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Artigos-->Momento de descontração* -- 15/07/2015 - 11:34 (Benedito Pereira da Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Momento de descontração*



Prezada Chefe: com todo o  respeito, envio a crônica Azáfama, que, com personagens fictícias e mantidas as devidas proporções, retrata momento vivido no trabalho,  nos tempos de Unico ( por volta de 2003). Está, também,  no meu livro Saudade, editado em 2007 pela Komedi, pp. 20 a 25, do qual lhe dei um exemplar.



Se me permite, vale a pena relembrar o Sr. Raimundo e a faca, que guardam semelhança com o fato ocorrido ontem em seu Gabinete.



Cordialmente,



    Benedito



AZÁFAMA (*)



 



 



                    Há quase 1/3 de século no emprego, procuro à medida do possível não me atrasar nem sair antes do término do expediente; quando o tenho de fazer, compenso invariavelmente o tempo não trabalhado com hora extra.



 



                    Como de costume, ao chegar, cumprimento todos os companheiros: é tudo o que lhes posso conceder, tendo em vista a importância que exerço na empresa (absolutamente nada, ou seja: zero dividido por zero, elevado à potência fracionária negativa, multiplicado pelo log de 1, tudo tendendo para menos infinito).



 



                    Há um colega, inteligentíssimo e brincalhão que sempre às segundas-feiras me responde:



                    – Bom-dia! Seja este encantador começo de semana – que inspira e sugere trabalho e alegria – repleto de coisas agradáveis.



 



                    Parodiando o cantor Jamelão, ao ser interpelado por Ari Barroso, que lhe elogiou a voz e fez restrições quanto à letra de melodia que acabava de apresentar, eu digo: sim, senhor!



 



                    O prognóstico do amigo realiza-se. Menos de 10 horas. Na sala do chefe, onde há encontro rotineiro dos funcionários, entra dona Quésia, a responsável pela área administrativa do órgão; meio pálida e com ar de surpresa, grita:



 



                    – Pessoal, o Felício acaba de saber que ganhou na loteria e saiu em desabalada carreira; estou atônita porque ele é jovem, irrequieto, displicente, e pode cometer algum desatino.



 



                    Todos, alegres (mas apreensivos), compreendem a notícia e ficam torcendo pelo êxito feliz de tão desejado prêmio.



 



                    O Felício, subordinado diretamente à dona Quésia, era funcionário correto e não se assustava com serviço. Era comum encontrá-lo antes do início do 1º expediente e até depois das 19h complementando pormenores de seus afazeres. O fato de haver saído assim apressadamente e sem maiores explicações deixou a chefe meio encabulada.



 



                    Os demais, em suas atividades, envolvem-se com as tarefas e se esquecem do episódio, ainda que por momento.



 



                    Passa-se o tempo. Quase meio-dia. Felício telefona. Está impaciente e inseguro com o desenrolar dos fatos. Informa à dona Quésia que não pôde saber ao certo em que jogo havia sido contemplado: lotomania, sena, megassena, supersena, surpresinha ou equivalente. Mas era inquestionável que fora sorteado, não sabia se com mais algum acertador ou se sozinho.



 



                    Nesse instante, reclamações várias chegam à dona Quésia (ela é, como disse, a protetora, o apoio, a solução para todos os problemas):



 



                    – Faltam sabão e papel higiênico nos sanitários feminino e masculino. A corrida é grande. Chama o zelador e ordena que providencie o atendimento, que demora, porém chega a tempo de suprir a necessidade.



 



                    Que pena! As solicitações, agora explícitas e mais enérgicas, continuam a desafiar a chefe:



 



                     – O café não saiu de manhã; os bebedouros estão sujos. Os panos de secar louças, imundos; o açucareiro sem açúcar e todo impregnado de resquícios alimentares; a copa fede; o lixo, amontoado, reclama que seja posto fora; garfos, colheres, pratos e congêneres, empilhados num canto, parecem dizer:



 




  • Lavem-nos; estamos aguardando.



 



                      – A sujeira impera; que fazer, dona Quércia? Por favor, colabore.  Meu contracheque veio com desconto acima do que faz normalmente; os malotes de correspondência estão atrasados.



 



                    Pior ainda é quando chega o Gregório, rapaz intransigente e insatisfeito com tudo (não sei se é verdade, todavia me disseram que ele foi visto, certa época, num shopping em que havia espelho enorme, prostrado de frente para si, brigava consigo como se fosse um estranho!). 



 



                      Em tom inquisitivo e áspero, profere:



 



                      – Ontem deixei 3 maçãs na geladeira. Elas não se encontram mais lá. Quem as comeu? Quero as minhas frutas, elas fazem parte do meu regime alimentício; não me posso nutrir sem elas.  Quero-as custe o que custar!



 



                    Dona Quésia, meio tonta, procura diminuir os empecilhos. Chama, de novo, o zelador e pede imediatas providências. Encaminha os outros ao DRH e ao DAA, tentando reparar os estragos com jeito materno e delicado. É muita atividade para uma só pessoa. Ali, todos reclamam e exigem. A cada reclamação tem ela uma palavra de conforto e desculpa.



 



                      Ocorre que o Gregório desejava as maçãs, as quais, se não me engano, lhe serviriam de almoço.



 



                       Sem alternativa, dona Quésia pede ao auxiliar que compre essas frutas no empório do seu Joaquim (espécie de armazém que oferece quase de tudo e às vezes socorre a freguesia, que não precisa ir ao aos supermercados distantes nem sempre com preços acessíveis). Entretanto, só as vende acima de 1 quilograma. Não haveria, portanto, como adquirir apenas 3 unidades.



