

“Pauis de roçarem ânsias pela minh’alma em ouro
Dobre longínquo de Outros Sinos...Empalidece o louro
Trigo na cinza do poente...Corre um frio carnal por minh’alma...
Tão sempre a mesma, a Hora!...Balouçar de cimos de palma!....
Silêncios que as folhas fitam em nós...Outono delgado
Dum canto de vaga ave...Azul esquecido em estagnado...
Oh que mudo grito de ânsia põe garras na Hora!
Que pasmo de mim anseia por outra coisa que o chora!
Estendo as mãos para além, mas ao estendê-las já vejo
Que não é aquilo que quero aquilo que desejo...
Címbalos de Imperfeição... Ó tão Antiguidade
A Hora expulsa de si-Tempo! Ondas de recuo que invade
O meu abandonar-me a mim próprio até desfalecer,
E recordar tanto o Eu presente que me sinto esquecer!...
Fluido de auréola, transparente de Foi, oco de ter-se..
O Mistério sabe-me a eu ser outro...Luar sobre o não conter-se...
A sentinela é hirta – a lança que fica no chão
É mais alta do que ela...Para que é tudo isso...Dia chão...
Trepadeiras de despropósito lambendo de Hora os Aléns...
Horizontes fechando os olhos ao espaço em que são eles de erro...
Fanfarras de ópios de silêncios futuros...Longes trens..
Portões vistos longe...através de árvores... tão de ferro!”

(PESSOA, Fernando.Obra Poética, Nova Aguilar, 108), composta e 29 de março de 1913 mas só publicada na revista Renascença em 1914.

III
Comentários de Sá-Carneiro ao poema “Paúis” e à corrente do paülismo

A carta 22 de Sá-Carneiro dirigida a Pessoa é dedicada à análise de Paúis: “Quanto aos Paúis. Como pede, vou falar com franqueza. E peço-lhe que me acredite. É uma vaidade realmente, mas peço-lhe que me acredite. Eu sinto-os, eu compreendo-os e acho-os simplesmente uma coisa maravilhosa, uma das coisas mais geniais que de você conheço.
É Álcool doirado, é chama louca, perfume de ilhas misteriosas o que você pôs nesse excerto admirável, aonde abundam as garras.
Assim, além do sublime primeiro verso que listra fogo, há estes magistrais que destaco:

“Ó que mudo grito de ânsias põe garras na Hora
Que pasmo de mim anseia por outra coisa que o que chora?”

“Flúido de auréola, transparente de Foi, oco de ter-se...
O Mistério sabe-me a eu ser outro...luar sobre o não conter-se”

[...] todo o conjunto é sublime Quem escreve coisas como esses versos é que tem razão para andar bêbado de si. [...] Confesso-lhe que isso é uma maravilha...”, diz ainda Sá-Carneiro (SÁ-CARNEIRO, Mário. Cartas a Fernando Pessoa. Vol. I Lisboa: Edições Ática, 1969. carta 22, p. 116 ss.
Entre outras coisas, este poema, interessante pela nova linguagem que ostenta, teria a importância de significar, segundo Júdice, a ruptura formal do Modernismo com a outra literatura da época (JÚDICE, 34) .

IV
As Cartas de Mário de Sá Carneiro a Fernando Pessoa como testemunhos paúlicos

1.Não há grandes exposições sobre o que seja esta corrente ou movimento, que parece ter a característica de uma estética de transição entre jovens que ansiavam por uma transformação literária e eram capazes de muito mais. Na verdade nem os seus iniciadores e sustentadores lhe deram muita atenção depois da publicação de Orpheu. Mas há alguns testemunhos que podem ser recolhidos de algumas fontes da época, a título de registro. Entre eles, estão as cartas de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa. Escrevendo de Barcelona, no dia 1 de setembro de 1914, Sá-Carneiro define a Igreja da Sagrada Família como “Uma catedral paúlica”, como “expressão plena de paulismo”, “quase cubismo até”. Um conjunto interessantíssimo tudo quanto se possa imaginar de mais bizarro, de menos visto. O aspecto geral agrada-me deveras. È uma catedral de sonho, uma catedral outra, vista noutros países, noutras intersecções. Se encontrar uma fotografia, mandar-lha-ei. No entanto, receio por certos detalhes que seja mais paulismo do Ferro ou do Carvalho Mourão que o Meu ou SEU!...Em suma, mas a impressão foi ótima porque pelo menos há ali: ânsia do novo, mistério, estranheza, audácia”(Carta 41, p. 12).
2.Há um momento em que se vive entre os membros de Orpheu um clima de entusiasmo paulista.
Em 26 de junho de 1914, escrevendo a Pessoa, Sá-Carneiro lamenta que a criação Alberto Caeiro não entre no clima paúlico:”É verdade: embora ache justo, confesso-lhe que tenho pena que o Caeiro não entre para o paülismo” (Carta 31, I, p. 163). Depois, escreve em 6 de outubro de 1914, cumprimentando Pessoa com a expressão “Saúdo-o em paülismo” (Ibidem, carta 46, II, pp. 20). Em Lisboa, segundo reportagem de Sá-Carneiro, o músico Rui Coelho e D. Tomás organizaram “uma sessão de música moderna sobre paülismo”. O programa envolvia poemas de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa e Alfredo Guisado (SÁ-CARNEIRO, M. Cartas Fernando Pessoa, carta 53, vol. II., pp. 25).




ALGUMA BIBLIOGRAFIA SOBRE O PAULISMO

COELHO, Jacinto do Prado- “Modernismo””.In: Dicionário de Literatura. Vol. 2. Porto: Figueirinhas, 1992, p.656.
CUNHA, Augusto. “No tempo do paùlismo e do “Orpheu”. In: Revista Atlântico, nº 5, 1944.
D’ALGE, Carlos. A Experiência futurista e a geração de Orpheu. Lisboa: ICALP/MEC, 1989, p.87
JÚDICE, Nuno. “O Paülismo:Uma dinâmica da estagnação”.In: A Era de Orpheu.Lisboa: Editorial Teorema, s.d., pp.37-42

QUADROS, António. Fernando Pessoa. Vida, personalidade e gênio. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1984, pp.77-81

SÁ-CARNEIRO, Mário. Cartas a Fernando Pessoa. II. Lisboa: Edições Ática, 1959. Cartas 41 e 42, pp.11-15.

SIMÕES, João Gaspar. Vida de Fernando Pessoa.
_________.”A Geração do Orpheu”: I. Fernando Pessoa.II.Mário de Sá-Carneiro. 3.Os Poetas paúlicos. Os Poetas sensacionistas.”. In: Revista do Livro. Vol. V, n.17, março de 1960, pp.41-57.


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