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Ensaios-->URARICOERA. ANÁLISE LITERÁRIA E COMENTÁRIO -- 20/03/2009 - 15:31 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
URARICOERA. O RETORNO DE MACUNAIMA À TERRA DE ORIGEM E AS PERIPÉCIAS MIRABOLANTES DA ESTADIA E TRAVESSIA
João Ferreira
2009
1 – A TERRA NATAL
Uraricoera é o nome de um rio brasileiro no Estado de Roraima. Macunaíma nasceu aqui, segundo testemunho dado pelo próprio Mário de Andrade no capítulo I: “Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera que a índia tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma” [...] “Já na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro passou mais de seis anos não falando. Si o incitavam a falar exclamava:
-Ai! Que preguiça! “
2 – ORIGEM DA PALAVRA URARICOERA
Segundo alguns autores, Uraricoera vem de “urari” que em lingua indígena local significa veneno e “coera”, ou “kuera”, que, em guarani, significa curar-se. A partir desta significação, é legítimo pensar que o rio Uraricoera deve ter sido apelidado assim pelo fato de as populações indígenas locais acreditarem que as águas do rio tinham poder para livrar as pessoas de algum veneno.
No livro “Macunaíma” de Mário de Andrade, o capítulo XVI é intitulado e inteiramente dedicado a Uraricoera, “o rio dos murmurejos” em cujo clima e proximidade o herói nasceu.
3 – RETORNO E PERIPÉCIAS
Na verdade, a narrativa do capítulo pode ser resumida numa simples frase: “Uraricoera. O retorno de Macunaíma à terra de origem e as peripécias mirabolantes da travessia!”.
Nem mais nem menos. Temos a terra de nascimento de Macunaíma e as peripécias. O capítulo fixa-se em Uraricoera mas Uraricoera é apenas a continuação da travessia e da peregrinação que o grupo familiar de Macunaíma vem fazendo pelo mato-virgem das terras brasileiras, araguaianas e também brasileiras, no capítulo XV.
Mudando a página, temos agora o capítulo XVI: “No outro dia atingiram as cabeceiras dum rio e escutaram perto o ruidejar do Uraricoera.Era ali” ( Ib. 147).
4- OS PERSONAGENS DA TTRAVESSIA E DAS PERIPÉCIAS
Os personagens do grupo familiar apostado na travessia e nas peripécias são: em primeiro lugar, o herói Macunaíma; depois vêm os irmãos Maanape e Jiguê e a Linda Iriqui, mulher de Jiguê e cunhada de Macunaíma.
5- AS PERIPÉCIAS EM ESPÉCIE
Instalados no novo espaço na tapera que encontraram no mato virgem, ouviram “ um passarinho serigaita trepado na manguba”(147) e esse recado do passarinho vai iniciar uma série de peripécias que caracterizam esta narrativa singular e levá-los à continuação da travessia. O grupo é constituído por gente do mato. A norma fundamental de um matuto é sobreviver. Para isso Macunaíma e familiares terão de satisfazer os impulsos biológicos ditados pela fome. Terão de caçar e pescar e buscar a cada instante comida natural numa selva agreste, além de terem de lutar com sábia disposição contra as doenças que surgem no mato: zamparina, paludismo, lepra e outras mais. Havia ervas com propriedades farmacêuticas, mas haveria que conhecê-las e saber usá-las: maniveira, cabeça de anhuma, etc.
5- AS VIAS EXISTENCIAIS DO MÁGICO E DO FANTÁSTICO
Mas para sobreviver não é apenas necessário caçar, pescar e garantir a comida. É sobretudo necessária a imaginação criadora, a busca da magia, do maravilhoso, do mundo da fantasia, da maneira sublime que o humano tem para sobrepor-se e se iludir diante das dificuldades e fatalismos da vida. O capítulo Uraricoera mostra tudo isso. O “passarinho serigaita trepado na manguba” abre caminho e lá vão os quatro passando pelo forte de São Joaquim, com o “cerro manso” já à vista, seguindo adiante atravessando o lugar de Pai da Tocandeira e logo o pauê com suas vitóras-régias e outras espécies. A seguir, o bebedouro da anta, o roçado velho e a velha maloca que tinha virado tapera. Macunaíma na volta à terra natal se emociona com que vê e com o que sente. “Chorou”! Resolveram pousar ali: “abicaram e entram na tapera”(147).
