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Ensaios-->A VIDA PASSADA A LIMPO - Drummond -- 25/05/2007 - 17:15 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A VIDA PASSADA A LIMPO – um livro de poesia de Carlos Drummond de Andrade

João Ferreira
24 de maio de 2007


Dada a freqüência com que muitos estudantes universitários de Literatura Brasileira visitam meu cantinho no site da Usinadeletras, vou dedicar hoje uma pequena nota sobre o livro de poesia drummondiana “A vida passada a limpo”. É um livro publicado em 1959, composto por 22 poemas que vamos tentar explorar em parte.
Antes porém de apresentar os resultados de minha leitura sobre “A vida passada a limpo”, acho oportuno fazer algumas considerações gerais sobre a poesia de Drummond, para melhor entendimento do que é ou não é específico em “A vida passada a limpo”.
Carlos Drummond de Andrade é um belo exemplo para mostrar como a poesia, além de arte poética ou literária, pode ser também uma ideologia, uma filosofia, uma sociologia e até uma visão de mundo.
A poesia como expressão vem de uma mente que a produz, a concebe, a organiza, a elabora e a produz. Ela nasce pronta com o discurso carregado de mensagem. Mensagem, que, quando se trata de Drummond, acreditamos seja portadora de uma visão de mundo positiva e redentora. Pelo menos, em princípio, embora nem sempre aconteça. Para entendermos melhor Drummond no contexto de sua produção, deveremos saber que em sua existência atravessou períodos de grande transformação política e ideológica, no Brasil e no mundo, com destaque para o marxismo, a fenomenologia, a psicanálise, e o existencialismo. Por ser um homem preocupado com a visão humanista do ser humano, estas teorias entram certamente na formulação da ideologia presente em sua obra literária. Drummond nunca pôde desprender-se da intimidade que tinha com a ideologia política que sempre acompanhou nem das grandes realidades humanas que fazem o existir e dão o tom ao tempo em que se exerça a vida.



A poesia drummondiana não tem uma face única

A primeira observação pertinente é a de que a poesia drummondiana não tem uma face única. Nas obras de arte é mais fácil encontrar uma polifonia do que uma linha melódica única. Isto porque a vida literária de um escritor atravessa vários tempos e muitas circunstâncias e é natural que se caracterize por passos distintos nas várias fases da existência. Não vá, por isso, o leitor, esperar um rosto único na prospecção de leitura da poesia de Drummond.
Para entendermos melhor este problema, seria bom refletirmos sobre o que aconteceu com a produção poética de Fernando Pessoa.O autor de “Ode Triunfal” explicou para seus leitores a problemática e a construção de autoria em seus poemas. Fernando Pessoa propositalmente estabeleceu e explicou as diferenças da criação poética de sua poesia criando heterônimos. Entre os heterônimos mais importantes contam-se Fernando Pessoa ele mesmo, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alexander Search, além de outros heterônimos para outros gêneros literários, como Antônio Mora apontado como autor do Livro do Desassossego.
No caso de Drummond, mesmo que não se verifique uma história formal de criação através de heterônimos que representem vias estéticas ou personas distintas, há todavia modos, técnicas, mensagens e variações que nos levam a vários rostos de Drummond. Apesar de não haver propriamente uma variação heteronímica que explique a múltipla e diversa criação poética, ou as variadas visões de mundo, há apesar de tudo refrações nítidas na obra. Isto fica patente nas várias temáticas, nos vários estilos e visões de mundo.. Há um visível e determinante Carlos Drummond de Andrade ideologizado e engajado, mas há também outros Drummonds em fases diferentes desprendidos e recolhidos ao seu eu individual, sem as luzes da ribalta ideológica. Isso faz que sua poesia seja muito desigual. Tem grandes poemas que fazem dele um dos maiores poetas brasileiros e tem poemas do quotidiano, produzidos casualmente e por circunstância, sem a elevação especial de um grande poeta. Os muitos ângulos, as muitas variações, as muitas almas de visão e criação, são por outro lado, uma riqueza enorme que fazem deste mineiro de Itabira uma excepcional presença na literatura brasileira.

