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Ensaios-->ALGUNS TÓPICOS DE LEITURA DE -- 25/06/2009 - 10:37 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

ALGUNS TÓPICOS DE LEITURA DE “O ALIENISTA” DE MACHADO DE ASSIS

João Ferreira
Junho de 2009

Antes de ser integrado na coletânea Papéis avulsos, O Alienista havia sido publicado no jornal A Estação entre 1881 e 1882. O livro encaixa nos códigos da nova estética inaugurada por Machado em 1881 com “Memórias póstumas de Brás Cubas”.
I – O gênero
A crítica procura frequentemente inscrever esta narrativa dentro de um gênero literário. Discute se se trata de um conto, de uma novela, de um relato ficcional, de uma crônica, ou apenas de uma narrativa.

Embora o gênero não seja uma questão essencial que ponha em causa a importância do livro, a verdade é que na coletânea de Papéis avulsos onde foi incluído, O alienista aparece com o rótulo de conto. Por este motivo há autores que continuam chamando-lhe conto, respeitando a classificação de Papéis avulsos. Por outro lado, alguns autores entendem que O alienista, não é bem o tipo acabado de uma short story para ser considerado um conto tout court, sem mais. Não é normal um conto ser dividido em capítulos. E O Alienista está dividido em 12 capítulos. Seria mais natural talvez tratá-lo ou como uma pequena novela, pela técnica narrativa aplicada, pelos detalhes da trama, pela quantidade de personagens, e pela divisão em capítulos que o autor utiliza, embora a trama amorosa não tenha a necessária profundidade nem seja muito convincente a qualidade novelística específica. O amor e a relação amorosa não são o destaque do livro. Por isso, se é novela, não é novela nada exemplar.
Existem ainda as hipóteses de termos aqui simplesmente uma crônica ou uma narrativa como parece sugerir o próprio autor: “O desfecho deste episódio da crônica itaguaiense é de tal ordem e tão inesperado que merecia nada menos de dez capítulos de exposição, mas contentamo-nos com um, que será o remate da narrativa e um dos mais belos exemplos de convicção científica e abnegação humana” (IB.58).
Ponderados os vários ângulos da questão, achamos que classificá-la simplesmente como narrativa seria um meio termo ou até um rótulo natural, que garante uma etiqueta sem forçar. A opção por um gênero mais amplo como é o gênero da narrativa ajudaria a rematar o debate com sucesso.

2- Enredo

Em resumo, o enredo apresenta a história de um psiquiatra ou alienista que se forma nas universidades europeias de Coimbra e Pádua e que, depois de formado, resolve voltar para o Brasil a fim de exercer a função de alienista (leia-se psiquiatra) numa cidadezinha do interior no Estado do Rio de Janeiro. A cidadezinha ou vila, como se dizia na época- século XVIII-, chamava-se Itaguaí.
Chamava-se Simão Bacamarte. Chegou com uma vontade incontida de trabalhar e criou um projeto especial para estudar e pesquisar a loucura:
“As crônicas da vila de Itaguaí dizem que em tempos remotos vivera ali um certo médico, o Dr. Simão Bacamarte, filho da nobreza da terra e o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas. Estudara em Coimbra e Pádua. Aos trinta e quatro anos regressou ao Brasil, não podendo el-rei alcançar dele que ficasse em Coimbra, regendo a universidade, ou em Lisboa, expedindo os negócios da monarquia. (Cap.I)