Com a tapera como referência de precária estabilidade, a narrativa ganha contornos referenciais. Num clima de sobrevivência real, há que buscar comida. Aproximando-se a noite, Maanape e Jiguê resolveram fazer uma facheada, uma pesca à luz de fachos, a ver se pegavam algum peixe para comerem. Iriqui tentou encontrar alguma fruta silvestre. Macunaíma preferiu descansar. Na hora em que descansava chegou a ele o velho João Ramalho, personagem do mato com 15 “famílias de escadinha”.
6- AVENTURA, VIDA NÔMADE E BUSCA DA CONSCIÊNCIA DE MACUNAÍMA
Dali, a nômade família Macunaíma prosseguiu a travessia “buscando novos pagos sem ninguém”(148). Ao outro dia “foram todos trabucar”. Com base em distribuição de tarefas, cada um foi para seu lado: “A princesa foi no roçado, Maanape foi no mato e Jiguê foi no rio.”(148). “Macunaíma se desculpou, subiu na montaria e deu uma chegadinha até a boca do rio Negro para buscar a consciência deixada na ilha de Marapatá. Jacaré achou? Nem ele. Então o herói pegou na consciência dum hispano-americano e botou na cabeça e se deu bem da mesma forma”(148).
7- OS SUPER-PODERES DA MAGIA
Fazendo uma pausa crítica neste passo da narrativa, observamos que a independência e as relações do grupo familiar se sustenta graças a poderes infinitos e decisões autônomas e poderosas da vontade que nos colocam nos pinos da magia e do realismo mágico. A magia e a imaginação criadora passa a revestir e a caracterizar os atos dos personagens deste livro de Mário de Andrade. Do capítulo Uraricoera, em especial. Difícil seria por isso prosseguir sem que antes tentássemos buscar o motor que dinamiza e tudo explica nos comportamentos e nas forças sobrenaturais e fantásticas dos personagens de Macunaíma. Neste jogo não há espaços geométricos aprisionantes. De outro lado, os lugares na narrativa tornam-se mais rigorosamente pousos, passagens, liberdades, levezas migratórias do que espaços materiais. Só para exemplificar, verificamos, de repente, que Macunaíma está na boca do Rio Negro para buscar a consciência deixada na ilha de Marapatá. É isto que diz o texto. Mas, distraído que era, quando pescava jaraqui deu conta que não estava mais na boca do Rio Negro e sim em Óbidos. Ora esta verificação tem incidência direta na narrativa. Como acabara de fazer uma pesca surpreendente em Óbidos, no momento em que “passava uma piracema de jaraquis”, decidiu jogar todo o peixe fora com medo que a sentença “quem come jaraqui fica aqui” caísse sobre ele. Teve medo de ficar em Óbidos e se desfez da pesca. Voltou então para o Uraricoera. Deitou-se na sombra de uma ingazeira.
O grupo continuou na tapera, fazendo ali seu dia a dia. A luta era a sobrevivência. Caça e pesca. Uma verdadeira competição entre irmãos. Manhas, desconfianças, truques, surpresas, ódios, busca de vantagens, mentiras. É neste clima que se geram situações insólitas, sustentadas poderes mágicos e sobrenaturais inexplicáveis. Desconfiados uns dos outros, em competição, todos agiam para ver quem inventava artes de ter caça e pesca abundante! Macunaíma, que ficava sempre na espera, para dormir, malandrear e comer de graça, tentava encobrir sua falta de disposição e dizia: “Eu caço porém não acho nada não. Jiguê nem caça nem pesca, passa o dia dormindo”(149). Estas palavras malandras tinham endereço certo. E provocaram raiva em Jiguê. Precisamente no momento em que este estava encontrando pouca caça e pouco peixe.
