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Ensaios-->TEXTO INÉDITO DE CASSIANO NUNES -- 19/08/2010 - 13:01 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


TEXTO INTEGRAL DA SAUDAÇÂO DE CASSIANO NUNES A CORA CORALINA
Por ocasião do lançamento, em Brasília, de 'Vintém de cobre'(1983) na sessão organizada pelo CALEL-UnB em 31 de agosto de 1983.

NOTA DO EDITOR

O texto que publicamos a seguir se integra na bibliografia sobre Cora Coralina. É da autoria de Cassiano Nunes. Trata-se de uma saudação proferida pelo poeta e escritor, então professor da Universidade de Brasília, numa sessão promovida pelo Centro Acadêmico de Letras (CALEL) da UnB no dia 31 de agosto de 1983, em honra de Cora Coralina, por ocasião do lançamento em Brasília da obra “Vintém de cobre”(1983), terceiro livro da poetisa, quando a autora tinha já 94 anos.
O texto que ora se publica é extraído da cópia entregue nessa data por Cassiano Nunes a João Ferreira, seu colega no Departamento de Teoria Literária e Literatura da Universidade de Brasília, nesse dia Presidente da sessão de lançamento de Vintém de Cobre e de homenagem a Cora Coralina promovida pelo CALEL da UnB. O texto da saudação de Cassiano, enquanto se sabe, permaneceu inédito até hoje. Remexendo em nosso arquivo, decidimos publicar o texto por várias razões, mas sobretudo em homenagem a Cassiano Nunes e a Cora Coralina, dois poetas de verdade, e também para que os pesquisadores e biógrafos de Cora Coralina possam conhecê-lo para quando precisarem de fazer registro da ligação de Cora com Brasília.
Brasília, 19 de agosto de 2010
João Ferreira


