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Ensaios-->NOTAS DE PESQUISA SOBRE A SAUDADE TRISTE -- 27/02/2007 - 12:41 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
NOTAS DE PESQUISA SOBRE A SAUDADE TRISTE
Elementos para um estudo da consciência saudosa
João Ferreira
1968-2007

Publicamos estas “notas” no “Correio Braziliense” de 31 de agosto de 1968. Passados quase quarenta nos, achamos por bem mostrá-las de novo, desta vez, aos leitores mais jovens na tribuna da Usinadeletras.
A saudade é uma realidade bem evidente na consciência cultural portuguesa, brasileira e galega. Os dicionários de autoridade em língua portuguesa definem saudade como “lembrança de um bem do qual agora se está privado” (Antônio Moraes da Silva); como “lembrança triste e suave de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhado do desejo de as tornar a possuir ou ver presentes (Cândido de Figueiredo; como “desejo e lembrança de um bem passado ou de que se está privado” (Silva Bastos); como “desejo de um bem do qual se está privado” (Caldas Aulete); como “finíssimo sentimento de um bem ausente com desejo de o lograr” (Rafael Bluteau). “Amor e ausência são os pais da saudade”, diz Francisco Manuel de Melo.
Há outros autores, como Ramón Piñeiro, notável escritor e pensador galego, que relacionam a saudade com as modernas conceituações de solidão e angústia. Piñeiro desliga-a de qualquer relação dicotômica sujeito-objeto, assim como da ligação com a dor. Para Ramón Piñeiro, a saudade é um “sentimento ontológico puro, enquanto derivado da solidão ou da consciência da singularidade ontológica”.
Sendo nosso propósito apenas colher algumas notas sobre a saudade triste, não iresmos entrar na análise da problemática da saudade nas múltiplas variedades críticas com que é apresentada. Nem iremos colocar frente a frente a conceituação tradicional e literária com as novas concepções existencialistas e existenciais. Esse é um campo que deve ser reservado para outra oportunidade e outro estudo. Para não nos desviarmos de nossa linha, tão pouco iremos fazer emergir neste artigo a riqueza dos elementos da análise saudosista no que tange a implicações filosóficas. Em recente conferência [1968] pronunciada na Universidade de Brasília sobre “Saudade e Saudosismo” enunciamos algumas linhas básicas da saudade com certos temas de tipo existencial. Vários autores como Joaquim de Carvalho, Antônio de Magalhães, Ramon Piñeiro, Afonso Botelho, Domingo Sabell, Daniel Cortesón, Carolina Michaëlis, Osvaldo Orico e Francisco da Cunha Leão, para não falarmos de Teixeira de Pascoaes ou de Leonardo Coimbra, defensores, em Portugal, do movimento saudosista que se gerou à volta do grupo da revista ”A Águia” nos princípios do século XX, deram já ao problema cuidadosa atenção e nós a ele voltaremos na hora em que escrevermos sobre os destacados aspectos que interessam à fenomenologia da consciência saudosa.
De momento, nossa atenção se concentrará sobre o elemento doloroso da vivência saudosa, especificamente refletido na tristeza. Não devemos considerar que esta seja uma discussão abstrata. Não é. O que é importante é saber que já na primeira metade do século XV, D. Duarte (+1438), autor da obra “Leal Conselheiro”, distinguia dois tipos de saudade: uma que se dá com prazer e outra que é acompanhada de nojo e tristeza. Este duplo elemento de prazer (alegria) e nojo (tristeza) está conotado com os dois elementos gerais que os críticos distinguem na consciência saudosa, a saber:a lembrança e o desejo. Em termos de análise, podemos entender que enquanto a consciência rememora ausentes, entristeça, pois a lembrança, ao incidir sobre a pessoa ou a coisa ausente, gera tristeza e solidão, sendo a ausência este elemento ativo que cria a própria solidão triste. Mas como da rememoração nasce o desejo de relação e aproximação, a saudade se reaviva em outros elementos, que são a esperança, a alegria e o prazer, quando se anuncia um ausência presente ou a promessa de uma presença futura. E neste caso se compreende porque fala D. Duarte num tipo de saudade que causa prazer.