O que é importante é que esta provocação vai gerar na narrativa uma quantidade de situações fantásticas que mostram a capacidade inventiva e criadora do autor e o colocam entre os autores mais importantes do realismo mágico na América latina.Estas situações fantásticas vão desde a utilização de poderes mágicos de feitiçaria, até objetos encantados e mágicos que encarnam poderes extraordinários capazes de fazerem superar situações de carência, dificuldade e impossibilidade.
8 – SITUAÇÕES MÁGICAS E FANTÁSTICAS EM URARICOERA
Falando mais concretamente das situações apresentadas pela narrativa em Uraricoera, cumpre fazer um levantamento das principais situações mágicas e fantásticas e mostrar a corrida dos contrários, entre raivas e ciúmes, preguiça, esperteza, simulação e inteligência de Macunaíma procurando aproveitar-se das iniciativas de seu irmão Jiguê.
9 – A CABAÇA ENCANTADA DO FEITICEIRO TZALÓ
No afã de buscar comida abundante e superar a carência que se fazia sentir, Jiguê roubou a cabaça encantada do feiticeiro Tzaló, “que tem uma perna só”, feita com metade duma casca de jerimum (149) para pescar grande quantidade de peixe e deslumbrar os manos.
Isto levou Macunaíma a desconfiar(149).
10 – TRUQUES DE MACUNAÍMA COMO RESPOSTA AO COMPORTAMENTO DE JIGUÊ
Macunaíma espiou Jiguê e descobriu que ele tinha pescado com a cabaça encantada do catimbozeiro Tzaló. Foi atrás, encontrou a cabaça escondida, pegou-a e foi pescar, pescando muito peixe.
A partir daqui a narrativa desdobra-se em múltiplos capítulos que são outras tantas peripécias.
11 – AS METAMORFOSES MÁGICAS E FANTÁSTICAS DA CABAÇA ENCANTADA
Caindo das mãos de Macunaíma, a cabaça foi bater numa lapa e mergulhou no rio.
-Pirandira Padzá passando por ali achando que era abóbora enguliu a cabaça (149).
Macunaíma contou a história na tapera. Para provocar, acusou Jiguê de ficar dormindo e atrapalhando os outros. Jiguê teve raiva.
A uma pergunta de Jiguê sobre o que tinha feito naquele dia, Macunaíma respondeu:
“Cacei viado”(150).
Esta resposta vai gerar lances imprevistos na narrativa e no comportamento dos personagens.
Ao pronunciar tal frase, Macunaíma inventa e alonga a imaginação: “-Comi, uai! Fui andando por um caminho, vai, topei rasto dum...catingueiro não era não mas era mateiro. Me agachei e fui no rasto. Olhando, olhando, sabe, dei uma cabeçada numa coisa mole, que engraçado! Sabem o que era? Pois a bunda do viado, gente”(Macunaíma deu uma grande gargalhada.) Viado perguntou pra mim: Que está fazendo aí, parente?- Te campeando, secundei! E vai matei o catingueiro que comi com tripa e tudo. Vinha trazendo um naco pra vocês, vai escorreguei atravessando o ipu, dei um tombo, naco foi parar longe e tanajura sujou nele. A peta era tamanha que Maanape desconfiou” (150).
12 – AS LOROTAS DE MACUNAÍMA DESMASCARADAS PELO MANO MAANAPE FEITICEIRO
A técnica narrativa muda aqui o rumo dos acontecimentos. Maanape desconfiou. Por isso, na qualidade de feiticeiro chegou junto de Macunaíma e apertou o mano com perguntas. Terminou por obter a confissão que queria. O herói cedeu e disse que tinha contado lorota.
