Queixa
maria da graça almeida
Quando sei, do homem, o instinto animalesco,
quando vejo que os olhos do amor
já se fecharam diante do semelhante,
quando percebo que os sentimentos
de respeito e solidariedade
não mais ultrapassam
os limites do próprio corpo,
sinto o peso da impotência...
e a impotência dói!
São necessárias muitas vozes
para que se forme um coral;
com uma nota não se compõe a melodia;
com uma conta não se tece um rosário;
com apenas uma letra não se escreve a palavra;
com tão só uma palavra não se faz a prece.
Aí, recorro ao poema que pontua minha perplexidade,
que me assiste na imobilidade,
um poema sem som, sem eco, sem cor, sem força.
Um poema vivo na essência, mas morto na condição,
posto que se construiu de lamúrias e queixas ...
E a queixa que se contenta com queixas,
paralisa a ação.
maria da graça almeida
Inimigo
maria da graça almeida
Não sou visionária,
mas a luz ordinária
da rua expressa
o medo me apressa!
E bons semelhantes,
caminhantes de rua,
camuflam inimigos,
na sede perdidos.
Se ao menos eles fossem
gigantes algozes,
ou bichos ferozes,
explicariam o medo,
que eu trago em segredo!
Mas é triste a história
quando na trajetória
nem mesmo fantasmas
assombram minha alma.
E esse humano,
demente, insano,
é o tal inimigo,
que indicia o perigo.
É novo, esse bicho,
sanguinário e disforme;
é bicho vizinho,
que tem sobrenome!
E com toda certeza,
essa fera com fome
foi, somente, um dia,
ingenuamente, um homem...
maria da graça almeida
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