Os Poemas de A Vida passada a limpo

Os poemas deste livro estão catalogados como pertencentes a uma fase de maturidade estética de Drummond. Segundo alguns autores, o livro “A Vida passada a limpo”, além de uma visão de mundo específica no panorama da mundividência drummondiana, proporciona a leitura de peças poéticas com alguns momentos de profunda reflexão e plenitude poética em Drummond.
A obra abre com o poema “Nudez” e fecha com “A um hotel em demolição”. Em seu conjunto, a obra contém, de um lado, composições inteiramente clássicas, em técnica e forma versificatória, incluindo rima e ritmo clássico, e de outro, versos livres e até vestígios de composições futuristas. No primeiro caso temos os sonetos Ar, Instante, Os poderes infernais, Leão marinho, A um morto da Índia, Sonetos do passado, Especulações em torno da palavra homem. No segundo caso, registramos poemas de composição livre, bem variada, por vezes bem original. Entre eles, temos: Nudez, Prece de mineiro no Rio. As temáticas são variadas. Algumas delas circunstanciais como o poema “A Goeldi”.

O soneto “A vida passada a limpo”, mote da obra

É natural que o leitor queira saber os motivos que levaram Drummond a escolher este título que pode ser presumivelmente uma tese importante incrustada na intencionalidade artística do livro.
Para tentar desvendar esta charada parece ser natural que o leitor se dirija ao grande pórtico que é o soneto selecionado para servir de chamariz no título da obra: o soneto “A vida passada a limpo”.
È dever do leitor para chegar à mensagem fazer uma leitura bem atenta. Uma primeira leitura espontânea, bem à vontade. E depois retornar, pesando palavras, passos, interstícios, mensagens, linguagens, sentidos. Fazer o caminho da leitura, traçando rotas, como os cocheiros que no tempo imperial, faziam percursos de diligência de Ouro Preto ao Rio de janeiro. Caminhos. É possível pela leitura atenta descobrir um agente nuclear que vai tocar e sensibilizar o eu poético. É a “esplêndida lua debruçada sobre Joaquim Nabuco, 81”. Uma “esplêndida lua” que bate não apenas na fachada da casa e no quarto de dormir, mas que “baixa um vago” no poeta “onde nenhum halo humano ou divino fez pousada”. Uma “esplêndida lua” que penetra a alam do Poeta qual lâmina de Ogum. Uma invasão com algum sentido de revolução, pois faz uma limpeza nos resíduos e vozes e que passa a representar uma “flor surpresa” substituindo a cor sinistra que havia. E é esse “vago que toca o poeta, agora flor surpresa, que “já não destila mágoa nem furor:/fruto de aceitação da natureza,/essa alvura de morte lembra amor.”
Não é um soneto otimista, sabemos. Seria muito pedir um soneto otimista a Drummond. Mas é um soneto representativo, que traz para os leitores uma mensagem da alma poética de Drummond nos idos da década de 59, anos pesados da crítica existencialista européia, ainda ensombrada pela meditação trágica da segunda guerra mundial que a massacrou. Parece que apesar de não ser otimista, este soneto entrega um mensagem que aceita a natureza alvar da lua, sem mágoa e sem revolta. Uma “alvura de morte” que “lembra amor”.
Para ficarmos com o entendimento voltado para a mensagem essencial é importante não nos desprendermos do “vago” presente no espírito do poeta na hora em que a “esplêndida lua o visita: “Baixas a um vago em mim, onde nenhum halo humano ou divino fez pousada”. É meio dramática sta confissão. Mas é a confissão de um espírito “em desamparo” ( a tese do desamparo é de essência existencialista sartreana). Este desamparo humano e divino mostra que Drummond como o homem de sentido e pensamento existencialista é apenas um Dasein, um “ser que está aí”, jogado na existência, um “um ser para a morte”. E a lua, alva, “esplêndida” tem uma “alvura de morte” que lembra o amor! Soneto com aquelas características frias de Drummond: ceticismo, materialismo, melancolia, ausência de transcendência e de esperança. !Uma vida passada a limpo” que é uma vida triste, em abandono existencial. Um sinal de carência, de evanescência e de precariedade! Características que o distanciam de alguma maneira do pensamento cultural de hoje.

A melancolia e o ceticismo como temas nucleares da obra

“Que sentimento vive, e já prospera/cavando em nós a terra necessária/ para se sepultar à moda austera/ de quem vive sua morte”? Do poema “Nudez”.
“Jamais ousei cantar algo da vida:/se o canto sai da boca ensimesmada,/ é porque a brisa que o trouxe e o leva a brisa,/ nem sabe a planta o vento que a visita” (Poema “Nudez”).

