O réu e o rei*
(o imbróglio das biografias)
Hilda Mendonça
Confesso que sou fascinada por uma boa biografia. Muitas vezes já citei algumas que me encantaram em nossas reuniões de escritores de Passos e até prometo que um dia vou biografar todos eles, se a vida me der tempo, é claro, porém o encanto mesmo está em ler biografias e não em escrevê-las.
Sabedor dessas minhas maluquices, um de nossos colegas escritores, o DR. Luiz Mezêncio, presenteou-me com livro” O RÉU E O REI”(minha história com Roberto Carlos, em Detalhes,) do baiano Paulo César de Araújo, formado em História e Jornalismo, especialista em música e professor, que antes fizera um livro sobre a proibição do regime militar da canção de Valdik Soriano “Eu não sou Cachorro Não”.
Talvez essa proibição tenha feito com que a referida música ficasse conhecida em todo o país, deixando de lado o grande mérito de Valdik que era grande compositor, além de bela voz, tem suas músicas gravadas por grandes cantores brasileiros, e só há algum tempo sua biografia de compositor e trajetória de vida foram resgatadas por Patrícia Pilar em um documentário.
Ao começar a ler o livro o RÉU E O REI, vi logo que não se tratava de obra de curioso qualquer, mas sim do fruto de anos de pesquisa de pessoa que sabe o que está fazendo. Assim foi que tomei conhecimento da obra de Paulo César Araújo.
Voltando ao livro O RÉU E O REI, é uma história que começa em 1965 quando um menino pobre da Bahia ouve pela primeira vez a música de Roberto Carlos, ”Quero que vá tudo pro inferno” e que se torna imediatamente fã de Roberto.
Começa ali a colecionar tudo sobre o cantor. Foram dezesseis anos de pesquisa e quase idolatria que gerou o livro “Roberto Carlos, em Detalhes”, que se tornou a mais polêmica das biografias com muitos astros da nossa música como Caetano, Chico Buarque e outros se posicionando contra ou a favor.
Motivo de discussão no Congresso Nacional e que ainda não teve o seu ponto final, isto é, lei sobre as biografias, o que eu, sinceramente, achei que o nosso Congresso teria coisas mais urgentes para discutir e deixasse que biógrafo e biografados se entendessem, a não ser que a biografia ferisse a moral da pessoa biografada, mas aí é caso de processo judicial, o que não foi o caso.
Fascinada que sou por biografias e também fã de Roberto Carlos, como a maioria dos brasileiros, embora muitos o neguem, contudo, a prova está em um cantor fazer sucesso desde a sua juventude e ainda arrastar multidões mesmo depois dos setenta anos.
Todos já cantarolamos para pessoas amadas, algum verso de Roberto. Muitas noivas escolhem ainda suas canções para o Grande Dia, que poderia mais dizer alguém com esta simplicidade:
”Eu tenho tanto/ pra lhe falar/ mas com palavras/ não sei dizer,/ como é grande /o meu amor por você.”
O Fato é que Roberto Carlos, se sentindo invadido, como se vida de astros fosse algum segredo, levou Paulo César de Araújo às barras do tribunal e o livro Roberto Carlos, em Detalhes, foi proibido.
Roberto achou que sua biografia só a ele pertencia. Embora conserve minha admiração por Roberto Carlos como cantor, compositor, pela superação desde criança de dores que a muitos teriam feito fraquejar e toda a sua vida fosse marcada por grandes perdas. Acho que como dizem que todo mundo tem direito a um minuto de bobeira, este foi o minuto do Roberto Carlos ao proibir sua biografia: com isso Paulo César de Araújo ficou conhecido.
A Companhia das Letras não hesitou em lançar ainda no calor das discussões o seu livro de mais de quinhentas páginas: ”O RÉU e o REI”, já a mostrar que, vindo o nome Rei em segundo plano, dá mostras de que aqui o RÉU ganhou forças para mostrar a sua admiração pelo Rei pois embora inicie contando a sua ida ao tribunal, os detalhes desta ida, o livro todo não deixa de ser um tributo a Roberto Carlos. É como se ele pulverizasse o seu trabalho anterior neste. Vale dizer: com a qualidade que nenhum biografado possa se sentir minimizado. O livro acaba sendo também um tributo ao Roberto Carlos.
os dezesseis anos de pesquisa que embasaram a redação da biografia e, por fim, os meandros de uma das mais comentadas e controversas batalhas judiciais travadas recentemente no Brasil.
Quanto a mim que sou como disse, fascinada por biografias, continuo, apesar do momento de bobeira, gostando de ouvir Roberto Carlos e - até se oportunidade, tempo e capacidade tivesse para fazê-lo - queria mesmo era biografar este baiano arretado de Vitória da Conquista, terra que já visitei. Sei que ele tem muitas coisas importantes para retratar, e, com a certeza, Paulo César de Araújo não me levaria aos tribunais. Isso fica delegado a escritores mais jovens que têm neste professor bom Mote para boa biografia.
Encerro este artigo dizendo àqueles que tiveram paciência e disponibilidade para lê-lo:
”Eu tenho tanto, pra lhes falar”......
Hilda Mendonça-Agosto-2014
*Brasília, DF, 21/08/2014.
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