Antes de mais nada, devo esclarecer a razão que me leva a escrever-lhe indiretamente, quando bem poderia utilizar-me de seus recursos medianímicos para efetuar uma transmissão mais consistente com a sua própria maneira de ver o mundo, a existência e a doutrina. Ocorre, porém, que não tenho obtido acesso junto ao grupo que dá cobertura energética na casa de assistência espiritual a que você presta serviços.
Pode parecer muitíssimo estranha a minha informação, no entanto, você irá perceber os bons motivos que obstam a minha intromissão naquele conjunto de protetores, porque me afeiçoei às palavras e eles desejam que os espíritos que se comunicam se atenham aos sentimentos. Por isso, são assistidos muitos sofredores, muitos impenitentes e muitos obsessores, serviço evangélico da mais profunda benemerência e importância. Eu ficaria deveras atrapalhado em intentar trazer este tipo de mensagem meio filosófica, meio doutrinária, num ambiente preparado para o trabalho árduo das campanhas socorristas direcionadas para os indivíduos, sem a tendência às graves discussões que soem provocar os textos elaborados mais intelectualmente.
Veja, Sebás, que não estou menoscabando, em hipótese nenhuma, a capacidade intelectual de seus parceiros da espiritualidade. Ao contrário, tenho sido um admirador profundo da prudência e sabedoria com que vão levando as reuniões a que presidem, porque o nível de preparação que elas exigem é bem maior do que aquele a que se entregam os meus parceiros de equipe, que me proporcionam assistência em ambiente completamente isento de vibrações que pudessem oferecer perigo para o mensageiro e para o instrumento de que me estou servindo.
Você deve estar suspeitando, por outro lado, que a minha sugestão se situe no plano dos estudos kardequianos mais aprofundados, porque, por mais que se esforce em atender aos reclamos de tantos pacientes de males tão intensos, nunca se depara com digressões metafísicas, digamos, que venham a convulsionar as águas estagnadas dos sofrimentos, com perdão da inusitada figura. Acontece que, para quem mergulhou nas profundezas do oceano, a superfície agitada perde completamente sua significação, como ainda para quem paira na estratosfera, os ventos nada significam. Se você enfocar desse ângulo comparativo o que eu poderia estar a sugerir, irá perceber que o meu ponto de vista é o de quem está muito acima dessas dores quase físicas que tornam impotentes as criaturas para um raciocínio lúcido no campo doutrinário, enquanto o seu está irremediavelmente preso à situação de quem se tornou quase insensível aos cataclismos morais dos irmãos que apelam pela complacência dos algozes e pelo auxílio dos seres de mais luz.
Se eu pudesse prosseguir neste ritmo de análise, transferindo para o papel todas as nuanças que somos capazes de perceber, segundo os reflexos que obtêm as idéias com que impregnamos a nossa correspondência, seria um nunca mais acabar de redigir, em função das nossas próprias tendências, esquecidos de que o nosso amigo tem problemas específicos que gostaria de solucionar.
Finalmente, Sebás, querido, não deixe de se aventurar um pouquinho por estes ares contemplativos que vimos estimular-lhe como aspiração plausível para o momento em que o natural cansaço corpóreo alquebrar-lhe as disposições orgânicas para as funções penosas desse exercício mediúnico atual. Perdoe-me o riscado destas linhas incompatíveis com o seu habitual desempenho mediúnico e examine com atenção o fator de inusitada linguagem como vetor para a ponderação de que as dificuldades me seriam fortíssimas, caso intentasse inscrever-me entre os que se comunicam no seu centro. Talvez a sua tradução estivesse mais de acordo com o meu pensamento e o meu sentimento, mas a minha lição não se aproveitaria, com certeza, neste conjunto em que estou inserindo a comunicação que lhe propicio.
Fique com Deus, sob o amparo de seus benignos protetores!
