As artes praticadas cá no Etéreo
Parecem, muitas vezes, co’as da Terra.
A prosa é a mais comum, que assunto sério
Encontra cabedal onde se encerra.
P’ra tema em que se exige bom mistério,
Os versos servem bem, em doce guerra,
Que o sentimento n’arte sempre alcança
Dar a todas as almas esperança.
Não quero estimular o meu leitor
A ver em mim um novo e bom Camões.
Se venho alguma oitava aqui compor,
Não faço p’ra causar tais ilusões.
Esteja bom o verso, quanto for,
Há sempre de se acharem os senões,
Pois a composição serve de entrave,
Se o tema for pretensamente grave.
Vou começar, assim, muito de leve,
Pois sinto que há temor solto no ar.
Faz tempo já que o médium nosso escreve
E não irei dizer que devagar,
Mas nada existe aqui que logo o enleve,
Porquanto não consegue aquilatar.
Coloca-se de lado, enquanto dito,
Estando o coração bastante aflito.
Os versos que deseja receber
Estão bastante acima dos que faço.
Que pena não ter eu esse poder,
Para ocupar melhor o nobre espaço.
Mas vou cumprindo com o meu dever,
Sentindo o peso grave no cachaço
De responder aos pontos da Doutrina,
Conforme as leis que o Mestre nos ensina.
Ainda bem que estou vencendo a rima,
Em métrica perfeita para os versos.
É um bom começo que o encarnado estima,
Quando os labores são incontroversos.
Suor e lágrimas o amor sublima,
Tornando os temas vis menos perversos,
Pois tudo o que se faz de coração
É gérmen para os bens que brotarão.
Nesta poesia cabem bons conselhos,
Pois as virtudes geram compromisso.
Não há falar de novos Evangelhos,
Sem prometer prestar muito serviço.
Estando as leis nos outros, os mais velhos,
É hora de se estar bem certo disso.
Irei pôr mãos à obra com vigor,
Que o tempo que perder não sei repor.
Não posso prometer que tudo faça,
Mas posso dar de mim, sem ter usura.
Não tomem, por favor, mel com cachaça,
Nem pensem ser melhor tomá-la pura.
O caro amigo aceita ou bem rechaça
A idéia, porque a pinga sempre cura
Os males que atormentam sua alma,
Porquanto, entorpecida, mais se acalma?
Mas, ao voltar a si, novo tormento
Se acrescenta aos temores da consciência.
Talvez lhe passe até no pensamento
Não existir remédio, na ciência,
Para curar o mal do sentimento,
Quando a bebida apaga a refulgência
Do amor do Pai por toda a sua gente,
Que, sóbrio, o gajo nega, mas pressente...
Eis uma amostra do que seja a trova
Com que pretendo contemplar o povo.
Um tanto alegre, que a alegria prova
Que, no meu galho, nasce algum renovo,
Já que cansei de dar tremenda sova
E de sofrer revide aqui, de novo.
Quando nada se tem a oferecer,
Não se pode almejar a bem-querer.
A Deus eu peço, agora, que perdoe
O atrevimento rude do meu verso,
E que nos ame a todos e abençoe,
Embora o seu rebanho vá disperso.
Ainda que o poema jamais soe,
Pois estas armas, sem vigor, eu terço,
Ponha, Senhor, um átimo de luz,
P’ra que se lembre a gente de Jesus.
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