A Saudade triste

A tristeza é um dos efeitos da solidão. Na écloga II de Bernardim Ribeiro, Jano desabafava: “Tristes dos meus olhos sós..” (Edição Sá da Costa, Lisboa, 39). Alguns dicionários limitam-se a falar de “lembrança e desejo” quando tentam definir saudade, omitindo assim referências específicas à tristeza. Mas nas obras literárias e nas trovas populares portuguesas e brasileiras, é intensa a invocação dos sentimentos de mágoa, pesar, sofrimento, solidão como anexos da vivência saudosa.
Segundo muitos autores recolhidos em “Quadrinhas brasileiras de amor e saudade (Seleção de Pandiá Pandu. Rio de Janeiro: ed. Ouro, 1963), obra que nos chegou às mãos por gentileza da Professora Elmira Cabral, do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, a saudade é “dolorosa”. Se consultarmos, nesse livro, os textos de nn. 14,47,48, 64, 76, 93, 110, 184, teremos à vista a expressão dolorosa e triste da saudade. Outros autores, seguindo as pegadas de Almeida Garrett, que a definiu como “delicioso pungir de acerbo espinho”, acham-na uma “dor suave” e até uma “lembrança suave e doce”, o que seria uma síntese do elemento eudemônico e do elemento doloroso. Vargas Neto, na quadrinha de n. 48 diz que “não há coisa que mais doa/ que o guascaço da Saudade”. Outros dizem que a Saudade é
Sombra da tarde/ pungente como um gemido” (Ib.47) ou “a Saudade é para mim/ uma estranha dor latente” (Clóvis Ernesto Corrêa, n. 64), “Saudade é sombra que fica/ e tudo a cinza reduz/ palavra que crucifica/ dois entes na mesma cruz” (Colômbia, n. 76); “No coração a flor/ cada saudade é uma dor/ gostosa de se sentir/ só porque é filha do amor...”(Jorge Beltrão, n. 93); “Saudade é tortura imensa/ ou é dor serena e mansa/ pois há saudade descrença/ como há saudade esperança” (Celso de Carvalho, n. 110); “Saudade, uma voz, um canto/ um soluço dentro d’alma/ Dor feliz que tem encanto/ prazer que nos rouba a calma” (Valmirina Correa, n. 184).
Dos textos parece deduzir-se que a saudade, na maneira de entender dos poetas citados, é verdadeiramente dolorosa. Simplesmente há duas maneiras de exprimir esta dor: “dor com esperança” que dá suavidade à lembrança e à vivência; e “dor com desesperança” e com descrença, que é tortura e angústia. Nesta perspectiva, a saudade se torna um misto de amargo e doce, bem definido por Almeida Garrett e repetido por poetas de quadra “Saudade palavra doce” que traduz tanto amargor” (Bastos Tigre n. 25): “há uma pena de amor/ que me faz amargurar” (Sílvio Moreaux).
À vivência dolorosa junta-se a mágoa: “Saudade, saudade é mágoa/ do que se teve e não se tem/ comovida gota de água/ de amor... de algures...de alguém...”(J. M. Coimbra n. 88); “Eu não maldigo a saudade/ que tanta gente maldiz/ Saudade é gota de mágoa/ que faz a gente feliz” (Peri Ogibe Rocha, n. 127); “Saudade, mágoa divina...” (Coelho Neto, n. 246).