COMEÇA AQUI O TEXTO INTEGRAL DA SAUDAÇÂO DE CASSIANO NUNES A CORA CORALINA


Minha boa amiga e colega de “poetagens” Cora Coralina

Há dezessete anos, ao chegar a Brasília, senti espontaneamente a obrigação moral de conhecer Goiás tanto quanto me fosse possível.Percorri, então, algumas cidades de seu Estado e, um dia, cheguei à antiga capital. Lá tive logo a agradável surpresa de encontrá-la. Gostei de sua velha casa junto ao rio e da ponte, de seus doces cristalizados, de suas recordações de Hugo Carvalho Ramos, que foi seu companheiro de escola. Gostei principalmente de sua personalidade. Imediatamente vi que deparava com uma mulher não só rica de dons mas também mulher autêntica. (Tantas desejam sê-lo e não conseguem!). Diante de Cora Coralina senti-me diante de uma janela aberta ao sol: nela não há cortinados, não há sofismas, não há tergiversações. O seu olhar é franco: a sua prosa é direta. E isto sem deixar de ser discreta e educada. Mas a mentira, os ilusionismos, as lisonjas e os subterfúgios desfazem-se diante da sua luminosidade.
Pois bem, como sou dos que não sabem fruir os bens da terra solitariamente, voltando a Brasília, à Universidade, onde trabalho, logo fui comunicar a descoberta ao meu chefe, a colegas e a alunos. Sugeri-lhes a vinda da mulher singular ao nosso “campus”, ao nosso Departamento. Instei-os para que a chamassem e ela viesse logo nos trazer notícias do velho Goiás, que ela nos viesse ensinar Goiás. Achava (e ainda acho) que Brasília carece de conviver com o autóctone, com o regional goiano, não obstante a sua distinção indiscutível de capital nacional. Meu entusiasmo foi inútil desta vez, como tantas vezes, em Brasília, na Universidade e fora da Universidade e em outros lugares do mundo. A pobreza dalma [sic!] é universal. Ninguém se interessou por D. Cora Coralina nem por Goiás. Então, ela ainda não aparecera na Tevê. Faltava-lhe essa canonização tecnológica. O que eu dizia não merecia crédito.Passaram uns dez anos.
Um dia no mesmo Departamento, outro chefe – o simpático e valoroso Prof. João Ferreira – convocou-me para receber uma senhora que chegava para fazer uma palestra num dos anfiteatros. Perguntei o nome dessa Senhora.- “É D. Cora Coralina”, foi a resposta.
Assisti então à palestra que de improviso ela fez, tão senhora de si, tão à vontade no espaço límpido da Verdade, da sua verdade que é a nossa verdade – a verdade dos que nestes tempos de mentiras não abdicaram à verdade. Emocionei-me até às lágrimas porque o que me comove não é o patético mas o melodramático. O que me atinge a sensibilidade é, ao contrário, a aceitação humilde do humano, o espetáculo singelo do quotidiano. Não há nada mais comovente do que a simplicidade. Há uma grande sabedoria no dia a dia. Há uma luz divina na rotina. Cora Coralina é uma Mestra da Vida. Através do seu trabalho caseiro ela descobre os segredos universais que outros procuram no tinteiro. Escrever para ela foi um ofício a mais: uma nova forma de revelação: a descoberta de uma outra função. Nada demais para quem já era esposa, mãe, trabalhadora, cidadã.
Este momento de festa – o do lançamento de um novo livro de Cora Coralina – em que falo, atendendo ao convite amável da sua família, não é o instante próprio para eu fazer um estudo literário de sua obra que aliás já foi louvada por poetas e escritores de alto nível como Carlos Drummond de Andrade e Oswaldino Marques, que segundo creio, foi o primeiro escritor de Brasília a descobrir e a exaltar a poetisa goiana. Já foi a obra de Cora comparada, no seu aspecto telúrico, à poesia de Gabriela Mistral. Na sua identificação à Natureza, a poetisa de Goiás lembra naturalmente o velho Patriarca, inspirador de todos nós: Walt Whitman. Há anos visitei o humilde chalezinho em que ele, inválido, morreu. Sim, porque todos os poetas, Walt, Drummond ou Cora vivem modestamente, à margem dos mordomosos sucessos que atraem a cobiça do mundo.
Cora Coralina, como poeta verídico que é, nos proporciona uma visão despojada e veraz de Goiás e do Brasil. Ela nos revela a nossa honrada pobreza como povo e que o ufanismo, o triunfalismo, ludibriadores, nunca quiseram reconhecer. Há pouco surgiu na Europa um movimento de vanguarda de certo alienado, como quase todos, que defendia uma teoria estética que até tinha um certo encanto. Defendia uma Arte Povera, uma arte pobre, esvaziada de adornos, de enfeites. Escrevendo sobre Lobato, há tempos, já tive a oportunidade de dizer que ele, muito antes desses vanguardistas, tinha criado essa arte: a arte pobre.E Cora Coralina também a pratica, como se pode ver lendo em seus livros versos como esses:
“Colchas de retalhos desiguais e desbotados
Panos grosseiros encardidos, remendados,
Potes e gamelas, pratos desbeiçados,
Velhos sapatos
Furados, acalcanhados,
Eram disputados,
Tinha sempre alguém que os quisesse.”
Tardiamente Cora Coralina encontra o reconhecimento porque nós, brasileiros, somos lentos na proclamação do valor daqueles que não têm o poder do mundo, ou então, preferimos elogiar os mortos porque não são nossos competidores – e porque - coitados! – já nada lucram com a louvação retardatária. De qualquer maneira, amiga Cora, antes tarde do que nunca. Justiceiramente, a Universidade Federal de Goiás deu-lhe o título de Doutora Honoris Causa. Doutora realmente Cora é nas disciplinas da Vida, da Poesia, do Trabalho e da Honradez. Sabiamente a Universidade de Goiás reconhece que há uma cultura viva, humana, popular, o que infelizmente não acontece com tantas universidades brasileiras entregues à mediocridade, à alienação, ao escapismo e ao promocionismo.
Cora Coralina apóia a sua obra poética nos alicerces sólidos da vivência. Ela é uma expressão de uma cultura coletiva, social, regional, goiana, brasileira, universal. Ela consegue ser ao mesmo tempo porta-voz da cultura literária e da cultura do analfabetismo fecundo, que mesmo sofrendo os óbices do desconhecimento dos livros não renuncia à criatividade. (Ainda ontem Elomar me sensibilizou trazendo a voz dos sertanejos remotos, artistas naturais desse nordeste que eu afirmo – e não é por amor ao paradoxo – ser uma das riquezas maiores do Brasil. Riqueza de cultura popular. Lembro que D. Cora é de origem nordestina).
Cora Coralina serenamente contempla os que a festejam e que bondosamente se alegram com a sua alegria. Ela sabe – como nos disse num poema –que grandes males nos ameaçam. Mas pode aceitar o presente da nossa homenagem porque está consciente de que colhe o que vivendo, sofrendo e poetando, plantou.
Termino esta saudação com os seus próprios versos que são constatação pessoal e conselho para todos nós:
“O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher”.

Cassiano Nunes
Brasília, 31 de agosto de 1983

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