13- JIGUÊ ROUBA A VIOLINHA ENCANTADA DO FEITICEIRO CAICÃE E CONSEGUE COM ELA CAÇA ABUNDANTE
Jiguê por sua vez não se deu por vencido. Tentou novos feitos para contra-atacar as espertezas de Macunaíma. Desta vez, conheceu o tatu-canastra feiticeiro, chamado Caicãe que sentado na porta da toca puxou da violinha dele feita com a outra metade da abóbora encantada e agarrou cantando assim: “Vôte vôte coandu/Vôte vôte quati/vôte vôte taiaçu/Vôte vôte pacari/vôte vôte canguçu”! Com esta canção Caicãe pegou muita caça. Muito atento ao que tinha acontecido, Jiguê reparou que Caicãe tinham atirado a violinha por ali. Então Jiguê não se fez esperar. Foi e roubou a violinha do feiticeiro Caicãe. Repetiu a canção do feiticeiro e arrumou “um dilúvio” de caça que levou para a tapera, escondendo a violinha.151. Espanto de todos.

14- MACUNAÍMA DESCONFIADO VIGIA JIGUÊ, DESCOBRE A VIOLINHA ENCANTADA E PROPORCIONA NOVAS CENAS DE MAGIA FANTÁSTICA
Macunaíma tornou a desconfiar. 150. Vigiou Jiguê, descobriu a violinha e conseguiu uma enorme quantidade de caça. 151. O herói teve medo daquela bicharada toda e correu para a tapera, chegando com os bofes de fora. 151. Na corrida a violinha caiu no dente de um queixada e se partiu em dez vezes dez pedaços que os bichos enguliram 151.
Joguê teve ódio e falou: -Agora que não caço nem pesco mais. 151
Mas vem de novo a fome. 151. Jiguê não ligou. O herói jurou vingança. 151

15 – A HISTÓRIA DO ANZOL ENFEITIÇADO
Macunaíma “fingiu um anzol com presa de sucuri e falou pro feitiço: - Anzol de mentira, si mano Jiguê vier experimentar você, entra na mão dele” 151. Esta foi a palavra do feitiço jogado mo anzol. E como a fome estava apertando de novo na tapera, Jiguê simploriamente perguntou a Macunaima se o anzol estava bom. O autor da cilada enfeitiçada limitou-se a responder que sim: “Xispeteó!!!”151
Aconteceu então que mordido pela fome, Jigué foi pescar com o anzol enfeitiçado. Porém, ao querer experimentar se o anzol estava bom mesmo, fez a experiência na palma da mão e o dente de sucuri entrou na sua pele inoculando o veneno da cobra! Jiguê tentou remédios naturais do mato mas estes não resolveram.152
-Então foi buscar cabeça de anhuma que fora encostada em picada de cobra. Pôs na mão mas não valeu nada. Virou ferida leprosa. 152. E começou a comer Jiguê: um braço, depois metade do corpo, as pernas, a outra metade do corpo, o pescoço e a cabeça.
15 A SOMBRA DE JIGUÊ E AS EXPERIÊNCIAS MÁGICAS DA SOMBRA
A ferida leprosa comeu todo o corpo de Jiguê. Só ficou a sombra. 152
A princesa teve ódio. 152. Nervosa falou pra sombra:
-Quando o herói for passear de fome você vira num cajueiro numa bananeira e num churrasco de viado. 152
A “sombra era envenenada por causa da lepra e a princesa queria matar Macunaíma” 152. Ao outro dia, o herói acordou com muita fome e foi passear. Aconteceu então que topou com um cajueiro cheio de frutas. Descobriu nele a sombra leprosa e passou adiante. Mas já vesgo de fome, topou a bananeira. Não viu bem, não resistiu e comeu. Era a sombra leprosa de Jiguê. Macunaíma ia morrer. “Então se lembrou de passar a doença para os outros para não morrer sozinho” 152
Passou a sombra leprosa para as formigas, para todas as espécies de formigas. Já sem forças, ficou moribundo. 153. Passou a doença para o mosquito birigui 153
Passou a lepra para sete outras gentes e com saúde razoável voltou pra tapera 153
16 – LUTA IMAGINATIVA ENTRE A SOMBRA DE JIGUÊ E MACUNAÍMA
A sombra de Jiguê percebe que o herói era muito inteligente. 153. Desesperada quer voltar para o seio da família. Já de noite junto da tapera, berrou:
-Foguinho cunhada princesa.
