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Contos-->4. O ANEL -- 18/03/2003 - 08:02 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Lino era matreiro como quê. Vivido, não apresentava outra falha no caráter, se é que a matreirice possa assim considerar-se. Por isso mesmo, causava inveja através das proezas cujas descrições tornavam seus feitos admiráveis. No entanto, ninguém, ao ser-lhe apresentado, mantinha a prevenção. Ao contrário, até para quem os relatos provocavam boas reações, ele se impunha pessoalmente como mui superior a qualquer enaltecimento fantasioso.

O caso do anel provavelmente irá descrever-lhe a personalidade na inteira grandeza de sua envergadura moral.




Freqüentava Lino as sessões públicas do centro espírita que distava duas quadras de sua casa. Ouvia atentamente as palestras e orava intimamente para que os horrores das trevas não se reservassem para si, sem se empenhar, contudo, em participar das atividades do grupo. Assimilava as lições mas não as punha em prática, a não ser materialmente, pois reservava dez por cento de todos os ganhos para os cofres da entidade.

Não fazia alarde das doações, solicitando que fossem sigilosas, sendo anotadas como de anônimos. Também não eram muito significativas, mero professor secundário aposentado no serviço público. Enquanto era viva a esposa, não dava nada, porque os três filhos do casal exigiam naturalmente uma educação esmerada, tanto que se graduaram na universidade. Viúvo, desfez-se das alianças, mandou fundi-las, e recebeu em troca um modesto anel em que se representava um coração, anel que levava no dedo magro da mão esquerda, no mesmo anular em que trouxera a aliança.

Regressava ele, certa noite, do centro espírita, quando, dentro da escuridão da rua deserta, gritaram:

— “Seu” Lino, passe a carteira, o relógio e as jóias.

Enquanto punha para fora do bolso os poucos trocados que portava, fazia funcionar a memória para reconhecer aquela voz dentre seus inumeráveis alunos. Levantou o braço esquerdo, puxando o agasalho de lã para baixo, para demonstrar que não tinha relógio.

Foi quando lhe agarraram a mão erguida com forte repelão, ficando com ela presa na mão pesada do assaltante.

“É o Honorato, com certeza”, pensou, hesitando em revelar ao bandido que sabia quem era ele.

— Se eu não conseguir tirar este anel, corto o dedo fora.

— Você não pode fazer isso, meu filho, porque, como já lhe ensinei um dia, a expressão popular reza que os dedos devem ficar e os anéis é que se vão. Desse jeito, você vai mudar o ditado para: Vão-se os anéis e também os dedos. Assim não vale!

Dava às frases as mesmas entonações das aulas, aspirando promover no outro uma reação de simpatia e comiseração.

— Cala a boca, professor, senão o senhor não vai perder somente o dedo.

De fato, o anel passou para a mão calosa do bandido, que liberou o braço. Tendo intuído que o homem fosse um trabalhador desesperado, Lino arriscou:

— Eu acho que essas mãos estão acostumadas a erguer paredes e a calçar o chão. Não são as mãos de um assassino.

— Você está falando demais. Tire o paletó.

Lino atendeu e logo o jaquetão estava sendo examinado pelos olhos que reluziam dentro da máscara que surgiu iluminada pelo facho de luz de uma lanterna.

Atreveu-se a vítima mais uma vez:

— Esse anel que você tirou de mim vai ser vendido para comprar leite para o seu filho doente? Não precisa responder: cheguei a isso porque estou achando que ele não vai servir no seu dedo.

— Tire as calças.

Rapidamente Lino abriu a fivela, desceu o zíper e passou pelos pés os canos da calça, apertando-os de encontro aos sapatos. Em seguida observou:

— Honorato, pelo amor de Deus, deixe-me ajudá-lo para o seu bem e de sua família.

— Você acaba de lavrar a sua sentença de morte.

— Quem aprendeu a utilizar tão corretamente as palavras não pode desperdiçar a vida praticando crimes.

Não obtendo resposta, Lino prosseguiu:

— Vamos fazer o seguinte: eu lhe dou de presente o anel. Ele já é seu. E também todo o pouco de dinheiro da carteira. Agora você me devolve as calças e o paletó e eu lhe faço um cheque, como se fosse um negócio de compra e venda.

Rapidamente, o professor preencheu o cheque e, passando-o ao facínora, completou:

— Amanhã, você vai cedo buscar o dinheiro no banco. Eu lhe prometo que não vou sustar o cheque nem vou avisar a polícia. Mas você vai ter de me fazer um favor: vai entregar o anel, que agora já é meu, à sua mulher, para ela ir devolver-me lá no centro espírita. Talvez eu lhe arrume emprego ou um serviço e a ela condições de se alimentar e de se vestir, porque nós temos um departamento de assistência social. Vá com Deus!

Desalentado, o pobre assaltante retirou a máscara, evidenciando que não era o Honorato. Ainda teve força moral para um breve “até logo” e um sofrido “muito obrigado”.

Lino fez questão de dar-lhe um aperto de mão e um derradeiro aviso:

— Você não sabe o bem que praticou ao mostrar sua identidade, bem para você mesmo e para o Honorato.



A esposa do fracassado bandido, depois de uma semana, já entrosada com a turma do centro, foi quem deu a conhecer a todos a história do anel, claro, com alguns acréscimos vigorosos que amorteciam a culpa do marido e elevavam a obra do benfeitor.

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