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Contos-->AS PELADAS -- 01/03/2003 - 12:52 (PAULO FONTENELLE DE ARAUJO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Wagner gostava de assistir aquele futebol de várzea jogado aos sábados perto de sua casa. Mas futebol era uma qualificação insuficiente para todas as competições que o menino apreciava. no local, um terreno cercado por dois metros de muro e que envolvia, não só o espaço destinado às partidas, mas também um matagal de mamonas que crescia ao lado.

Em outras palavras, naquela terra dividida, o termo futebol era inadequado, porque havia uma regra imponderável: a mata espessa de mamonas participava do jogo.

Sim, eram as mamonas que permitiam tudo até o futebol. Por que não? Wagner já encontrara no mato, perto do muro, sete velas de cera vermelha. “Macumba de fim de semana” - disseram. Já vira nascer, por ali, uma bola “Rivelino” novinha. Levara-a para casa. E aconteceu também a ninhada de sete gatos apedrejados por meninos da favela da rua de baixo.

Quando os gatos foram mortos, o menino percebeu. O matagal permitiria qualquer lance.

E foi um lance das mamonas que fez a tal mulher aparecer. Esta é a explicação. A explicação de Wagner.

O Caramuru Esporte Clube, dono do terreno, vencia a equipe inimiga por um tento a zero. O gol saíra de falha na ponta esquerda, próximo à trave. Wagner quis encontrar o erro. Examinou a colocação dos jogadores. Bem postados. Com certeza faltou categoria. O goleiro jogava adiantado. Os beques estavam fora de forma. As barrigas cresciam.


O Caramuru tinha até sua própria torcida e quando aquilo entrou em campo, rolado pelo vento, pareceu ser o pedaço da bandeira do time.

Não era o pavilhão do Caramuru. O colorido mostrava outro ícone de adoração: uma foto de mulher pelada. O menino abriu os olhos e lembrou-se das revistas que escondiam nas bancas porque criança não podia ver bunda de mulher.

Agarrou a página. Abriu a pelada. Ela destoava do futebol de várzea. Como compreendê-la sem as referências do jogo como a dos goleiros com a perna esfolada. Como entender a mulher ali, nua? Seria macumba de agradecimento, sobra de despacho amoroso? (Neste momento Wagner pensou na intervenção do matagal de mamonas para o aparecimento da mulher. Não tinha outra explicação).

Wagner esqueceu o jogo e reparou os detalhes. Página 35 da revista “Ele e Ela”. A pelada foi atriz de novela.

Enfiou a estampa no bolso, entrou no matagal e fulminou os olhos azuis da atriz. Loira “tesuda”. Coxas intactas. As mamonas do terreno nunca as feriram.

A mulher levantou o véu. Espalhou as pernas e braços no meio da mata. Completamente indefesa.

Wagner cogitou que outros braços e pernas e, principalmente, os peitos fotográficos da atriz estivessem no baque do jogo, na plena disputa das tabelas.



O peladeiro procurou as páginas restantes. Subiu o muro. Esquadrinhou todos os pontos da cancha futebolística. Viu as regiões glúteas da superjogadora na lateral direita.

Wagner quis entrar no campo, salvar o corpo da mulher, juntar seus pedaços... A vergonha foi imaginar a atrapalhação. Se descobrissem, ele seria o “peladeiro”. Não sabe jogar bola, mas sabe procurar revista de sacanagem.

Acompanhou as folhas coloridas. A atriz voou para o meio de campo. Local inacessível, ponto do chute inicial da partida, círculo somente disponível para uniformizados.

Pior agora. Como poderia invadir a sacrossanta área? Sentir-se-ia despido, sem chuteiras e com uma perna de mulher na mão. O jogo de pelada versus o menino pelado.

Decidiu sentar sobre o muro e esperar. O Caramuru Futebol Clube marcou o segundo gol. Os jogadores se abraçaram e, quando o goleiro chutou a bola, os peitos da atriz amorteceram a esfera. Bem em cima. Mulher boleira, cada parte uma taça.

O menino aproveitou o gol. Correu e pegou as fotos. Muitas fotos. Não olhou para a torcida. Saiu do terreno. Dobrou a esquina e dobrou as páginas. Colocou-as no bolso, quando então percebeu: somente ele vira a mulher. Descobrira a bola do jogo e ninguém fora mais rápido.

Ele se tornara o verdadeiro peladeiro do mundo.




Encheu-se pela constatação da vitória. Agradeceria ao matagal de mamonas. Não com um despacho que ele não era macumbeiro. Agradeceria simplesmente.

Resolveu examinar rapidamente a fruta da vitória. A jogadora estava ali e levantou os braços. Mostrou os lábios. Ela não era a boleira, mas a meta.

O vencedor chegou em casa, entrou no banheiro, fechou a porta. Sentou-se sobre o vaso sanitário e vislumbrou o corpo da mulher campo aberto sem marcas de cal. Ela agora estava longe das linhas divisórias. Soltava os cabelos.

O menino olhou, olhou, pensou, olhou... tudo fora um jogo.

Ele percebeu que deveria iniciar o segundo tempo. Seria o tempo da “punheta” que os meninos comentavam? Punheta de foto de mulher pelada? Falavam nela até mais do que sobre futebol. Contavam vantagem. “Bati punheta a noite inteira”. Seria agora? A etapa decisiva da pelada, jogo de várzea no banheiro.

Wagner pressentiu que o segundo tempo começaria, mas de que jeito, qual a técnica? Chutar de bica? Então percebeu que nascera sabendo. Era na mão, que parece ameaçar, mas volta.

A loira ria e ria para provocar. “Quero ver se você acerta”.

Tentou do jeito imaginado. Parou. Voltou. Insistiu. Repetiu. Encarou a pelada. Ela ganharia. De súbito veio um puxão na barriga. Parou. O que sentira? Tinha que ser daquela forma? Sabendo que a mulher da foto tinha olhos e boca... e formar tudo na cabeça. Não esquecer. Outro puxão e o que saiu, quase rasgou o menino ao meio. Não acreditou que podia.

Wagner percebeu ( mesmo depois de muitos anos) que não conseguiria ficar ali sem ação, de bobeira, vendo a mulher passar, driblar seus olhos. Correr a bunda redonda pela defesa.

Guardou as fotos para mais tarde. E quando foi repetindo as investidas percebeu que as pelejas tornaram-se um campeonato... com novas fotos, outras pernas, outras mulheres... sempre a mesma estratégia vitoriosa. Organizou o calendário esportivo. Ejaculações as quartas, sábado e domingos. Toda semana.


Do livro:"As crianças do General Médici"
E-mail do autor: fontenelleph@gmail.com
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