Maanape mordido pelo barbeiro fica molengo também.
17 – VINGANÇA DA SOMBRA DE JIGUÊ SOBRE MACUNAÍMA ATRAVÉS DE PERIPÉCIAS MÁGICAS
A sombra aproveitando a luz de Capei pôde chegar à tapera. Esperou o dia pra se vingar do mano.
Descuidado, sem sentir a presença da sombra, Macunaíma foi passear. Ao passar pela porta, a sombra montou no ombro dele. 153. Cheio de fome, a sombra não deixava ele comer. Tudo o que Macunaíma pegava ela engulia 153. Então Macunaíma foi pescar. 153 Mas cada peixe que tirava, a sombra comia. 154

18 – NACUNAÍMA CONTRA-ATACA COM PODERES FANTÁSTICOS TAMBÉM
Diante desta realidade Macunaíma tentou resolver de uma maneira insólita: assim, quando o peixe pegou fez um esforço heróico e no impulso o peixe foi cair lá na Guiana 154, longe das vistas da sombra de Jiguê.
19 – A SOMBRA DE JIGUÊ VOLTA A IR NO ENCALÇO DO HERÓI MACUNAÍMA

Mas durou pouco a tranqüilidade de Macunaíma. A sombra voltou e foi no encalço dele. O herói acometido de paludismo estava cansado de tanto correr. Estava na Paraíba e tão sem vontade de chispar que parou. Encontrou uns trabalhadores construindo um açude
Depois de pedir água aos trabalhadores Macunaíma os xingou. Eles ficaram furiosos e puseram a cachorrada atrás dele. Correu para se salvar. Meteu por uma estrada de boiada já perseguido pela sombra de Jiguê. Na corrida o herói trombou num boi malabar, de nome Estácio. O boi ficou furioso e saiu numa galopada louca atrás dele. Macunaíma virou por uma picada sem jeito e se amoitou por debaixo dum mucumuco. A sombra de Jiguê achando que o barulho do galope era de Macunaíma, foi atrás, alcançou o boi e fez poleiro no costado dele.154. De tão satisfeita que ficou, a sombra cantou:
“Meu boi bonito/Foi alegria/Dá um adeus/Pra toda a família.
Ôh! Êh bumba/ Folga meu boi/Ôh..êh bumba,/Folga meu boi!”.
Porém nunca mais o boi pôde comer. A sombra engolia tudo antes do bicho. Então o marruá foi ficando jururu ficando jururu magruço e lerdo...mirou sarapantado...até que morreu.
A sombra desenganada cantava agora:
“Meu boi bonito/Boi Desengano/Dá um adeus/Até para o ano.” 155.Etc.
20 – A MORTE DO BOI MARRUÁ E O RITUAL DO CHORO NUM CLIMA DE REALISMO FANTÁSTICO

O boi marruá morreu...foi esverdeando, esverdeando...
Ato I
A sombra muito pesarosa cantou assim:
“O meu boi morreu/Que será de mim?/Manda buscar outro,-Maninha/Lá no bom jardim”.
Ato II
Da Fazenda Bom jardim, RS, veio uma giganta que gostava de brincar com o marruá. Mas quando viu o boi morto, chorou bem e quis levar o cadáver para ela.
Ato III
Ao ver isto, a sombra teve raiva e cantou:
“Arretira-te giganta/Que o caso está perigoso/ Quem se arretirou amante/Faz ação de generoso!/ 155
Ato IV
A giganta agradeceu e foi-se embora dançando!
Ato V
Então, conta a narrativa, passou por ali um indivíduo chamado Manuel da Lapa carregando folha de cajueiro e rama de algodão. A sombra saudou o conhecido:
“Seu Manê que vem de Açu
Seu Manê que vem de Açu
Vem carregadinho de folha de caju”156
Manuel fica muito satisfeito com a saudação e para agradecer dançou um sapateado e cobriu o cadáver com folha de cajueiro e rama de algodão. A sombra não via mais o cadáver do boi debaixo da folhagem e começou dançando à procura dele.