3- Personagens

A análsie do comportamento dos personagens ajuda a compreender o modo como é desenvolvida a história de O alienista. Torna-se por isso conveniente saber quais são e a que ponto nos levam os personagens da narrativa. O destaque principal vai para o protagonista que é Simão Bacamarte, em torno do qual gira toda ação. Vamos supô-lo um reizinho entronizado tendo na mão como cetro a “pesquisa científica sobre a loucura”. Na cabeça dele há apenas um objetivo: levar avante um projeto científico voltado para o estudo do recanto psíquico onde residem as patologias cerebrais. É um projeto rígido movido por sua “volúpia científica”, que lhe deverá proporcionar a descoberta da teoria verdadeira da loucura e o estabelecimento do reino da razão em Itaguaí com o intuito final de “chegar à última verdade”.
Além de Simão há outros personagens importantes que compõem a galáxia do alienista: D. Evarista, esposa de Simão, que não lhe deu descendência, que chegou a ser internada na casa Verde por “causa do furor das sedas” - uma alusão à tendência profundamente feminina de pensar em vestir bem e escolher detidamente novas roupas. Ao lado de Simão, médico, aparece Crispim, que era o boticário da vila, um tipo que se firma associado à figura de Simão, seu confidente, e, no fim de contas, escravo da opinião de Simão. Entre os mais citados personagens da obra de Machado está o vigário Lopes que representa a influência e força da Igreja para todos os assuntos que exigem um equilíbrio social. Com grande destaque político-social aparece a singular figura do barbeiro Porfírio que simboliza a liderança revolucionária de Itaguaí frente aos abusos absolutistas do alienista Simão. Porfírio lidera a rebelião e o motim nas ruas quando a população estava aterrorizada com as internações arbitrárias de Simão. Escondendo inicialmente largas ambições políticas, Porfírio serve-se do descontentamento popular , vai para as ruas, forma um grupo (“o grupo dos canjicas”) e reivindica o poder. Entra na sala de vereança da câmara de Itaguaí e toma o governo da câmara, como símbolo da vontade popular, invocando a autoridade de Sua majestade. Há arruaças, mortos, feridos, gritos de “abaixo o tirano, abaixo a casa verde”, num estilo clássico de reivindicação revolucionária. Há outros personagens menores, como João de Pina que passa a chefiar a insurreição quando Porfírio é recolhido à Casa Verde mercê de um contragolpe desferido na contramão pelo alienista Simão. Mas há outros: o Costa, o Martim Brito, que proferiu o discurso dirigido a D. Evarista no jantar que comemorou seu retorno do Rio de Janeiro, e outros. Há também personagens coletivos: os vereadores, o conselho de amigos de Simão que confirmou a loucura de Simão, e os canjicas. Como personagens secundários aparece a mulher de Crispim, o vereador Galvão, o albardeiro Mateus, dono da casa mais bonita de Itaguaí e vários loucos individualizados na narrativa.


4- Tempo da história e tempo da escrita

Embora escrito no último quartel do século XIX, o tempo da história narrada por Machado de Assis situa-se no século XVIII, o século do racionalismo e do iluminismo, século de Goethe e Immanuel Kant, autor da “Crítica da Razão Pura” e da “Crítica da razão prática” - o século da Aufklaerung alemã e da ilustração dos enciclopedistas franceses. Esse século XVIII representa em Portugal, onde Simão estudou, o tempo do governo do Marquês de Pombal (1699-1782) que baseou a reforma da universidade portuguesa na pedagogia iluminista européia em substituição dos anteriores métodos preconizados pela Ratio Studiorum dos jesuítas.
Apostado em estudar o fenômeno da loucura, Simão traria à tona todas as influências e modelos que lhe foram ministrados na Europa tanto em Portugal quanto em Itália. Em seu espírito bailava a metodologia científica cartesiana que regia a orientação de todos os cursos em Coimbra, incluindo o de medicina que teve como guia o Método para aprender e estudar a medicina”(1763) da autoria do reformador Antonio Nunes Ribeiro Sanches, figura pombalina principal da orientação iluminista em Portugal.
Cientificamente formado, restava-lhe por isso dirigir essa volúpia para o desvendamento do segredo da loucura em Itaguaí com base nos princípios científicos que o animavam.


5- A técnica narrativa
Machado apresenta neste livro uma bem desenhada paródia tentando ridicularizar o pseudo-cientismo em voga no século XIX. A base da paródia é a ironia. A ironia é representada por Machado através de palavras, objetivos e comportamentos comparados com o fracasso final. Há miniparódias na narrativa:
paródia do poder da câmara e dos vícios tradicionais do poder local corrupto e inepto; paródia da revolução dos canjicas sob a inspiração do modelo da revolução francesa; paródia de um médico que trabalha impessoalmente, esquece a vida pessoal, a família, a vida social e a vida real para se entregar alucinadamente a teoria e que termina por fracassar não alcançando por verdadeiras metamorfoses e que termina por apresentar “verdade científica”.
A ciência busca, chega a conclusões mas não tem a chave do mundo e muito menos a chave do segredo do ser humano, sobretudo das fronteiras da razão e da loucura.

