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Artigos-->Te gosto -- 01/10/2016 - 11:02 (João Rios Mendes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Camélia entrou em casa aos prantos. Atirou-se na cama e deixou as lágrimas escorrerem pelas bochechas rosadas. Perdeu a noção do tempo que ficou ali se entregando aquela dor. Feridas que se originam de afeições são mais lancinantes que cortes de navalhas.



Apesar da pouca idade tinha aprendido uma velha lição: numa decepção devemos dar um tempo para o sofrimento. Como ela dizia: "No máximo três dias para chorar, chorar mesmo, debulhar-se em lágrimas. Ligar música alta. Não importa a música, pode ser bossa nova, rock ou caipira. Depois um bom banho gelado e a autoestima volta renovada.”

Devemos ter plena consciência do lugar que ocupamos em nós mesmos. Saber quem somos e o quanto nos gostamos é o que mais importa na nossa vida. Nunca esqueçamos que as expectativas de felicidade devem ser depositadas em nossas próprias atitudes e experiências, devendo jamais depender de quem quer que seja para que nos sintamos realizados. Compartilhar a vida e os momentos com alguém é maravilhoso, sem isso não alcançamos autoconhecimento e menos ainda evoluímos. O Ermitão é uma criatura estagnada, evolui muito mais vagarosamente que os sociáveis, pura e simplesmente por não conviver com alguém através do qual possa dimensionar a si próprio. Ele evolui para dentro de si, não compartilha seus sentimentos nem se coloca em risco na convivência com os iguais, por isso sua evolução é incompleta. Evoluir sozinho é evoluir é só. Evidente que exercitar a convivência não nos deixa isentos de contusões e cicatrizes. Mas as cicatrizes são histórias de experiências vividas. Nada nos deixa mais fortes que a nossa história. Em alguns momentos as cicatrizes são inevitáveis e até bem-vindas.



Deixou a água morna escorrer fartamente sobre seu corpo, imaginou indo pelo ralo toda a negatividade, a mágoa e os ressentimentos que pesavam nos seus ombros e nuca. Sentiu como se uma gosma acinzentada e macilenta fosse retirada de sua pele a se esvair pelo ralo. Respirou bem fundo várias vezes. A cada respiração, quando expulsava o ar sentia-se mais leve. Estava decidida a não contar a ninguém o que havia descoberto. Desnecessário se expor daquela maneira. Apenas diria que havia terminado o namoro com o Zé. Não devia mesmo satisfação a ninguém a não ser a ela própria.



Decepcionar-se com quem amamos traz em si uma carga de tristeza difícil de suportar até para quem tem uma base sólida de amor próprio. Amor próprio ela sempre teve de sobra. Poderia até ser avoada e romântica como dizia Amélia. No entanto, tinha a mais absoluta falta de jeito para a tristeza.

Saiu do banho e botou um vestido estampado, fundo azul salpicado de florezinhas coloridas com verde, amarelo, vermelho. Alguém disse que azul acalma. Escovou a cabeleira e fez a habitual trança lateral. Olhou- se no espelho, faltava algo. Maquiou os olhos. A vermelhidão já tinha desaparecido. Estavam mais verdes que nunca. Pouca maquiagem já escondia a sombra de tristeza quase imperceptível.

Apanhou a inseparável bolsa de franjas e saiu. Caminhando vagarosamente, cabeça erguida rumo a faculdade. Subiu os dois lances de escada num fôlego só. Antes de abrir a porta respirou fundo mais uma vez. Tinha certeza que o que iria fazer era absolutamente necessário. Levou a mão na maçaneta de latão envelhecido e entrou.



"Zé?! Bom dia!"



"Oi meu bem!"



"Vamos conversar um pouquinho?"



"Sim, que foi?" Veio até ela estendendo os braços feito um polvo para abraça-la.



"Sabe o quanto aprecio a franqueza num relacionamento, então vou ser bem direta".



"Nossa, está tão séria, e essa voz pequena?"



"Pensei muito e acho que não estamos mais na mesma sintonia, na mesma vibração. Não estamos falando o mesmo idioma. Antes que nos magoemos ainda mais acho que o melhor é colocarmos um ponto final neste relacionamento."



"Ponto final? Que maluquice é essa Camélia? Que foi que eu fiz?"



"Nada, você não fez nada. Nem sei se foi algo que deixou de fazer. Talvez eu tenha idealizado um Zé que não habitava em você. Me apaixonei por um homem que existia apenas na minha imaginação. Mas não estava aí dentro."



"Mas meu bem..."



"Melhor assim e não vamos alongar essa conversa, só irá nos causar mais sofrimento ou inimizade. Agora preciso ir, eu disse a Amélia que iria com ela visitar a Tia Prímula que está adoentada e não quero me atrasar".



"Camééélia..."



"Me deixa Zé, tchau!”



Ele ficou ali parado, meio zonzo até. Parecendo lutador quando leva um soco na ponta do queixo. O que deu nela?



Desceu as escadas apressada, na rua respirou bem fundo de novo. Tinha plena convicção que estava fazendo a coisa certa. Ele nunca iria saber a verdade. Menos ainda do bebê. Uma imensa tranquilidade tomou conta dela naquele momento. Parou na praça em frente de casa, se acomodou num banco do jardim cheio de margaridas (seria uma ironia do destino?), tirou da bolsa a tal caderneta e decidida escreveu: Hoje começo a escrever meu primeiro livro. Capítulo I. O Primeiro Abraço. Ah, já ia esquecendo, o título: TE GOSTO.



“Não te gosto em silêncio

Pois entre tua boca e a palavra

Mora a minha amargura

Te gosto palavra, canção

Te gosto”.



































Colaboração: Ângela Fakir e Jeanne Martins

Desenho: Ângela Fakir

http://riscoserabiscosangelafakir.blogspot.com.br/



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