Ato VI
Passou por ali um vagalume e cantou perguntando:
Linda pastorinha/Que fazeis aqui?/Vim buscar meu gado-Maninha/Que eu aqui perdi.” 156

VII
A sombra se uniu ao canto do vagalume. E este dançando mostrou o boi para a sombra. “Ela trepou na barriga verde do morto e ficou chorando ali”.156

VIII
Ao outro dia o boi estava ppodre. Restava fazer as exéquias, reconhcer a morte e fazer a consumação. Disso se encarregaram os urubus, “muitos urubus”. “O mais grande puxava a dança cantando:
“Urubu é passo feio feio feio!
Urubu é passo limpo limpo limpo”
No auge do titual o urubeu-rei mandou um urubuzinho piá entrar dentro do boi para ver se já estava bem podre. O urubuzinho entrou por uma porta e saiu por outra dizendo que sim. Aí veio a festa geral da urubuzada e todos passaram a dançar juntos e a cantar:
Meu boi bonito/Boi Zebedeu/Corov avoando/Boi que morreu.
A narrativa de Mário de Andrade diz no final da festa dos urubus: “E foi assim que inventaram a festa famanada do Bumba-meu-Boi também chamada por Boi-Buymbá.”(157).
Ato IX
A sombra teve raiva de estarem comendo o boi dela e pulou no ombro do urubu-ruxama que era o Pai e Rei dos Urubus. O Urubu-=Rei ficou muito satisfeito e gritou:
“Achei companhia pra minha cabeça, gente! E voou pra altura. Desde esse dia o urubu-ruxama, que é o Pai do Urubu, possui duas cabeças. A sombra leprosa é a cabeça da esquerda. De primeiro o urubu só tinha uma cabeça” 157

CONCLUSÃO

Este capítulo do Uraricoera é uma pequena amostragem do que é a escrita de Macunaíma de Mário de Andrade. Lendo com muita atenção e detalhe, vamos verificando que estamos diante de um personagem inteiramente livre e imprevisível que tem como característica principal viver na maior soltura, sem trabalhar e sem comprometer-se com nada: Vai da preguiça ao embuste, à malandragem e à tentativa de tirar vantagem em tudo, de burlar. No processo narrativo, Mário de Andrade solta seus personagens e encontra sempre um remédio para eles. Nesta narrativa não há fronteiras absolutas para nada. Nem para a fome, nem para a doença, nem para a morte, nem para o ódio. Os personagens vivem e atuam unidos pela condição comum de seres humanos. Cada um tem suas características. Para tecer sua narrativa Mário procura soltar a fantasia e a imaginação criadora. Os lances que narra são sempre lances que vão desde a ironia e o humor até á magia conseguindo tecer uma relação entre os manos que é de fraternidade intercalada de desconfianças, de abuso de confiança, de exploração e de tramoias. Para dar fantasia à narrativa Mário de Andrade opta pelo gênero do realismo fantástico e mágico. Dentro deste processo, não há dificuldades insuperáveis. O ser humano sempre encontra um espaço para viver, reviver e superar situações pesadas. O final do capítulo envolvendo a sombra de Jiguê e o boi, se for analisado em todos os seus detalhes e atos termina por representar um dos momentos mais altos e criativos da narrativa macunaimiana. No mais, além dos pormenores de sobrevivência na selva aliviados por mil cenas de feitiçaria, Mário dá-nos uma interessante versão da origem da festa amazônica de Bumba-meu-Boi. Entre narrativas mágicas e sobreposição de quadros rapsódicos, o autor constrói uma original narrativa que se tornou famosa entre os mais famosos textos da Literatura Brasileira.

OBSERVAÇÃO – As páginas citadas sob forma popular e informalmente neste texto referem-se à edição: ANDRADE, Mário de. Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. Edição crítica. Telê Porto Ancona Lopes, Coordenadora. Coleção Arquivos. Florianópolis: Editora da UFSC, 1988. Sob os auspícios da UNESCO.
João Ferreira
Março de 2009
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