5- Técnica narrativa.
Como é hábito, Machado de Assis confirma em O alienista uma técnica narrativa singular. Os diálogos estão armados com naturalidade, o enredo flui com variedade unificadora, os personagens e a linguagem movimentam a ação num ritmo literário que prende facilmente o leitor. Machado para desmascarar o fracasso do pseudo-cientismo de Simão vai narrando passo a passo a construção de uma teoria, de outra teoria, o espasmo do cientista solitário, certo e inseguro, que de tempos a tempos demonstrava entusiasmo por pequenas evidências, coloca agora à vista suas mudanças de atitude, sua insegurança na teoria, na seleção dos loucos a internar. Parece o fracasso do absolutismo radical com que executava as internações. É este estado de metamorfose, este misto de segurança e insegurança que constitui a essência da autêntica metamorfose. Na carta em quatro artigos que endereçou à câmara - que “faz o assombro” ou o espanto de Itaguaí - mostra como mudou... Pelo teor da carta apresentada à autoridade que lhe permitiu construir a Casa Verde, está disposto a soltar os “supostos loucos e confessa que “a verdadeira doutrina sobre a loucura mudou...”. Como texto paródico, esta carta constitui um dos pontos altos do livro. A hipótese patológica, agora, “é quando o equilíbrio é ininterrupto”!!! Construindo inicialmente um protagonista duro e impertérrito na defesa da ciência, mostra no final este mesmo protagonista confuso, derrotado, metendo as pés pelas mãos e resignando-se a ser internado na Casa Verde “como o único mentecapto de Itaguaí”! Machado de Assis consegue estruturar a narrativa com grande reserva e domínio técnico, semeando aqui e ali sua ironia nos detalhes, para mostrar finalmente por meio da aplicação dos princípios da paródia que o cientismo era apenas uma promessa , por vezes uma ilusão e não uma realidade.
6 – Narratividade, Isotopias, Intertextualidade
Ao falarmos da técnica narrativa referimo-nos ao teor da narratividade da obra. O mundo da ficção machadiana parte de possibilidades de semântica formal e da narratividades que emerge da conjunção dos fatores ficcionais e narrativos. Entre os vários fatores, damos destaque à intertextualidade. O texto é um tecido: mas é mais do que isso. É um tecido que agrega e unifica muitos fios dispersos no mundo das narrativas individuais e universais que ganham atualidade nas franjas da escrita. Como escritor, Machado de Assis tece e agrega em O Alienista textos de todos os cantos. Alguns exemplos: as crônicas da vila de Itaguaí são citadas a toda a hora por Machado; cita o Alcorão que fala dos “veneráveis” doidos; refere os discursos com antíteses, tropos e apóstrofos, adornados de textos em grego e latim que faziam parte das arengas quotidianas do “rapaz bronco e vilão” recluso da Casa Verde; fala das “línguas da torre de babel”, do discurso maníaco daquele “pobre-diabo, filho de um algibebe” que colocava sua teoria genealógica no princípio de um ovo engendrado por Deus... até chegar a ele”. Há na utilização destes textos e de muitos outros uma combinação intertextual,ora como empréstimos lingüísticos, ora como citações, ora como comentários ou resumos, ora como integrações culturais, associando outros textos ao seu texto, o que dá a machado a oportunidade de construir em casos até um metatexto quando o texto construído é um produto feito sobre o texto base. Em tudo isto Machado mostra a modernidade dinâmica com que escrevia. Ainda para evidenciar o uso do intertexto relembramos a citação que faz da matraca usada em tempos antigos como instrumento de comunicação pública, assim como a citação do “antigo regime” no capítulo IV, e também a entronização do amuleto “signo salamão” na linguagem, etc. Mas tem muito mais: a citação do “reinado anterior”, a figuração de “D. Evarista como esposa do novo Hipócrates”, a “Ode à queda do marquês de Pombal”- dragão aspérrimo do Nada (sic!) e até uns versos da Divina Comédia de Dante: La boca sollevò dal fiero pasto
Quel seccatore...
É no processo de leitura que se manifestam todas estas relações e dimensões significativas.
No campo das isotopias, haveria que lembrar o paralelismo histórico que Machado introduz na narrativa, reproduzindo alguns passos conhecidos da Revolução Francesa. Entre eles, o absolutismo antigo regime francês, é representado pela rigidez científica e absolutista de Simão. A insatisfação popular em Itaguaí é uma reprodução da insatisfação popular de Paris nos anos da Revolução. Há rebelião em Itaguaí (“abaixo o casa verde”, morra o tirano”), há agitação, há motins na rua liderados pelo grupo dos Canjicas, dispostos a demolir ou a esvaziar a casa verde tirando os loucos que estavam lá. Tudo isto parece uma simulação dos acontecimentos revolucionários de 1789 em Paris. Há uma rebelião para derrubar o poder do alienista que aterrorizava Itaguaí. Há a revolta dos canjicas que simboliza o levantamento de Paris, e a tomada da câmara simboliza a tomada da Bastilha em 14 de julho, em Paris. Tudo isto são isotopias indisfarçáveis presentes no livro de Machado. E Machado sabe fazer isto com equilíbrio sem sair do contexto brasileiro de Itaguaí. Nisso está sua habilidade e sua mestria.
Mas há mais. Todo o processo literário da mímesis deve colocar-se numa síntse global no arquitexto, na técnica literária, no dialogismo, na ironia, nos processos de verossimilhança e de suspense, na metamorfose e na linguagem artística em geral.
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