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Artigos-->TARDE FRIA EM PARÍS -- 17/12/2016 - 23:45 (Adalberto Antonio de Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos




Quando Fernão entrou na aeronave, os demais passageiros já estavam sentados e os comissários de voo, preparavam-se para a demonstração de uso dos equipamentos de segurança. Abriu o livro com avidez; aguçou a imaginação. Foi engolindo cada página como se nunca houvesse lido aquele livro antes. Queria ser diferente dos outros seres de sua espécie: não mataria por vingança, ao contrário, superaria suas próprias forças, quebraria as barreiras e limites individuais, dominaria o céu. Sentiu-se uma gaivota nas mãos de Richard Bach: ‘Não seria mais um ser qualquer à procura de ração.’ Queria fazer acrobacias que deixassem Vanini encantada, arrependida de tê-lo trocado por Hemor. Faria tudo sozinho sem pedir ajude a Simeão nem a Levi. Aperfeiçoaria sua técnica de voo, de modo que nenhum piloto voasse tão bem quanto ele. Poderia simular um acidente aéreo, destruir a Casa Rosada ou o Castelo Branco, para retirar sua amada dos braços do aviador.

 Enquanto divagava, um comissário apresentou os equipamentos de segurança, e uma voz suave descreve o modo de usá-los.  Sucessivas descargas elétricas dispararam flashs na janela,  o ribombar tardio do trovão fez tremer a fuselagem. Fernão já não tinha certeza se se tratava apenas de um vácuo ou de queda livre. Rostos nervosamente amedrontados trocam olhares de espanto. 

 Lera Capelo Gaivota,  com a intenção de  aprender a superar  seu próprio limite. Naquele momento, no entanto, sentia-se derrotado na luta contra  o ciúme — este mau sentimento era seu  grande obstáculo — Precisava estar aberto de corpo, e de  mente, quando desembarcasse em Paris para conversar com Vanini.  

O desejo pela coisa proibida tinha-se tornado o vulcão aceso com a tocha do diabo, que induziu Siquém a sequestrar Dina. E Páris a raptar Elena. Vulcão que também ardeu na alma de Hemor quando tomou Vanini para si.  Fernão decolaria do porta-aviões Charles de Gaulle para pousar no coração da amada e nunca mais decolar. Queria superar os limites de suas forças; rasgar as páginas  que registram a vida de um homem traído e não esconder de si mesmo o segredo que muitos já sabiam: sua mulher o trocou por um piloto que voava sem licença para voar. Pobre diabo este Capelo. Não tinha boas lembranças de Paris: as tardes  frias tocavam folhas secas no outono de seu coração.

Tremeu. 

Veio um  impulso interior despertar nele o  desejo de escrever. A caneta dançou como varinha de condão em mãos de fada. Com certeza, a vida, o amor, tudo que há na terra, no céu, no mar, está na poesia que o poeta pinta, com a tinta a escorrer numa folha de papel. 

Levou o recorte do bilhete que a mulher deixara no criado. Seria uma forma de abordá-la: ‘Vim te devolver isto’. Abriu-o e releu em silêncio o poema que escrevera no verso do papel. Dobrou-o cuidadosamente e o guardou outra vez na carteira. Entregaria a Vanini, assim que desembarcasse  em Paris. E reprisou a cena do abraço com a mãe no Aeroporto. As preocupações dela sobre um sonho que tivera com o filho, navegando um navio sem timoneiro a chocar-se com o paredão da encosta. Fernão tinha certeza de uma coisa: não voltaria sem ter uma conversa com  a mulher, que antes fora sua esposa, e quando retornasse da França contaria tudo a Ravenala. Malgrado, não conseguisse nada com Vanini, não poderia perder a oportunidade de construir novo lar com outra pessoa. Pelo sim, pelo não, Ravenala  sabia de sua viagem apenas para concluir o curso de aviador. 

Nos momentos de aflição, as horas parecem escorrer mais lentamente e cada minuto torna-se uma eternidade. Fernão estava em um isolamento de quatro paredes aladas. Paredes de ferro que  voava e parecia não sair do lugar. Sequer ouvia com clareza o ronco das turbinas, tal era sua compenetração na leitura de Bach. Tudo era um silêncio mortal, até que de repente, uma voz se fez ouvir em toda a aeronave: ‘Senhoras e senhores, estamos sobrevoando a costa Sul do Senegal. Temos nuvens pesadas em rota de colisão... Haverá alteração no plano de voo e atraso de trinta minutos na hora prevista para o pouso em Dakar. A temperatura externa  é de quarenta e sete graus negativos. Boa noite e boa viagem!’

***


Adalberto Lima - Estrada sem fim...(obra em construção)

Imagem: Internet


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