Os críticos drummondianos não deixam de sublinhar a tônica melancólica de grande parte da poesia do poeta de Itabira. À melancolia podemos acrescentar o ceticismo. Os poemas “Nudez, Leão Marinho, Inquérito e Ciência ajudam a perceber esta dimensão da poesia de “A vida passada a limpo”.
O poema “Nudez” reproduz as inquietações existenciais expandidas nos livros de maior expressão nos meados do século passado na Europa. É o tempo exato em que dominavam na França as teses de Jean Paul Sartre, Merleau Ponty, Albert Camus e Simone de Beauvoir e na Alemanha o pontificado das doutrinas existenciais de Martin Heidegger e de Karl Jaspers, acompanhadas de perto pelas doutrinas de Kierkegaard percurso do existencialismo. O poema “Nudez” de Drummond avança para a plena realização das teses existencialistas de espelho sartreano. Em sua essência, essas teses diziam alto e bom som que “O homem é um ser para a morte”. Que é um ser condenado à morte. Drummond espelha essa ideologia. O poema “Nudez” já se inicia fechado: “Não cantarei amores que não tenho e, quando tive não celebrei”[...]Não cantarei o riso que não rira e que, se risse, ofertaria a pobres”[...] “jamais ousei cantar algo da vida/ se o canto sai da boca ensimesmada/ é porque a brisa o trouxe e o leva a brisa, nem sabe a planta o vento que a visita”. O poeta canta um canto existencial triste, melancólico, cético, desesperançado. “Que sentimento vive e já prospera/ cavando em nós a terra necessária/ para se sepultar à moda austera de quem vive sua morte?”[...]. Drummond não canta a vida. Acredita que há pouco conhecimento da vida humana em si ( “além da pobre área de luz da nossa geometria ”[...] “a morte sem os mortos; a perfeita anulação do tempo em tempos vários, essa nudez enfim, além dos corpos, a modelar campina no vazio da alma, que é apenas a alma e se dissolve”. O desenrolar do discurso poético em “Nudez” deixa evidenciada a ideologia do homem “como ser condenado à morte”, sem lampejos de esperança e de transcendência. E também sem alternativas de redenção pela inteligência, pelo desenvolvimento, pelo quer que seja! É uma enunciação materialista, cética, existencialista e melancólica. Um Drummond carregando a sua poesia de existencialismo melancólico, e cético apoiando-se perceptivamente no desamparo ontológico monadologicamente fechado e deprimido em caminhada para a morte.
O poema “Inquérito” está na mesma linha. Desenrola-se na base de perguntas: perguntas que contêm já a priori as próprias respostas em hipóteses fechadas. Um inquérito bem especial, fabricado em oficina interior própria, que não abre para o “outro” na demanda de respostas abertas. É um inquérito que não espera nada de diferente além do que já tem como resposta fechada e determinista. “Pergunta aos pássaros cativos do sol e do espaço”[...],”pergunta às coisas impregnadas de sono que precede a vida e a consuma sem que a vigília intermédia as liberte e faça conhecedoras de si mesmas[...]” “pergunta aos hortos que segredo de clepsidra, areia e carocha, se foi desenrolando lento...”[...], ‘pergunta ao que não sendo, resta perfilado à porta do tempo, aguardando vez de possível; pergunta ao vago sem propósito de captar maiores certezas além da vaporosa calma que uma presença imaginária dá aos quartos do coração.” Quando no último verso o poema se fecha com um autoritário: “A ti mesmo nada perguntes”, o leitor se apercebe que na visão do poeta, o eu humano vive num mundo feito, fatalista, fechado, sem diálogo e sem esperança. Por essa e outras razões, “Inquérito” por ser um poema profundo e muito metafísico, vem reforçar o fundo existencialista e inapelável que este livro confere ao ser humano, dentro a ideologia e filosofia do Poeta, seu autor.
O terceiro poema que interessa analisar dentro da tese da melancolia existencial é o poema Leão Marinho. O discurso de Drummond mostra-nos a sensação poética de um mundo medido, exato, feito, que não deixa margem para a poesia sonhadora animada pela metáfora que é normalmente a deusa criadora dos poetas. Neste poema, Drummond é taxativo: (“É o louco leão marinho, que pervaga/ em busca sem saber, como da terra/(quando a vida nos dói, de tão exata)/nos lançamos a um mar que não existe/ A doçura do monstro, oclusa, à espera.../ Um leão-marinho brinca em nós, e é triste”. Incrivelmente u poeta, triste, ocluso. fechado que a meditar impressionado na imagem do leão-marinho exclui o próprio sonho e a dimensão da fantasia, mergulhando cheio de melancolia na latitude limitada da terra, sem que a imaginação criadora o alente na sua grandeza de poeta. Drummond corta o sonho e aparece como um poeta-oprimido descrente da utopia que a própria poesia alimenta na terra! acreditar no próprio ofício!
Se passarmos dos três poemas analisados e lermos o poema “ciência”, continuaremos a verificar a dominância do sentimento melancólico de evanescência que mostra o poeta nesta época, a pouca distância da já passada metade do século XX: “Começo a distinguir um sonilho, se tanto, de ruga./E a esmerilhar a graça da vida, em sua fuga”. Na tônica existencial de Inquérito.