 



                        O embaraço está criado: não há recurso econômico para tal empreendimento. Que fazer? Cada um dá sugestão diferente. Muito diálogo, até que surge o denominador comum: vaquinha; é o jeito.



 



                        Começa a coleta: 5 centavos de um, 10 centavos de outro e foi compondo o orçamento ínfimo mas reunido com espontaneidade e consideração.



 



                        Tudo caminhava sem anormalidade. O montante necessário estaria completo. Infelizmente, o contratempo chegou quando se aproxima o Antero, rapaz esquisito e de hábitos muito particulares, que esbraveja:



 



                       -  Não dou 1 centavo. Há 2 dias que não como. Somente tomo água do bebedouro, que está sem filtro e enferrujado. Nem por isso morri nem me dispus a recolher dinheiro dos colegas para alimentar minha vaidade. Ele, se quiser, que faça jejum como eu! Que se lixe!



 



                       Dona Quésia, pessoa sensata e com bastante equilíbrio, prefere não discutir e aceita as colocações.



 



                       Quando tudo parecia resolvido, surge o Raimundo, servidor antigo, cheio de critérios e hábitos pessoais, e (por que não dizer?) ranzinza. Sem participar do recolhimento para comprar as frutas, comenta com um colega, em tom baixo, porém perceptível (seguramente, outros devem ter ouvido mais ou menos):



 




  •  Puxa! Esqueci minha faca na Copa, e ela desapareceu, não sei como. Foi um descuido grande!



 



                      Não precisou mais nada para armar confusão. Um comenta:



 




  • O seu Raimundo está armado.



 



Outro complementa o feito:



 




  • E se trata de arma branca.



 



Uma jovem estagiária, menina-moça, quase ingênua, derrama seu medo:



 




  • Tomara que não seja para assassinar algum indivíduo.



 



A colega dileta, que sempre está pertinho, afirma:



 




  • Sei não... Ele anda muito esquisito ultimamente. Neste mundo, tudo pode ocorrer... Quem está com os pés na terra está sujeito a muitas coisas...



 



Corre aqui, corre ali, dona Quésia, já meio desconfiada, procura a faca. Novamente, chama o zelador (esse profissional tem de dar conta e notícias de tudo o que ocorre na Copa) e recomenda urgente investigação:



 




  • Não é possível alguém aqui portando arma, ainda mais branca, para a qual não há concessão de porte!



 



                        O solícito encarregado cumpre, mais uma vez, missão quase impossível: encontrar objeto perdido. Sai à procura da provável peça atentatória. Vai de sala em sala, vasculha gavetas, armários, caixas de arquivo, invólucros do 5S e mais e mais.... Nada é achado. Já desistindo da incumbência, localiza a dita adaga com dona Margarida, uma senhora trabalhadora, bonita e bem conservada nos seus 40 anos, que tem o hábito de descascar laranja e comer, bem calma, as fatias que, aos poucos, vai separando.



 



                        Felizmente, tratava-se de pequenino utensílio de mesa, sem corte e praticamente inofensivo e velhinho assim como pacífico e idoso (com todo o respeito) é o seu Raimundo.



             



                        Com extrema dificuldade, solucionados os impasses. Intervalo para o almoço, e a pobre nem vai à sua casa. Apanhar as crianças na escola, fazer pequenas compras no supermercado e aviar receita médica na homeopatia ficaram para o fim do 2º turno.



 



                       Já depois das 15h, liga de novo o Felício.  Com pressa em atendê-lo, dona Quésia talvez precipite o desenrolar dos acontecimentos, e responde:



         



                        – Alô, o que você deseja agora? Estou com “n” dificuldades, inclusive sentindo a sua falta para concluir um trabalho urgente que o superior me pediu para hoje, e você fica aí o dia todo cuidando de jogo de azar?! Ah! Escute! Não se preocupe, o Sr. Custódio, que está aqui do meu lado, disse que seja qual for o resultado (megassena, supersena etc.) é para você se lembrar de que ele é seu amigo há anos; espera que não se esqueça disso!



 



                       O mais grave é que ela não deixou o Felício dizer nada do que se propusera. Realmente, confundiu as coisas. Ele apenas desejava informar que foi tudo engano e não se atrasaria mais do que 15 minutos.



 



                       Desfeito o equívoco, os dois se entenderam. A rotina permaneceu, para o bem de todos, com solução de embaraços inevitáveis que surgem no dia a dia.



 



                       Passado 1/4 de hora, o hipotético felizardo chega esbaforido e comenta:



 



                       – Não ganhei por pouco, faltaram apenas alguns algarismos para eu completar a série.



 



                       Seu Custódio, que acompanhou tudo e ali se encontrava no momento, disse:



                     



                        – meu caro, você pode até não ter sido contemplado com o prêmio da loteria; entretanto, o mais importante para mim é que continuo seu amigo. Se algum privilégio recair sobre você, lembre-se disto: persista, o caminho é esse. Arrisque-se. Não gaste muito no jogo; contudo, tente! A sorte não beneficia quem nela não crê.



 



       (*) COSTA, Benedito Pereira in VI Antologia Nau Literária, 1ª ed., Campinas (SP): Editora Komedi, 2004, pp. 25 a 29, e Saudade, 1ª ed., Campinas (SP): Editora Komedi, 2007, pp. 20 a 25.



 



 



 



                       



 



 



                       


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