Amado Titio:
Não posso deixar de esclarecer, desde logo, que a predileção é válida para a minha derradeira passagem pelo orbe, quando só o Senhor, meu Amigo Anael, era irmão de mamãe, não existindo outro parente de mesma ordem na família de papai.
Essa explicação decorre da necessidade de se afirmar, Caro Titio, que é assim que nós chamamos cá no etéreo aos irmãos que se apresentam para o nosso respeito como entidades mais antigas e melhor dotadas de sabedoria. É exatamente como se passa aí entre os mais novos, que estão sendo acostumados a tratar os mais velhos de tios e tias, o que, sabemos, não é do agrado de muitos, que não gostariam de possuir tais ou quais sobrinhos.
Pode parecer boba esta exposição, mas o meu fito é o de enaltecer a benquerença que se estimula entre tios e sobrinhos, como entre nós dois, quando o Senhor me carregava sobre os ombros, de cavalinho, num afeto inolvidável e saudoso.
Eis meu preito de profundo amor por uma lembrança fugidia da infância, agora que estou tendo oportunidade de aprender muitas coisas capazes de solucionar alguns problemas deste relacionamento, que findou com a minha partida para cá. O que estou desejoso de requerer ao meu velho Anael é que jamais perca o prazer da ventura de levar pela vida afora quantos sobrinhos se apresentarem como tal, colocando-os sobre os ombros e indo com eles comprar um doce ou um sorvete, uma guloseima qualquer que selará em definitivo esse relacionamento entre as idades.
Quem sabe o exemplo frutifique e o mundo possa recordar-se dos momentos de alegria pueril, ao invés de se magoar com os traumas dolorosos da maldade, desequilíbrio certo para a vida adulta, para o desconto ou a descompensação dos enredos infelizes.
Até mais ver, impávida criatura, que soube lavar a alma com as lágrimas da esperança, pela fé na misericórdia do Pai. Queira aceitar este meu reverente pedido:
- A bênção, tio!
Parece até que lhe ouço a resposta:
- Deus abençoe a todos nós!
|