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Ensaios-->ANÁLISE DO CONTO "DIAS MELHORES" DE MODESTO CARONE -- 01/12/2015 - 01:47 (PAULO FONTENELLE DE ARAUJO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos









DTLLC – FFLCH – USP
INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS
ENSAIO SOBRE O CONTO: “DIAS MELHORES” de MODESTO CARONE
Data; 12/02/03


Aluno: Paulo Henrique C.F.de Araújo
n. USP: 3710046

















O argumento do conto “Dias Melhores” de Modesto Carone é simples: narra em nove partes as dificuldades de um personagem acastelado em sua casa e atacado dia e noite por um atirador não identificado. Do argumento já se percebe o inusitado da trama e a possibilidade de um enigma tão obscuro que certamente o leitor sentirá o mesmo incômodo do protagonista frente ao atirador. Desconhecerá as motivações do autor para tal investida literária, mas lerá a obra e adaptar-se-á, mesmo sendo explosivas todas as hipóteses de compreensão e, no final, poderá chegar a uma conclusão tão desatinada quanto julgar que o brilho do sorriso do atirador em confluência com o brilho da carabina em disparo são indícios de dias melhores.

Na verdade, o conto mal se equilibra nos elementos de constituição de um texto narrativo. Apresenta-os como se quisesse desvencilhar-se deles. Por exemplo, o conflito não é apresentado de modo tradicional, após a identificação dos personagens e detalhamento do ambiente. O leitor sabe do que acorreu como se caísse dentro da casa, no meio da ação e o texto já estivesse sendo narrado. O desenvolvimento também não caminha para uma tensão que segure o leitor tal qual um conto de Guy de Maupassant e mesmo a intensificação do tiroteio no capítulo sete não cumpre satisfatoriamente a função estrutural de preparar o leitor para o inevitável desfecho que, aliás, é inconclusivo, embora de grande impacto fotográfico. Em outras palavras, o que aconteceu, a ordem cronológica , a causa /efeito - se assim pode ser colocado a situação de um personagem que apenas vivencia uma fuzilaria sobre a sua casa - cumpre o papel mínimo de manter o leitor ali, adaptado ao ambiente, preso o bastante para levar a sua curiosidade até o final.

A mesma insuficiência percebe-se quanto ao foco narrativo, inicialmente constata-se uma tradicionalidade quanto à narração; o protagonista conta a história em primeira pessoa, contudo, não há uma onisciência deste mesmo narrador, que conhece o mundo apenas parcialmente e não sabe ou não se importa em dar sentido a ele. O narrador afirma que mesmo debaixo da artilharia consegue dormir (capítulo quinto) e sonhar e estar pronto para outra no dia seguinte. Tal situação de absurdo existencial leva-nos a encontrar uma semelhança entre o presente conto e a obra de Franz Kafka, com a diferença de que no conto “Dias melhores” o estranhamento, marca estilística de Kafka, não é o objetivo principal, não é o que o autor procura evidenciar e não justifica o fato do leitor realmente ligar-se ao texto, fascinação esta que ocorre de modo intuitivo.

Os outros elementos da narrativa também são ainda menos consistentes. O personagem do atirador praticamente não existe. Conhece-se sua posição em relação ao alvo, o chapéu e é só. Mesmo a descrição da carabina, que tem um design moderno, é mais completa e mais satisfatória, quase chega a se individualizar e substituir em interesse o atirador. O personagem principal também é mal formado. Não há uma definição do seu sexo, sua profissão, seu nome, nada. Sabe-se que trabalha em casa, vive isolado, não se podendo inferir da vida do personagem uma suposta relação com a famigerada escalada de violência das grandes cidades, onde os habitantes estão sob ameaça de alguma violência gratuita. Aliás, tal relação com a violência urbana não pode ser percebida também porque não há uma definição do tempo, do ano do acontecido e mal se percebe os dois únicos momentos da narrativa, a única sucessão de fatos, ocorrida no capítulo sete, que demonstra a intensificação do tiroteio A descrição de espaço, mal chega a tornar-se um ambiente e seu sentido é praticamente explícito, resume-se apenas a casa em lugar isolado. Então o conto narra a situação de uma pessoa que vive açoitada por tiros constantes em um lugar indeterminado de um tempo desconhecido. Todo o resto é deixado para o leitor, que pode completar a narrativa de modo pessoal, usando na interpretação até a hipótese acima rejeitada, de que o conto é uma metáfora sobre a vida moderna e que nós, quando ouvimos disparos durante a noite (o estouro do escapamento de um carro distante), estamos vivenciando a mesma atmosfera de violência demonstrada no conto.

Acredito, porém, que a narrativa tem outra motivação e é isso que impulsiona o leitor mais atento a permanecer na leitura e deslumbrar-se pela imagem final. De fato, o que nos arrebata é a explosão de cada cena, cada capítulo é apresentado ao leitor pedindo que o mesmo fixe o quadro em sua mente e identifique o seu “gosto” em uma relação subjetiva que se estabelece espontaneamente entre a percepção sonora dos tiros e a sensação de maciez dos projéteis afundando nas paredes, paredes moles feito papel.

Em todo o conto, encontram-se tais relações quase sinestésicas, repetitivas: da fuzilaria que espatifa os móveis e a leveza das lascas de pintura voando pelo ar (capítulo segundo); a carabina e o chapéu de feltro, o inusitado deste conjunto que nos faz perguntar qual a lógica da composição que mistura maciez e a dureza do cano da espingarda (capítulo quarto); o barulho das detonações participando dos sonhos em uma estranha forma de canção de ninar (capítulo cinco); as balas rolando pelo piso, outra sensação de leveza (capítulo oito) e, por fim, (capítulo nono), os dentes do atirador atrás dos arbustos, o seu sorriso brilhando com o reflexo da carabina e sinalizando com a esperança de dias melhores.

O conto de Modesto Carone, então se completa na referência que faz a única manifestação humana sem encadeamento lógico, o mundo do sonhos, que nos chama porque intuímos o seu mistério; sonho aqui entendido na sua forma conceitual de experiência alucinatória a ocorrer em certos estados do sono em um encadeamento de imagens onde predominam impressões visuais, podendo conter componentes auditivos, olfativos e cuja temática apresenta, às vezes, uma seqüência ordenada de fatos ou episódios fantásticos, extravagantes e inverossímeis, com freqüentes distorções de espaço e tempo; e o leitor se maravilha exatamente por esta sugestão onírica de luz e cor e som expresso em cada quadro de um sonho recorrente que pode indicar, na combinação surrealista de objetos do cotidiano, até sugestões de ordem sexual - a carabina seria um evidente objeto fálico a incomodar a vida da personagem.

Nós, leitores, nos colocamos diante do conto, da linguagem pictórica realista do texto, das imagens que ele cria, como se visualizássemos uma pintura de Salvador Dali.




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