A temática do amor

A dimensão do livro drummondiano alarga quando chegamos à temática do amor. Quatro poemas especificamente representam a obra em análise no que se refere à questão do Amor. São eles:Instante, Os poderes infernais, Sonetos do pássaro e Véspera.
No soneto “Instante” se narra e canta o instante em que numa sucessão temporal e real o amor vira semente, dia nascendo, promessa, desilusão, prazer culminando depois no momento em que precariamente desata, foge e some como o vento.
“Os poderes infernais” são outro soneto importante. Ele exprime um tipo de amor profundo e misterioso ( aquele amor “que faísca na medula), mas que jamais se realiza. Um amor de dentro, soturno (que “abre na escuridão sua quermesse), problematizante. Um amor faminto em suas entranhas mas que não consegue buscar sua realização. Um amor clamoroso mas retorcido e sofredor que não ousa pedir, solicitar,abrir-se, que se paralisa a si mesmo. Um amor tecido por aranha invisível. Amor de um lobo triste. que “quando eu secar, ele estará vivendo. Já não vive de mim, nele é que existe”. Um amor em si, auto-sustentante, dramático, pessoal, parado e paralisante (“o que sou, o que sobro, esmigalhado/ O meu amor é tudo que, morrendo/ não morre todo e fica no ar, parado.”
Um soneto muito profundo, muito dramático com muita verdade poética e humana.
Os “sonetos do pássaro” são dois. No primeiro soneto, Drummond tece uma habilidosa epopéia poética do amor, em toda a sua grandeza, em suas limitações humanas e em sua transcendência metafísica. Abrindo o soneto, a tese é que “amar um passarinho é coisa louca” . Trabalha a grandeza e a dinâmica do amor, mas entra imediatamente na problemática da entrega (amor meação? Pecúlio? Esmola?). “Uma necessidade urgente e rouca”/e no amor nos amarmos se desola/ em cada beijo que não sai da boca.” Nos dois últimos tercetos, há ato de amor bem conseguido e a sobra do poder do pássaro para outros romances. Para o poeta ser pássaro é mais do que cantar: “Por mais que amor transite ou que se negue/ é canto(não é ave) sua essência. A grandeza do pássaro com asas é maior do que a do pássaro já submisso e baixado ao nosso alcance. Um soneto romântico, raciocinado e perspectivante. O segundo soneto: “Batem as asas? Rosa aberta, a saia esculpe no seu giro, o corpo leve/ Entre músculos suaves, uma alfaia,/selada, tremeluz à vista breve”, é um soneto sensual, com um certo tom descritivo. Um soneto, mais do que tudo, de entrega e de prazer.
O quarto poema respeitante ao amor e que convém apresentar é “Véspera”. É um poema apresentado em treze quadras.Poema estruturado em rima clássica, fluindo em bom ritmo, dialogante: “Amor, em teu regaço as formas sonham o instante de existir: ainda é bem cedo para acordar sofrer. Nem se conhecem os que se destruirão em teu bruxedo.” Em seu conjunto, o poema é um diálogo do poeta com Cupido ou seja, com o deus do amor. Retrata-se o inconsciente inicial do amor, os presságios, o disfarce, as táticas amorosas, os beijos, os namoros, o divertimento, a entrega. “Assim teus namorados se prospectam: um é mina do outro; e não se esgota esse ouro surpreendido nas cavernas de que o instinto possui a esquiva rota”. Texto sereno e perspicaz, mas sempre com a marca drummondiana do alerta pessimista: “Não ensaies demais as tuas vítimas – diz para o Amor[Cupido] – ó amor, deixa em paz os namorados. Eles guardam em si, coral sem ritmo, os infernos futuros e passados”.


João Ferreira
25 de maio de 2007
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