— “Meu mestre, por favor, vem ajudar-me,
Que estou necessitado de conselho!
Preciso que haja paz para o desarme
Dos vícios que criei dês rapazelho:
Pensava que ofender me dava ‘charme’.;
Agora aqui me ponho de joelho
E rogo a ti e aos mais me perdoeis,
Para cumprirdes bem as justas leis!”
Notou o sofredor que, sobre o chão,
Mantinha um só joelho e não os dois.;
E deu mais sofrimento ao coração,
Que a luta era p’ra agora e não depois.
Mas não dobrou a perna, a dizer “não”
Ao sentimento tolo: — “Por quem sois,
Ó vós que me espreitais atrás da porta,
Na ânsia de saber se o bem se aborta!...”
Gostou o mestre amigo da proposta,
Fazendo-se presente ali no quarto:
— “O povo que te ouviu não se desgosta,
Embora da malícia esteja farto,
E quer que te ofereça esta resposta:
A dor de ajoelhar é como um parto:
Enquanto o sofrimento não termina,
Não vai nascer do amor a sã doutrina.”
— “Que devo, então, fazer p’ra suprimir
O medo que me faz tão precatado?
Se devo ser feliz lá no porvir,
O que devo mudar já neste estado?
Terei de as tuas aulas só ouvir
Ou devo assimilar o que arrecado
Dos fatos que me envolvem no presente
Para tornar-me são eternamente?”
— “Estás encaminhado e mais seguro
Das normas que nos trazem cá no etéreo:
Superas os assuntos com apuro
De quem já refletiu sobre o mistério.
Então, fica sabendo que hoje eu juro
Que irás sentir suave refrigério,
Mantendo essa postura de humildade,
Dizendo o coração: — O bem me invade!”
Gualberto pôs-se a rir como um cretino,
Na certa por se ver apaniguado.
Sentiu-se como quando era menino,
Nos braços da mamãe, com forte agrado.
Pensou que era feliz e fez um hino:
Vitória de conquista de soldado
Que fere os inimigos mas quer paz,
Apenas porque a guerra o satisfaz.
Mas não caiu no conto do perfeito,
Que o dia era puxado, impróprio a isso.
— “Se o mestre me der trela, olha que aceito,
Embora não compreenda o compromisso
Que tens para comigo, alma de eleito,
A não te perturbares no serviço.
Irás me dar guarida — sim ou não —,
Pois algo que não vi te dá razão?”
— “Pretendo fornecer-te o melhor trato,
Porquanto tu compreendes que não sofres.
A vida é quase sempre um bom contrato:
Os homens é que fecham nestes cofres
De ódio o coração. Se, de imediato,
Te peça que com lágrimas aljofres
As dores que causaste a tanta gente,
O que me vais dizer que o bem aumente?”
— “Teria alguém chorado assim por mim?”
— “Quem pensas que tu és p’ra perguntar?”
— “Suponho que saber não é ruim.”
— “Supor é bem que o homem deve amar.”
— “Pois sou o desgraçado que pôs fim
À vida num momento. O meu azar
É que não pude ver como deixei
Aqueles que feri da minha grei.”
— “Pois sabe que rolou profundo pranto
Dos olhos que te viram como filho.”
— “Não venhas me dizer que agora é santo
Aquele que me fez um maltrapilho,
Mendigo a mendigar um simples canto
Para pousar o corpo. Hoje eu me humilho,
Mas não perdôo o pai que Deus me deu,
Que não me perdoou, por não ser seu.”
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