Ora parece ser esta solidão, esta mágoa, esta dor, estes ais e suspiros de ausência, que geram a tristeza, elemento bem explicitado nas quadrinhas populares: “A Saudade é a luz da lua/ luz que a tristeza gelou” (Ib. n. 4); “A Saudade é uma tristeza/ que amarga e mil dores tem...”(Juvenal Marques, n. 12); “Se é triste sentir saudade/ muita saudade de alguém/ maior infelicidade/ é não tê-la em ninguém” (Colombina, n. 36); “quanta tristeza em transporte/ quanta saudade incontida/ Viver pensando na morte/ morrer...pensando na vida” (Aderbal Malo, n. 39); “A tristeza da saudade/ era o meu pão sobre a mesa/ Hoje em dia eu sinto apenas/ a saudade da tristeza” (Fernando Peio, n. 315).
Toda a saudade, sendo mais que pura melancolia (tristeza vaga), ultrapassa em âmbito a dialética da melancolia mesma. E não só. A saudade diferencia-se da própria morrinha, na significação utilizada pelo português europeu e pela língua galega, que lhe dão um sentido de tristeza depresssiva. A tristeza saudosa, diferentemente, é sempre alimentada pela imagem de quem estando ausente é causa da mágoa sentida. Ela se realimenta de uma vivência produzida pela ausência mas, ao mesmo tempo, ela vive do desejo de que a ausência da pessoa ou da coisa ausente se torne presença de novo em seu tempo de consciência rememorativa.
De muito interesse, nesta análise do elemento “tristeza”, no contexto da psique saudosa, é o que poderíamos chamar de “tristeza ontológica”. Esta tristeza parece caracterizar-se pela solidão ontológica, como dizem os analistas, nascida das raízes do ser. Não é por isso uma tristeza acidental ou ocasional, e sim uma tristeza que vem do fundo, que nasce de sua singularidade como criatura e hipóstase sui generis, enraizando na própria situação do homem no mundo.
Este tipo de tristeza ontológica podemos encontrá-la, por exemplo no poeta gaúcho Armindo Trevisan, especificamente em seu livro “A surpresa de ser”. Dentro de uma leveza impressionante, o poeta manifesta assim o tom dessa tristeza:
“Existe em mim/ a qualquer hora//uma tristeza/ humilde e calma/ Que a vida pode/ atenuar/ mas não privá-la/ desta graciosa/ fidelidade/ que ela me tem/ uma tristeza que de tão tímida/ Não diz seu nome/ permanecendo/ enrodilhada/ na minh’alma/ como uma gata/ em seu borralho/ uma tristeza/ que vem do ser/ e que não logro saber por que/ não desanima/ de ser tristeza/ mesmo nas horas/ de maior júbilo/ quando minha alma/ é paz e risos! / Oh, sim, existe/ em mim, no fundo/ a nostalgia/ de alguma coisa/ que outrora fui/ e que depois/ deixei de sê-lo/ pois não se explica/ essa tristeza/ que não me dói/ senão por sua simples presença/ Por não estar/ senão em mim/ por existir/ à revelia/ de qualquer dor/ de qualquer ódio/ essa tristeza que é só tristeza/ Que é humilde e calma// que me contempla/ com grandes olhos/ fixos e doces.../ Será preciso/ que um dia a aceite/ pois como pode/ um coração/ se recusar/ a tal ternura/ tão natural e tão gratuita?/ Eu bem quisera/ ser todo alegre/ e não amar/ senão o júbilo/ do mar que escarva/ a noite imensa/ do mundo inteiro/ em frenesi/ Mas é impossível/ ser insensível/ a tão solícita/ melancolia/ que é como o “odor”/ do meu espírito/ em solidão/ inevitável/ E que de pura/ fidelidade/ chega a sorrir-me/ quando estou só./Existe em mim/ a qualquer hora/ uma tristeza/ que é fidelíssima/ e deve ser/ a própria queixa/ do ser que pede/ libertação./ Existe em mim/ algo de tão/ puro e essencial/ que só me resta/ ser tão humano/...



João Ferreira
Brasília, 1968
Texto revisto e republicado em 2007
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